sexta-feira, 20 de outubro de 2023


 

 

MOSQUITOS DE ALÉM-MAR I  (11 mai 11)

(YVETTE MIMIEUX, auge do cinema francês)

 

Dizem que a dengue nos chegou do Egito,

provavelmente transportada em caravelas

(ou de cavalos-marinhos sobre as selas

ou de uma tromba-d'água em pleno agito).

 

O fato é que nos chegou o mosquito

de uma forma ou de outra e a sede delas

(são as fêmeas que picam) tem sequelas

que a qualquer um podem deixar aflito.

 

Realmente, no Egito ela é endemia

e por isso o nome aegyptii recebeu

seu portador, que mal não quer causar,

 

pois mais que espalhe entre nós epidemia,

proliferando a doença que nos deu,

quando somente se quer alimentar.

 

MOSQUITOS DE ALÉM-MAR II

 

Os Aedes encontraram concorrência

bem acirrada, aqui pelo Brasil.

Os Anófeles dominavam o céu de anil,

transmitindo a malária com frequência...

 

A febre amarela também tinha sua potência

e a varíola apresentava o rosto vil.

O "amarelão" também grassava a mil,

além da lepra, em sutil malevolência...

 

Por isso, a dengue afirmou-se lentamente,

já que as outras matavam muito mais:

sua virulência não encontrou um nicho.

 

Até que Oswaldo Cruz, violentamente,

as combateu com eficácia até demais,

jogando as concorrentes para o lixo!...

 

MOSQUITOS DE ALÉM-MAR III

 

Porque, depois dos ratos massacrados,

praticamente se erradicou a bubônica.

Contra a varíola, a população atônita,

a vacinar-se foram todos obrigados...

 

A ancilostomíase também teve cuidados

e a tuberculose continuou indômita,

até vacinação menos concômita,

obrigatória nas crianças e soldados...

 

Com os pântanos e mangues já drenados,

os Anófeles só ficaram no interior;

a febre amarela se controlou também.

 

A esquistossomose guardou os seus pecados,

a cujos danos só depois se deu valor

e o raro pênfigo o interior ainda contém.

 

MOSQUITOS DO ALÉM-MAR IV – 13 OUTUBRO 2023

 

De qualquer modo, a concorrência reduzida,

esses Aedes começaram a crescer,

sem que, a princípio, pudessem perceber

qual a doença a que estava submetida

 

a massa dos escravos, a gemer

em suas senzalas, que talvez fosse trazida,

pelos negreiros, essa praga dolorida,

sem que os mosquitos pensassem combater.

 

Exceto por braseiros acendidos,

fechadas bem as portas e janelas,

deixando o ar quase irrespirável...

 

Os Anófeles eram destarte combatidos:

não mais picavam os braços e costelas,

em tal promiscuidade inenarrável...

 

MOSQUITOS DO ALÉM-MAR V

 

Mas os mosquitos da dengue se adaptaram

e passaram a picar durante o dia,

enquanto a gente trabalhava e não os podia

combater nessa labuta em que tanto se esfalfavam,

 

nos engenhos e plantações de que cuidavam,

nem resistir a essa traiçoeira e fugidia

emboscada, que tal mosquito não zunia

e só depois da picada é que o notavam.

 

Foram assim se espalhando lentamente,

enquanto transmitiam a feroz febre,

facilmente com as outras confundida.

 

E ainda que tivesse efeito diferente

sobre as vítimas que esse mal enfebre,

sua  causa mesmo era pouco percebida.

 

MOSQUITOS DO ALÉM-MAR VI

 

A pouco e pouco a dengue se espalhou

entre os pobres, depois entre os abastados,

provocando bem depressa resultados

devastadores sobre o povo que afetou.

 

Em grande parte, a gente se recuperou,

mas alguns casos eram bem agravados

pela perda de sangue e imaginados

como doença diferente que os marcou,

 

porém à maioria dos dengosos

pensavam ser preguiça e não doença,

que reclamavam de um vago mal-estar,

 

virou “dengoso” sinônimo de “manhoso”, ´

procurando se esquivar, segundo a crença

das duras obras que deveriam executar.

