domingo, 23 de outubro de 2022


 

 

FOTOSSÍNTESE I -- 28/3/2004

 (Joan Crawford e Barbara Santwyck, 

da época de ouro de Hollywood)


dos alimentos a alma Aprisionada

se evola em flatulências do meu Ser

e a energia por outros Dissipada

transformo em verso e música e Poder.

 

da luz do sol um gosto de Memória,

de minhas raízes, lingotes Minerais,

caleidoscópio branco em Som-história,

solvido em clorofila e em Madrigais...

 

derramo assim meu sêmen sem Malícia

sobre as páginas brancas, Versejando,

nos pentagramas os textos Fecundando,

 

em canções redolentes de Letícia,

demarcando os limites, sem Tristeza,

na melodia sutil que em mim Viceja...

 

FOTOSSÍNTESE II -- 26 SET 17

 

sou como a folha, mas minha Clorofila

ao invés de ser verde, se Avermelha;

pertenço a raça não assim tão Velha

e por hemácias minha seiva só Destila.

 

no meu olhar a luz do céu se Anila,

mas melanina nele cresce Desparelha

e por minha pele desfila-se em Corbelha

e broto em flor de abrolho e Camomila.

 

mas a semente que também Espalho

não é vermelha e sim Esbranquiçada,

azuis os brotos a me brotar da Pena.

 

em mil corpúsculos sobre versos Malho,

por maravilhas nunca Apaziguada

a dor da alma jamais feita Pequena.

 

FOTOSSÍNTESE III

 

cada flor sua própria carne Sintetiza,

algumas brandas, pintalgadas Pétalas,

outras mais duras, resilientes Sépalas,

em variedade que nunca se Agoniza...

 

cada mente de igual modo se Organiza:

buscam ideias e até podem Completá-las

buscam polir suas vidas e Aceitá-las,

buscam fervente Ambição que a Paraliza.

 

buscam no corpo de outrem seu Espanto,

buscam nos filhos o espantar da Nostalgia,

buscam no corpo social a Aceitação

 

e eu busco apenas meu derradeiro Canto

que se protela e sempre mais se Adia

quando outra luz me alumbra a Solidão.

 

FOTOSSÍNTESE IV

 

a luz do Sol anima os Vegetais

que recobriram a Terra a pouco e a Pouco

e sob o trigo fausto o ouvido Mouco

da multidão dos corpos Minerais.

 

a luz do Sol aduba os Animais,

seu ruminar constante canto Rouco,

seus ossos tombam em partir-se Louco,

aves e vermes a roer restos Mortais.

 

a luz do Sol recobre o meu Papel

que um dia pertenceu a tronco Arbóreo

e ali procuro perfilhar destino Nobre

 

e como a Abelha meu verso se faz Mel,

significado a destilar Peremptório

na rede oculta que a todos nós Recobre.

 

ENCAIXE I -- 1981

 

Depois de um ano e mais de lenta espera

em que minha própria incúria me afastava

e a quanto mais queria, me negava,

toquei de leve a sombra da quimera...

 

Depois de um ano e mais de desajuste,

de circunstâncias mudas contra nós,

sorriu-se o fado ao desatar dos nós,

completando a ilusão, sem mais embuste.

 

No aquecimento lento dos abraços,

teus olhos sobre os meus, teus olhos baços,

quase apagados, mornos de lixívia...

 

Na singular magia dos teus traços,

antes comuns e agora, nos meus braços,

transfiguradas jóias de lascívia!...

 

ENCAIXE II -- 27 set 2017

 

Quantas coisas descobri no teu olhar!

Alguns anjos busquei neles em vão,

alguns demônios ali ocultos são,

nem uns nem outros vieram-me abraçar.

 

Pois não me via refletir no teu sonhar;

não nos teus olhos, que só imagem são

dos desencontros de teu coração

e que, de fato, mal e mal pude sondar.

 

Nas superfícies, a lágrima luzia,

por mais que raro fosse o teu sonhar;

rostos estranhos dali me contemplaram,

 

mas percebi que outra película existia,

que meu amor nunca pôde perfurar

e outros olhos que de dentro me avaliaram.

