sábado, 5 de março de 2022



  

DOCE É O NOME I – 2 mar 22

(Greta Garbo)

sinto doçura ao teu nome pronunciar,

no céu da boca, qual fora uma estrela,

escorre a gota qual beijo de donzela

até a glote para quase me engasgar.

sinto doçura ao teu nome relembrar

no céu do crânio, acima das lamelas

das três meninges protetoras, cinderelas

de qualquer beijo gentil de romantismo.

sinto doçura cada vez que o escutar,

mesmo arriscando certo laivo de ciúme:

por que outrem teu nome falaria?

pois eu apenas o devera pronunciar

e o sinto envolto em cobertura de azedume,

que em meu egoísmo só a mim pertenceria.

 

DOCE É O NOME II

sinto teu nome quando a chuva cai,

seus pitepates leves na janela,

mais uma vez qual beijo de donzela,

da persiana à vidraça leve vai;

sinto teu nome quando a nuvem sai

de trás dessa colina sentinela,

que de verdor parte do céu cinzela:

algodão doce sobre mim recai.

ouço teu nome quando o bentevi

feroz pipila, sem comigo se alegrar

ou o picapau minha glicínia ataca;

decifro o nome em cada som que ouvi,

mesmo a busina da carreata a anunciar

que o livre trânsito nas eleições empaca...

 

DOCE É O NOME III

sinto teu nome no fugor da aurora

e em cada viração crepuscular,

sua luz melíflua aciona o meu sonhar,

envolto em ti de novo nesta hora.

cada aspecto do céu meu canto explora

e se expande novamente em globular,

mil meteoros te fazem relembrar:

cometa algum enviarei embora,

que a teu redor orbite em espiral,

porque teu nome continua perto;

e que não seja tal órbita um oval,

teu nome sinto em cada supernova

que assim reluza sobre o céu aberto,

que em ferro em brasa meu coração comova.

 

SANGUE É O NOME I – 3 MAR 22

por que se encontram atavés da terra

essas deidades tão sanguinolentas?

são adoradas das formas  mais cruentas,

sangue em hissopo sobre o povo que se aterra;

por que a ânsia de sangue que se encerra

nesse anseio por fumaça nas suas ventas,

por que tantos altares como forjas labarentas

nos píncaros a instalar de cada serra?

seria de supor que os sacerdotes

carne quisessem para seus banquetes,

sob o pretexto de aos deuses ofertar.

e certamente, nesses convescotes,

a imagem do garfo nos panelões completes,

das longas mesas em que os vês sentar...

 

SANGUE É O NOME II

sabe-se lá o que tais deuses comem;

parece a bíblia ser mais realista:

é a fumaça que do altar sobe à pista,

enquanto as chamas as vítimas consomem,

mas é só parte das ofertas que se tomem

para queimar no altar que ao deus insista,

o restante preparado bem à vista

e que os melhores pedaços se retomem

para alimento dos sacrificadores;

que seja o sangue totalmente derramado,

que pelos sulcos do altar seja levado

como adubo para os campos dos senhores,

o seu valor não sendo assim todo perdido,

mas em futuras colheitas convertido...

 

SANGUE É O NOME III

raros os casos de queima total,

como no ventre faminto de carthago,

ao deus moloque entregue o seu afago:

pois são carnes de crianças afinal!

ou culto oriundo da frígia oriental, (*)

em que jovens se esmagam como lago

de sangue, ao comando de algum mago,

consagrado ao poderio matriarcal

da grande-mãe, ou quando o substituto

do rei – ou o próprio rei, às vezes,

é degolado para as colheitas garantir;

por que o sacrifício final e absoluto

da vida humana, quais humanas rezes,

senão ao sadismo de hierofantes assistir?

(*) hoje no nordeste da turquia.

BEIJO É O NOME I – 4 MAR 22

as muitas vezes que eu amei passaram,

pertencem ao jamais e só me resta

este sonho de amor que não contesta

as ilusões que meus olhos conservaram;

ficam no nunca os beijos que colaram

contra minha boca a gelatinosa giesta,

porém sua ausência não mais me molesta,

que são vivas as memórias que sobraram.

mas o que houve com um beijo do passado,

quer se a memória tornou-se falecida,

quer ainda viva, visto que é memória?

existe o beijo além do lábio alçado

ou só de um toque pode ser nutrido,

fora das bocas sua existência inglória?

 

BEIJO É O NOME II

eis um dilema: é o beijo pura ação,

apenas carne contra carne nesse adejo,

consecução apenas de um desejo,

ou tem sua vida e própria duração?

se for apenas essa consumação,

todo beijo só depende de um arpejo;

metade é teu, caso o dês sem pejo,

metade de outram, para ter realização.

pode um beijo existir de si somente,

sem duas bocas a lhe dar significado,

qual mariposa, pequeno ser alado?

pode um beijo introduzir-se, de repente,

entre o olor que projetam dois amantes

e então partir, igual qual fora dantes?

 

BEIJO É O NOME III

será que andam os beijos por aí,

à cata de ptialina e de saliva,

a intrometer-se, de tal forma incisiva,

por entre as bocas, sem suspeitar de si?

será que após manifestar-se ali,

revoa o beijo, com sua fome rediviva,

qual um duende que nos incita aqui?

só os europeus desenvolveram o costume,

da mesma forma que o arreganho do sorriso,

em outros portos o beijo nem chegou,

dessa atração a atiçar o gume,

numa alegria que põe de lado o siso

em cada olhar no qual breve rebrilhou?

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