 

MOSQUITOS DO ALÉM-MAR VII – 14 out 23

 

E como são os cariocas maliciosos,

o adjetivo adquiriu outros sentidos:

os “dengosos” queriam lucros mal-havidos,

não passavam de um bando de ardilosos

 

e as mulheres só buscavam atenciosos

carinhos dos amantes e maridos

e mesmo médicos achavam seus vagidos

como atos de sedução mais fantasiosos.

 

“Mostrar dengue” chegou a virar moda,

adotada facilmente por mulheres,

a se fazer de frágeis e fraquinhas

 

e o termo se espalhou por toda a roda,

eram “dengosos” das jovens os gemeres,

para fingirem ser mais delicadinhas.

 

MOSQUITOS DO ALÉM-MAR VIII

 

Só com o tempo então reconheceu-se

ser a dengue uma doença perigosa

e não demonstração de ser manhosa

essa pessoa que por ela acometeu-se,

 

mas os sintomas mais brandos ainda leu-se

como artimanhas de mulher mais astuciosa

ou com moléstia menos perniciosa,

como uma simples gripe confundiu-se.

 

Mas as campanhas de higiene sanitária,

que combatiam os Culex mais comuns

ou os Anófeles ainda mais gravosos,

 

até erradicar toda a malária,

expulsaram muitos Aedes e só alguns

se esconderam pelos pântanos lodosos.

 

MOSQUITOS DO ALÉM-MAR IX

 

Da mesma forma, se acreditou a malária

estar erradicada em toda parte,

mas os Plasmódios têm engenho e arte

e apesar de tanta higiene multifária,

 

se perpetraram em tal fauna vária

existente pelas matas e destarte,

aos poucos recriaram o malazarte,

em sua forma mais ou menos ordinária.

 

Continuam as campanhas e as cidades

ou áreas habitadas densamente,

permanecem ainda livres dessa praga,

 

mas dos humanos os orgulhos e as vaidades

que ainda passam afirmando diariamente,

não são mais que as peripécias de uma saga.

 

MOSQUITOS DO ALÉM-MAR X – 15 outubro 2023

 

Pela extinção de espécies responsáveis 

se dizem ser, mas não o são de fato,

a não ser que bem real seja o boato

de que os Pássaros Dodôs tão agradáveis

 

ao paladar dos marinheiros, pouco ágeis,

a se mostrar facilmente e sem recato,

a povoar única ilha, sofreram o desbarato,

ante as caçadas assim incontroláveis.

 

Contudo, não existe qualquer prova

de que os humanos tenham conseguido

destruir qualquer espécie de animal

 

e mesmo a extinção dos Dodôs, que se louva,

poderia, afinal, ter ocorrido

por um fenômeno qualquer mais natural.

 

MOSQUITOS DO ALÉM-MAR XI

 

E foi assim que da malária perniciosa

um novo foco aparece aqui e ali,

sem dúvida é atacado, mas já vi

que hoje tornou-se até menos perigosa,

 

mas a dengue, apesar de tão viciosa

ainda é endêmica, até mesmo aqui,

vem dos vizinhos e ameaça igual a ti,

por sua vetora, essa fêmea silenciosa.

 

Nem creio possa ser erradicada,

para extinções somos bem ineficientes,

mas já devia estar bem mais controlada

 

e enquanto insistem na vacinação

contra gripes por igual malevolentes,

contra a dengue quase não temos proteção.

 

MOSQUITOS DO ALÉM-MAR XII

 

De experimental só existe uma vacina,

contudo os vírus sempre sofrem mutação,

têm os Aedes veloz multiplicação

e uma campanha a sua prevenção ensina,

 

mas dos tipos mais comuns a que se inclina,

para a maioria do povo a contração

já existe muito mais do que há razão,

fraco o combate de tal praga assassina.

 

O que nos falta é a política vontade,

poucos os lucros nessa imunização,

fraco o interesse do Ministério da Saúde,

 

sofrendo assim o campo e a cidade,

pagando impostos sem qualquer moderação,

sem que o governo sequer sua vida escude!

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