terça-feira, 25 de outubro de 2022


 

O GOLPE DO ESTILETE 1 – 19 OUT 22

(Lisa Minelli e Judy Garland)

 

Amor é um estilete luminoso,

Que te penetra bem fundo no pulmão;

Os brônquios com tal luz revestirão

A pleura inteira num manto majestoso.

Não é o amor tão só prêmio formoso,

Que as fibras dome do teu coração,

Ambas as válvulas com ele vibrarão,

Tricúspide e mitral, som prestimoso.

 

Amor se crava igual que um estilete

E como um estilete, crava fino,

Além dos feromones, fura a mente

Que além da mente, a carne dalma afete,

Mais do que a alma a perfurar destino,

Mais que o destino, tua vida inteiramente.

 

O GOLPE DO ESTILETE 2

 

Mas quanta luz nessa perfuração!

Cada recanto da alma iluminado.

Cada canto da carne consagrado,

Quando se crava sem contemplação!

Torna-se isósceles de perfeita formação,

Cada cateto com seu gume afiado,

Da hipotenusa o cabo acobertado,

Sem permitir qualquer fuga da emoção.

 

Causando dor de perfeito masoquismo,

Que se deseja que não mais termine,

Mas permaneça em constante percussão,

Na realidade, sem qualquer sadismo,

Mesmo que amor o individual termine

Na hemorragia de uma perfeita comunhão.

 

O GOLPE DO ESTILETE 3

 

Que realmente para outrem nos impele

E nos aquece mais ainda o coração,

Mesmo esgotada qualquer circulação,

Pois nos consagra na mais perfeita doação.

Que amor só é amor quando a ilusão

É mais perfeita que o odor da própria pele,

Mais incisiva que o autoamor apele,

Ferida aberta que não se quer se sele.

 

Mas que desgosto quando o estilete sai

E a carne e o sangue tornam a ocupar

Marca vazia, em sabor de adrenalina!

Que desaponto nesse amor que vai

Sabe-se lá a quem mais agraciar,

Ciúme a herança dessa ausência fina!

 

O GOLPE DA INVEJA 1 – 20 OUT 22

 

Sempre fui alvo de uma certa inveja,

Nem sei porquê.  Até podia invejar

Tantos que têm mais do que eu para gozar:

Tal característica contudo não se enseja.

Nem sequer em meu caráter em formação esteja,

Não encorajaram em mim o comparar,

Só com o que eu tinha a me preocupar,

Inveja é emoção feia que te aleija!

 

Assim eu penso, não de primeira mão,

Mas por coisas percebidas ao redor,

Por expressão de maus olhares captar,

Nos raios magros dessa maldição,

Acúleos feitos do mais puro desamor,

Minha vida a desejar ver abreviada.

 

O GOLPE DA INVEJA 2

 

Mesmo aqueles que tive por amigos,

Bem lá no fundo a desejar meu mal,

Decerto inconscientes dessa pena capital,

Sem se mostrarem realmente os inimigos.

Não que desejassem causar-me alguns perigos,

Mas superar sempre é coisa natural,

Queriam vencer qualquer torneio material,

De um prélio o prêmio a carregar consigo.

 

Por isso o gosto por jogos de azar:

Diante do dado que se vai lançar

As mesmas chances tinham do que eu;

Ou quando as cartas do baralho vão virar,

Na emoção do Sete-Belo que venceu

Ou da Canastra que se pôde completar!

 

O GOLPE DA INVEJA 3

 

Essa tendência para a competição,

No lusco-fusco  multicor da inveja,

Esse taco de Sinuca que se beija,

Sempre desvios da cruel retaliação,

Que há milênios entre nós se enseja;

Da sociedade o alternar com boa razão

Ante o impulso violento da emoção,

Na qual a morte do outro se deseja.

 

Que assim se afaste de nosso caminho,

Sem nos fazer a sombra detestada,

Mesmo que em nós a projete sem saber,

Em sentimento de inveja tão mesquinho

Tanta imagem dos altares derribada,

No vácuo e ausência que nos faz crescer!

 

O GOLPE  DA CULPA 1 – 21 OUT 2022

 

“Não necessita de médico o saudável,

Mas tão somente quem por mal foi afetado”,

Este é o provérbio que há milênios foi legado

Por voz profética de cunho venerável.

Pois vá o culpado a solicitar o afável

Recebimento da confissão em seu legado,

Na esperança de um castigo simulado,

Em penitência por qualquer erro ponderável.

 

E nas cabinas que conduzem ao sacrário,

Vão os fiéis quaisquer, arrependidos,

Para lavar seus corações atribulados,

E onde se sentam de suas culpas aliviados,

Nada é mais lúbrico que um confessionário,

Com seu assoalho atapetado de pecados!

 

O GOLPE  DA CULPA 2

 

Mais do que um deus, nos cobra o coração,

Por qualquer culpa a criar seu próprio inferno,

Que nos retorna em vaivém superno

E nos condena sem qualquer contemplação!

Por mais que o erro não passe de ilusão,

Nutrem temor de um castigo sempiterno,

Mas muito mais tem a fazer um Deus eterno

Que maquinar para nós condenação!

 

Mas as pessoas têm amor por seus pecados,

A que  atribuem um valor inestimável,

Místicos houve a quem faltaram os capitais,

Criando outros para sentir-se atribulados,

Quais aos maiores a considerar ser condenável,

Listas fazendo dos pecados mais venais!

 

O GOLPE  DA CULPA 3

 

Até que ponto os padres confessores

Escutam faltas mil com simpatia?

Não se aborrecem talvez na longa via,

Já as penitências calculadas por valores!

Porém São Paulo invalidou-lhes tais pendores,

Que um confessor salvar a si sequer podia,

Fruto do orgulho, a pretensão o conduzia,

Somente a graça a libertar os pecadores.

 

Quem se confessa satisfaz somente à igreja,

Os seus remorsos a aliviar do coração,

Deus não precisa de condenar ninguém,

Porém perdão poucos creem que assim se enseja,

Partindo em busca de uma absolvição,

Sem grande fé no amor que Deus lhes tem!

 

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