O ENIGMA DO MOSTEIRO 1
– 25 OUT 22
Mais do que eu, os
monges do passado
pertenciam a um
passado mais distante;
não pertenciam ao sol,
por mais vibrante,
tampouco à chuva que
respingasse ao lado;
seu próprio nome a ser
abandonado,
para adotar nome mais dignificante,
de outro monge de vida
já cessante,
no jardim do mosteiro
já enterrado!...
E nada mais, além de
seu breviário,
deveriam ler, sequer a
Escritura,
que apresentava tanta
narrativa impura,
mas venerar com devoção
o escapulário,
cujos ossos os
prendiam ao tempo antigo,
os dias do presente qual
demoníaco inimigo.
O ENIGMA DO MOSTEIRO 2
Sem dúvida, as horas canônicas de oração
pouco tempo lhes deixavam para a vida;
nos intervalos das preces só contida
a prática dedicada à contrição;
à sua maneira, eram só continuação,
mais que do passado, de cada hora vivida
por seus predecessores, sua própria hora perdida
no vaivém daquele intenso ramerrão.
Eram monges, afinal, por profissão,
e não seres humanos naturais,
toda a existência controlada em plenitude,
sem grande margem para rebelião,
somente as refeições sendo normais,
que os conservassem em sua vida rude.
O ENIGMA DO MOSTEIRO 3
Porém que simulacro de vida, na verdade!
As monjas, pelo menos, eram casadas
com Jesus Cristo, alianças enfiadas
em seus dedos, para manter fidelidade
e caso fantasiassem perante a crueldade
daquelas imagens desnudas penduradas,
não era pecado, pelo Filho desposadas,
reais esposas em sua total irrealidade.
Mas os monges, coitados! Quem lhes
dera
esposos serem de sua Virgem Maria,
mas que blasfêmia e que abominação!
Que confessar sequer algum pudera,
presos nos cíngulos mantidos noite e dia, (*)
castrados sendo por tal consagração!
(*) Os cintos dos hábitos, com três nós.
O ENIGMA DO ANTANHO 1 – 26 OUT 2022
Eu conheci só dois de meus avós,
viviam menos os que viviam então;
esses que conheci, até se contarão
entre aqueles que viveram longos nós;
surgi no mundo mesmo décadas após,
mas não me integro na presente situação,
sou mais ligado aos anos que lá vão,
já esmagados pelo tempo com suas mós.
Não que me apegue à infância, certamente,
não alimento quaisquer tolas ilusões
de que fosse mais feliz quando criança,
minha lealdade a quanto li antigamente,
não só contos de fadas em faíscas de ilusões,
mas por histórias reais que a mente alcança.
O ENIGMA DO ANTANHO 2
O que recordo, realmente, são as
salas de cinema,
essas igrejas escuras em que sonhava
a multidão,
com as vidas do passado em plena
identificação,
bem mais que o dia externo a
cortar-me dessa cena;
se fosse à tarde, por mais inocente o
tema,
a luz do sol ao sair me afetava em
explosão,
aquele mundo da tela denunciado em
ilusão,
pura sendo a fantasia da atriz que
nela gema!
Mas o contraste era tanto, o filme
formosa gema,
e a rua meio empoeirada, de uma certa
esqualidez,
nesse choque repentino de irreal
realidade,
um desejo mal contido a dominar-me
qual lema,
de pertencer ao Olimpo da
bidimensionalidade
unidimensional tornada nessa tela em
que o revês.
O ENIGMA DO ANTANHO 3
Quando criança, bem recordo, não
havia televisão,
muito menos os ubíquos monstrinhos
celulares,
jogos de mesa apenas englobando meus
azares,
sem a presente violência incontida da
imersão.
Mais atingido por livros fui eu em
profusão,
não somente de lendas percorridas com
vagares,
de história e de ciência a contemplar
altares,
perdida minha consciência em sua
antiga narração!
Do mesmo modo que as histórias dos
avós,
sem querer na realidade achar
contradição,
agora eu sei que em grande parte eram
falazes,
mas não busquei desatar ou cortar os górdios
nós,
pois verdadeiras ou falsas ainda as
trago ao coração,
colunata de pórfiro a forjar todas minhas
bases.
O ENIGMA DOS CONTOS 1 – 27 OUT 2022
Em seu castelo nas nuvens, a princesa tece a chuva,
usa o vento como fuso, firme na mão calça luva,
que o fuso não a perfure, sentada diante da roca,
caso durma por cem anos, longa seca é que nos toca!
Na cabaninha do mato, Branca cuida do pomar,
sem ter a menor ideia de que a possa envenenar,
que um pedaço de maçã atravessado na garganta,
também a faça adormecer no ataúde em que se tranca!
Em ambas as historietas, quem acorda essa princesa
é o Príncipe Encantado, inclinado para o beijo...
Branca de Neve, quiçá, estava só engasgada
e a Bela Adormecida, em sua idêntica proeza,
fica presa num castelo, no qual nem sequer adeja
a drosófila das frutas, em pleno ar encantada!
O ENIGMA DOS CONTOS 2
Hoje em dia é diferente, fica a Bela
Adormecida
cem dias de fato apenas, apenas a
digitar,
o seu dedo foi picado por tecla de celular
e ali fica ensimesmada, a desperdiçar
sua vida!
Caso o Príncipe Encantado queira a
mata ver vencida,
decerto em computador irá a passagem
planejar;
sua Bela Adormecida em seu tablet a
encontrar,
em qualquer rede social totalmente
absorvida!
Enquanto a Branca de Neve, em
realidade virtual,
anõezinhos a chorar, ataúde de
cristal,
que nem ao menos reflete a sua face
delicada,
como o espelho da Rainha, incitação
para o mal,
um par de óculos estranhos a cobrir a
sua fachada,
com que odeia a mulher jovem por
sentir-se superada!
O ENIGMA DOS CONTOS 3
Essas histórias antigas são somente
alegoria,
de certo modo o conflito a refletir
das gerações,
a rainha que foi mãe, em fantásticas
noções,
projetando a sua inveja na bela jovem
que via!
Mas em protesto virll, na vida que se
inicia,
sai a jovem princesinha à cata das
emoções
e de algum modo se perde na floresta
das paixões,
adolescente rebelde, mãe-madrasta é
que a prendia!
Abandonada na mata, suas lágrimas nos
trazem chuva,
com cem lágrimas de sangue a própria
vida é que cria;
será que a inveja da mãe é uma coisa
assim potente
ou é ela que imagina ser necessária a
sua luva
para proteger seus dedos desse rancor
que sentia,
ao ver que seu pai amado, ama sua mãe
realmente?