segunda-feira, 9 de outubro de 2023


 

 

PULSOS DO MUNDO I -- 10 NOV 17

(Merle oberon, hollywood)

 

O que é a inspiração?  Momento breve

Em que Dionysos nos beija em plena testa,

A nos dar disposição para a sua festa,

Um beijo em potencial, um toque leve.

 

O preço da obediência então se deve,

Sinal de vassalagem, não de besta

Que se disponha ao jugo, nem molesta

Subserviência que a um tirano ceve.

 

O que é a inspiração desse momento

Senão o bafejar claro do encanto

Que o mundo inteiro chamaria de ilusão,

 

A plena mutação do julgamento

Que o belo enxerga no menor recanto

A transformar o monótono em emoção.

 

Pulsos do Mundo 2

 

E depois disso, o que é o amor?  Um quente

Sopro nas têmporas em brisa transitória,

Amor a cópula entre a coroa e a glória

Que nos reveste dessa ilusão nascente.

 

O que é o amor, senão essa aparente

Mastigação de luz que torna a escória

Em vaso de cristal e cria a história

A partir do mais minúsculo incidente.

 

O que é o amor, então?  Um tal bafejo

Dos lábios da Aphrodite caprichosa

Que nos transporta além da cor do beijo.

 

Uma guirlanda leve, um tom de rosa

A nos cingir a testa em leve ensejo,

Ousado aceno, devassidão formosa.

 

Pulsos do Mundo 3

 

E depois disso, o que é a vida?  A pluma

Que oscila apenas sob o zéfiro encantado,

Esse sopro vazio de um deus alado,

Acasalando a semente com a espuma.

 

A geração que um breve instante esfuma

Em líquido prazer enclausurado

Em reçagar membranoso e calculado

Para iniciar a senda a que consuma.

 

Na própria dádiva da vida estando o termo

Da mitose das células, complexa

Vivissecção da mórula num feto,

 

No fim das contas, nada mais que o espermo- (*)

Grama que se expande na perplexa

Mortalidade que reveste todo o afeto.

(*) Aqui foi empregada a Sinafia.

 

Pulsos do Mundo 4

 

E o que é a morte, então?  O fim do verso

Que se expôs nestas rimas do soneto,

Quatorze linhas a mascarar o afeto,

Para depois se extinguir em som reverso,

 

A inspiração, a vida e o amor converso

Nesse eclodir em busca do completo

Nada mais sendo que do poema um objeto,

Nada mais sendo que seu próprio inverso.

 

Porque um soneto busca apenas completar-se,

Chega ao final a buscar chave de ouro:

Esse o motivo da sua confecção,

 

Enquanto a vida só transcorre a aproximar-se

Do derradeiro dia, em que o tesouro

Se extinguirá de um partido coração.

 

CRONÓTOPO -- 11 NOV 17

 

As mortes dos famosos, geralmente,

chamam mais atenção que as dos milhares

que partem deste mundo diariamente

deixando para trás bens e azares.

 

Foi a de um negro que queria, realmente,

tornar-se branco e a tantos operares

submeteu-se, alcançando-o finalmente,

sacrificada sua saúde em tais ousares.

 

Foi a de uma branca que queria se bronzear

(Queria tornar-se negra, isso é aparente!),

para um câncer obter por resultado.

 

Até que ponto consegue assim pecar

o ser humano (e o faz constantemente),

contra seu próprio corpo rebelado!

 

CRONÓTOPO II

 

Minha memória tenho sempre estimulado

e a conservo sem descanso até agora;

se uma pergunta na minha mente estoura,

rapidamente seu responso é alcançado.

 

Um vasto acervo eu tenho acumulado

em minhas redes neurais, hora após hora

que até hoje não percebi ter ido embora,

por mais que o tempo me tenha acicatado.

 

Será que peco nesses mil instantes

em que insisto em repetir mil vezes

quanto gravado era antes em relances?

 

Mas logo esqueço meus velhos descantes

e quando leio um rascunho após uns meses,

 fogo-fátuo da morte me paira em tais alcances.

 

CRONÓTOPO  III

 

Acossado por  miríades de cantos,

nem sei mais onde ponha a indiferença,

minha vida se tornou demais intensa,

sorrisos mortos por meus secos prantos.

 

É no trabalho que meus dias torno santos,

já repetida mil vezes tal valença,

chega o tempo de mostrar diversa crença,

abandonados meus antigos mantos.

 

Não mais quero mencionar os meus trabalhos

nem o labor árduo dos versos em minha sorte,

a multidão de acotovelados pensamentos,

 

mas sim as forjas dos estranhos malhos,

as mil chispas de versos desta morte,

na lava ígnea dos diários sangramentos.

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