segunda-feira, 31 de outubro de 2022


 

 

O ENIGMA DO MOSTEIRO 1 – 25 OUT 22

 

Mais do que eu, os monges do passado

pertenciam a um passado mais distante;

não pertenciam ao sol, por mais vibrante,

tampouco à chuva que respingasse ao lado;

seu próprio nome a ser abandonado,

para adotar nome mais dignificante,

de outro monge de vida já cessante,

no jardim do mosteiro já enterrado!...

 

E nada mais, além de seu breviário,

deveriam ler, sequer a Escritura,

que apresentava tanta narrativa impura,

mas venerar com devoção o escapulário,

cujos ossos os prendiam ao tempo antigo,

os dias do presente qual demoníaco inimigo.

 

O ENIGMA DO MOSTEIRO 2

 

Sem dúvida, as horas canônicas de oração

pouco tempo lhes deixavam para a vida;

nos intervalos das preces só contida

a prática dedicada à contrição;

à sua maneira, eram só continuação,

mais que do passado, de cada hora vivida

por seus predecessores, sua própria hora perdida

no vaivém daquele intenso ramerrão.

 

Eram monges, afinal, por profissão,

e não seres humanos naturais,

toda a existência controlada em plenitude,

sem grande margem para rebelião,

somente as refeições sendo normais,

que os conservassem em sua vida rude.

 

O ENIGMA DO MOSTEIRO 3

 

Porém que simulacro de vida, na verdade!

As monjas, pelo menos, eram casadas

com Jesus Cristo, alianças enfiadas

em seus dedos, para manter fidelidade

e caso fantasiassem perante a crueldade

daquelas imagens desnudas penduradas,

não era pecado, pelo Filho desposadas,

reais esposas em sua total irrealidade.

 

Mas os monges, coitados!  Quem lhes dera

esposos serem de sua Virgem Maria,

mas que blasfêmia e que abominação!

Que confessar sequer algum pudera,

presos nos cíngulos mantidos noite e dia, (*)

castrados sendo por tal consagração!

(*) Os cintos dos hábitos, com três nós.

 

O ENIGMA DO ANTANHO 1 – 26 OUT 2022

 

Eu conheci só dois de meus avós,

viviam menos os que viviam então;

esses que conheci, até se contarão

entre aqueles que viveram longos nós;

surgi no mundo mesmo décadas após,

mas não me integro na presente situação,

sou mais ligado aos anos que lá vão,

já esmagados pelo tempo com suas mós.

 

Não que me apegue à infância, certamente,

não alimento quaisquer tolas ilusões

de que fosse mais feliz quando criança,

minha lealdade a quanto li antigamente,

não só contos de fadas em faíscas de ilusões,

mas por histórias reais que a mente alcança.

 

O ENIGMA DO ANTANHO 2

 

O que recordo, realmente, são as salas de cinema,

essas igrejas escuras em que sonhava a multidão,

com as vidas do passado em plena identificação,

bem mais que o dia externo a cortar-me dessa cena;

se fosse à tarde, por mais inocente o tema,

a luz do sol ao sair me afetava em explosão,

aquele mundo da tela denunciado em ilusão,

pura sendo a fantasia da atriz que nela gema!

 

Mas o contraste era tanto, o filme formosa gema,

e a rua meio empoeirada, de uma certa esqualidez,

nesse choque repentino de irreal realidade,

um desejo mal contido a dominar-me qual lema,

de pertencer ao Olimpo da bidimensionalidade

unidimensional tornada nessa tela em que o revês.

 

O ENIGMA DO ANTANHO 3

 

Quando criança, bem recordo, não havia televisão,

muito menos os ubíquos monstrinhos celulares,

jogos de mesa apenas englobando meus azares,

sem a presente violência incontida da imersão.

Mais atingido por livros fui eu em profusão,

não somente de lendas percorridas com vagares,

de história e de ciência a contemplar altares,

perdida minha consciência em sua antiga narração!

 

Do mesmo modo que as histórias dos avós,

sem querer na realidade achar contradição,

agora eu sei que em grande parte eram falazes,

mas não busquei desatar ou cortar os górdios nós,

pois verdadeiras ou falsas ainda as trago ao coração,

colunata de pórfiro a forjar todas minhas bases.

 

O ENIGMA DOS CONTOS 1 – 27 OUT 2022

 

Em seu castelo nas nuvens, a princesa tece a chuva,

usa o vento como fuso, firme na mão calça luva,

que o fuso não a perfure, sentada diante da roca,

caso durma por cem anos, longa seca é que nos toca!

Na cabaninha do mato, Branca cuida do pomar,

sem ter a menor ideia de que a possa envenenar,

que um pedaço de maçã atravessado na garganta,

também a faça adormecer no ataúde em que se tranca!

 

Em ambas as historietas, quem acorda essa princesa

é o Príncipe Encantado, inclinado para o beijo...

Branca de Neve, quiçá, estava só engasgada

e a Bela Adormecida, em sua idêntica proeza,

fica presa num castelo, no qual nem sequer adeja

a drosófila das frutas, em pleno ar encantada!

 

O ENIGMA DOS CONTOS 2

 

Hoje em dia é diferente, fica a Bela Adormecida

cem dias de fato apenas, apenas a digitar,

o seu dedo foi picado por tecla de celular

e ali fica ensimesmada, a desperdiçar sua vida!

Caso o Príncipe Encantado queira a mata ver vencida,

decerto em computador irá a passagem planejar;

sua Bela Adormecida em seu tablet a encontrar,

em qualquer rede social totalmente absorvida!

 

Enquanto a Branca de Neve, em realidade virtual,

anõezinhos a chorar, ataúde de cristal,

que nem ao menos reflete a sua face delicada,

como o espelho da Rainha, incitação para o mal,

um par de óculos estranhos a cobrir a sua fachada,

com que odeia a mulher jovem por sentir-se superada!

 

O ENIGMA DOS CONTOS 3

 

Essas histórias antigas são somente alegoria,

de certo modo o conflito a refletir das gerações,

a rainha que foi mãe, em fantásticas noções,

projetando a sua inveja na bela jovem que via!

Mas em protesto virll, na vida que se inicia,

sai a jovem princesinha à cata das emoções

e de algum modo se perde na floresta das paixões,

adolescente rebelde, mãe-madrasta é que a prendia!

 

Abandonada na mata, suas lágrimas nos trazem chuva,

com cem lágrimas de sangue a própria vida é que cria;

será que a inveja da mãe é uma coisa assim potente

ou é ela que imagina ser necessária a sua luva

para proteger seus dedos desse rancor que sentia,

ao ver que seu pai amado, ama sua mãe realmente?

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