 

ENCAIXE III

 

Porém não divisava só um par!

Havia multidão, calma e irrequieta,

algo de incólume, algo que se afeta,

uma que outra às outras dominar.

 

E desde modo foi preciso conquistar

a sobranceira que um dia se projeta,

antes que pudesse penetrar com minha seta

no coração em que via tantas habitar.

 

Contudo, no alvorecer do dia seguinte,

estranhos olhos fitava nas pupilas,

corais às vezes, destoutras longas filas.

 

Cantoras mudas no esplendor do acinte

e dançarinas paralíticas saltando

para meus olhos, cada qual me dominando...

 

ENCAIXE IV

 

Nunca pensara que numa só mulher

revivessem mil páramos de idade,

sílfides murchas de grande antiguidade,

mulheres doces quanto mais se quer.

 

Pelos séculos aninhando-se qualquer,

todas as crenças, toda a caridade,

toda a descrença, toda a iniquidade

que não se pode decifrar sequer!...

 

De certo modo, bricolei o encaixe,

quebrada aresta, preenchido fundo,

cada um dos côncavos escusos de sua alma.

 

Tendo certeza de estar preso nesse enfaixe,

mas sem jamais sentir o dom jocundo

de percebê-la minha em plena calma.

 

LUZ ARGENTINA I -- 29 set 2017

(Agradecimentos a Benjamin E. King)

 

"Quando a noite chega e tudo escurece,

na prata apenas é que se encontra a vida."

Ao plenilúnio o argênteo dá guarida

e ali de estrelas todo o brilho permanece.

 

Toda estrela que cai na prata desce

e ali reluz, no adiar da despedida;

de um meteoro a mais gentil ferida,

de anjo caído a merencória prece.

 

Dizem alguns, até mesmo, que a cadente

estrela nessa prata se transforma,

a rocha e a areia a converter nesse metal

 

e fica ali esse esplendor jacente,

a fosca imagem, o espelho que deforma

a quem contempla em esplendor casual.

 

LUZ ARGENTINA II

 

Também o Sol, que lava a Terra inteira

e chove sobre nós em dom total

é equiparado ao esplêndido metal,

o ouro raro, que em cor dele se abeira.

 

Mas a canícula, em sua feroz esteira,

perpassa a Terra em fúlgido fanal

queimando o quanto traz de material,

é mais a praia que se faz hospitaleira.

 

Que até durante a noite ainda conserva,

na multidão de seus minúsculos cristais

o quanto resta de tal solar calor,

 

porém a prata se faz da Lua a serva,

flautas silvando melodias siderais,

num arremedo pálido do amor.

 

LUZ ARGENTINA III

 

Durante o dia pouco brilha a prata;

faz-se mais baça que ágata ou esmeralda,

quando arrancada da montanha à falda

desce dos Andes e na planura se desata.

 

Durante o dia é o Sol que mais contata

dos homens a ambição, terrível balda!

Preenche os corações, dourada calda.

inocente em si mesma: é a ambição que mata!

 

Há muito tempo já deixou de ser moeda;

dobrões que existem nos museus se encontram,

guinéus e rands em cofres bem guardados

 

e o próprio padrão-ouro sofreu queda,

que em lingotes e barras hoje se amontam

e em fac-símiles só poderão ser contemplados.

 

LUZ ARGENTINA IV

 

Hoje é o alumínio que nos bolsos faz ruído.

o cobre e o níquel ali mais raramente,

como moeda de troca ainda vigente,

o seu valor facial já esmaecido.

 

É o ouro ainda por muitos perseguido,

mas é a pirita que se encontra mais frequente,

metais dourados ainda enganam muita gente,

talha dourada em santuário já esquecido.

 

Pelos turistas contemplado com desdém,

o horror ao vácuo ali onipresente;

porém a Prata traz a Lua para quem

 

ainda a possui.  E o Ouro que se tem

só uma camada sobre a argenta ali dormente,

estrela fosca, que nos seduz também!

 

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com

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