sábado, 17 de dezembro de 2011

SANDRIGO e EXPRESSO DO ORIENTE


                                                                                        Arte de  Georgeta Blanaru


SANDRIGO I  (24 OUT 11)

Em Istambul, uma nossa companheira
perdeu as malas, deixadas para trás...
Nesse descaso que a companhia traz,
não nos surgiram nunca sobre a esteira...

Premonição decerto derradeira
que a avisou, talvez, que nesses lás,
por essa vez, não encontraria a paz,
que havia intrigas e a inveja costumeira...

Ficamos largo tempo no aeroporto,
eu sentado, cuidando das bagagens,
minhas familiares saíram a fumar...

Enquanto a outra, em sala sem conforto,
empreendia a sua busca com coragem,
sem sua mala conseguir localizar...

SANDRIGO II

E não queria o guarda do aeroporto
à minha esposa de novo permitir
que entrasse, para me substituir:
pitar cigarro parecia outra viagem!

Queria que passasse o desconforto
de uma nova revista, outra triagem,
qual transportasse granada na bagagem
e o imenso prédio quisesse destruir!...

Foi necessária a intervenção do guia,
Hassan Enki, a quem muito agradeço,
antes que ao prédio retornar pudesse.

Pois só depois que me substituiria
eu poderia localizar, com meu apreço,
tal bagagem mais perdida que uma prece!

SANDRIGO III

Fomos depois levados pelo guia
até um hotel, de nome venerado,
pois Venera certamente era chamado
e tratamento bom se recebia...

Tomei o banho que já tanto queria,
prestei tributo a Caco, já cansado...
Já era tarde e o sono perturbado
foi por exótica e bela gritaria...

Pelas seis da manhã, um muezim,
seu chamado eletrônico ampliado,
se pôs a convocar fiéis à prece...

Nessa cidade de ocidental paisagem,
em cujo povo fracamente islamizado
a proteção de Alá ainda desce!...

SANDRIGO IV

Alegava o hotel ter quatro estrelas;
o café da manhã era excelente;
ofereceram banho turco à gente
e instalações de spa para as donzelas...

Naturalmente punham preço nelas,
seriam extras bem caros, claramente.
Eu não buscava artifícios, certamente,
são as mulheres que anseiam ser mais belas

e acreditam que tais coisas ajudam...
A mim bastava olhar pelas janelas,
pelas quais via anúncios luminosos,

figuras digitais, que sempre mudam,
quase antes que se possa percebê-las,
enquanto os carros se moviam silenciosos.

SANDRIGO V

Foi a coisa que me chamou mais a atenção,
esses veículos quase a se tocar,
que quase nunca se ouvia buzinar...
Só os megafones alertavam a multidão,

quando de novo na almenara estão
os muezins, mais uma prece a convocar.
Que coisa incrível esses carros a ocupar
o espaço inteiro e sem contestação!...

Ninguém gritava para pedir passagem,
apenas ocupavam o lugar...
Mais tarde vi, para meu divertimento,

que os transeuntes ali também se engajem,
pelas ruas, sem nunca se empurrar,
mas avançando em constante movimento...

SANDRIGO VI

E nas calçadas havia escadarias
conduzindo a ocultas aberturas...
Vasta ameaça em noites mais escuras,
possíveis quedas ao longo dessas vias!...

Assim se abriam, junto às paredes frias
e lá no fundo, sob luzes duras,
filas de roupas, mas que por loucuras
só em atacado adquirir podias!...

Só mais tarde descobriram novas lojas,
em outras ruas já um tanto afastadas,
em que a venda peça a peça era normal.

Enquanto nas primeiras já te enojas
pelas ofertas mil sendo mostradas,
nesse comércio sem nada de oriental!...

EXPRESSO DO ORIENTE I (26 out 11)

Houve um dia em que, tomadas de cansaço,
preferiram ficar as duas no hotel,
esposa e filha; e foi na noite, justamente,
que nos levaram a jantar nessa estação
ferroviária a guardar o antigo traço
do Expresso do Oriente, exatamente
na parada que encerrava essa excursão.

Mantinha ainda a decoração antiga
o velho restaurante em que Poirot
foi colocado por Agatha Christie
e refilmado a cor e em branco e preto.
(Ninguém assassinou qualquer amiga;
de certo modo até me senti triste,
pela ausência de um enigma secreto...)

É claro que eu poderia ser suspeito
e as prisões turcas têm má reputação...
Mas limitei-me a assassinar minha sopa.
Também meu peixe triste me fitava,
porém não vi no seu sabor defeito,
nem no raki servido na minha copa,
enquanto a companhia reclamava...

EXPRESSO DO ORIENTE II

Os pratos nos chegavam em carrinho,
locomotiva em seu formato saudosista,
com chaminé para o vapor e até farol,
porém a única fumaça que subia
era a da sopa trazida com carinho,
ainda quente, qual raio de sol,
tanto quanto aquele clima permitia...

Havia uma fonte, bem elaborada,
construída com pedras, qual presépio,
reproduzindo uma cena do passado...
Mas, na verdade, apenas disfarçava
a descida até a cozinha, pela escada 
e o acesso do banheiro, mais ao lado...
Será que aqui o Rei Guilherme se aliviava?

Bem certamente existem marcas nos esgotos
de Agatha Christie e de Pierre Loti,
que antes de criar a ambientação
de "Aziyadê", veio-a estudar também.
Pelas paredes as mais variadas fotos,
embora algumas tão só reprodução
desses atores que a memória ainda contém...

EXPRESSO DO ORIENTE III

Foi nessa noite que adquiri passagens
no carro-leito para Sófia, na Bulgária.
Para meu desaponto, só noturna
era a viagem para tal país!...
Mas comprei mesmo assim, porque bagagens
já me causavam impressão soturna
e enfrentar outro aeroporto já não quis...

Há uma longa extensão na plataforma,
que avança talvez meio quilômetro.
Fontes de pedra para bebedouro,
os prédios todos fechados nessa hora.
Marchei até o final, na noite morna,
para ao menos conhecer o logradouro.
Rodeei o último poste e vim-me embora...

E novamente procurei fantasmas...
Não os achei ao ar livre ou na balbúrdia
do restaurante, com tantos comensais.
A fachada do prédio ainda em reforma,
os aerossóis expulsaram os miasmas,
comprei alguns folhetos comerciais
e logo a van para os hotéis retorna...

EXPRESSO DO ORIENTE IV

Vi alguns trens chegando à plataforma,
iguais a quaisquer outros europeus;
são trens elétricos de umbilicados fios.
Nada restava do aroma do carvão,
o conjunto da engrenagem já não torna,
tudo coberto por esses painéis frios
de corrugado alumínio sem paixão...

Busquei em vão as lanternas mais antigas,
não encontrei relógios ou semáforos.
O guichê mantinha horários digitais...
E sabendo ser meu turco insuficiente,
pedi ao guia de maneiras tão amigas
que presidisse às démarches naturais,
na aquisição do ingresso pertinente...

A outro século queria ter voltado,
que mais não fosse durante a meia-noite...
Mas ai de mim! Saí de lá cedo demais...
Não me perdi nos salões em Art-Nouveau
e assim confesso que fiquei desapontado,
pois queria era embarcar-me no jamais
e o trem do antanho nem ao menos apitou!...

Veja também minha "escrivaninha" em Recanto das Letras > Autores > W > Williamlagos e o site Brasilemversos > Brasilemversos-rs, em que coloco poemas meus e de muitos outros autores.
Edição e postagem: Andréia Macedo




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