CEPAS DE LUA I
eu sou veículo
tão automático
como a causa incausada cria a Terra
como sem causa o homem cria a guerra
qual bactéria provoca a infecção
retalho fibra a fibra o coração
inquietação inquietação
quietação quietação
tração tração
num tal impulso
se me abre o pulso,
na tendinite dos versos marchetados
pela linfa das feridas consagrados
esses versos porejam como pus
minhas entranhas e nervos estão nus
doce alcaçuz doce alcaçuz
dos guabijus dos guabijus
na luz na luz
e não controlo
o estranho fluxo:
sou como estrela que em brilho se irradia
e se desfaz no fulgor de sua energia
mas caso não brilhar não sou estrela
e pode haver talvez morte mais bela?
e a sentinela e a sentinela
sob a janela sob a janela
gela gela
furado o peito,
o meu fantasma escorre
na multidão do vício solitário
na solidão do ordálio multifário
no dicionário sou ladrão de tumba
mas é a meninge de meu crânio que retumba
e a catacumba e a catacumba
profunda profunda
afunda afunda
CEPAS DE LUA II
você que me lê
falando sobre a morte
não conclua que isso seja obsessão
somente que das nuvens o trovão
nos ronca generoso e coriscante
no seu mapa de foice triunfante
da negra amante da negra amante
o delirante o delirante
infante infante
teimosamente,
se insere a ideia,
não é que eu queira criar um novo norte
nem triunfar sobre azar ou boa sorte
a morte vem e vai nessa sansara
que me completa e que me desampara
sem antepara sem antepara
compara compara
e para e para
eu me sinto obsedado
é pela vida
que mata os sonhos logo que acontecem
que trucida meus versos quando crescem
tenho um patíbulo sobre a escrivaninha
de originais e a pilha se avizinha
do meu telhado do meu telhado
meio estilhado meio estilhado
de mau olhado de mau olhado
e nesta obsessão
eu nunca posso
passar a limpo a vida em que empilhara
tantos planos e projetos nem trilhara
tantos caminhos quantos desejaria
do teto a pilha me canta uma elegia
em romaria em romaria
de sintonia de sintonia
fria fria
CEPAS DE LUA III
em palavras esfarinho
calcários sentimentos
depois de bem ralados tomo sal
ovos batidos manteiga natural
açúcar e canela e faço sonhos
porém não sei fazer saem medonhos
derrisonhos derrisonhos
risonhos risonhos
sonhos sonhos
se justifica até
sua abatumabilidade.
se fossem melhor feitos deixariam
de ser sonhos e concretos se fariam
até quem sabe partejando seus afanos
desenganos desenganos
haraganos haraganos
enganos enganos
se permanecem
porém apenas sonhos
que nem sequer procurem vir à luz
seu recheio polvilhado mais seduz
não se destinam afinal a ser vividos
são sonhos certamente sonhos cridos
sonhostidos sonhostidos
retidos retidos
tidos tidos
pois nunca no concreto
sonho ideal se realiza,
que não passa de um espectro desconforme
projeta lanças de cor e é dardiforme
mas abstrato é o sonho verdadeiro
quanto mais quando apenas passageiro
seringueiro seringueiro
parilheiro parilheiro
oleiro oleiro
CEPAS DE LUA IV
eu sou gaúcho
porque nasci aqui
até experimento simpatias gaúchescas
mas não pelas paixões mais barbarescas
nem churrasco nem canha ou carreteiro
nem mateadas nem tava ou rinhadeiro
busco primeiro busco primeiro
esse brejeiro esse brejeiro
cheiro cheiro
o alecrim me agrada
ou danças mais antigas
como essas que ensinam os cetegês
muito embora naturalmente tu não crês
que dançassem desse jeito nas fazendas
ou vilarejos os peões e antigas prendas
presas nas fendas presas nas fendas
com tantas rendas com tantas rendas
e escassas rendas e escassas rendas
mas os trajos são bonitos
são simpáticos
e ver dançar os pares é agradável
por mais que se perceba inaceitável
que usassem chiripás sobre as bombachas
enquanto mastigavam suas bolachas
esculachas esculachas
borrachas borrachas
rachas rachas
porém é engalanada
essa que mais me agrada
embora às vezes importada da argentina
ou do uruguay junto com a lã mais fina
e os poemas também na surpreendente
inspiração do sul independente
impertinente impertinente
pendente pendente
dente dente
CEPAS DE LUA V
a nova primavera
me esfria o peito
não é que na emoção ache defeito
só em realização sou contrafeito
meu feito é o marechal do rei das águas
gelado o peito me transpira mágoas
desmágoas desmágoas
em fráguas em fráguas
páduas páduas
eu vejo os outros
a tremer de frio
mas nada sinto que assim muito me custe
não há inverno nem frio que hoje me assuste
resisto muito bem sou do minuano
e lembro muito mais feroz arcano
algozarcano algozarcano
róseo cano róseo cano
meu dano meu dano
se tais palavras
te causam arrepio
é porque não amas ao frio nessa total
entrega ao vento e à geada na fatal
saraivada que matou antepassados
e não de balas mas granizos ampliados
implicados implicados
azarados azarados
fados fados
pois muitos mais
morreram de calor
do que de frio ao menos no meu pago
o poncho é fraca proteção mas trago
sem me entregar facilmente aos embates
dentro de mim o calor de meus combates
que açafates que açafates
em rebates em rebates
mates mates
CEPAS DE LUA VI
tabela atômica
tem mais segredos
nem me aproximo dos actinídeos
mais simpatizo com os lantanídeos
porque são raras as rimas que redijo
que o diverso eu torne multirrijo
semirrijo semirrijo
plurirrijo plurirrijo
redijo redijo
são monazíticas
as minhas areias
reserva pátria e tesouro nacional
no poema que redijo é racional
o formato por estranho que pareça
e a métrica não se impede que aconteça
desaconteça desaconteça
reaconteça reaconteça
e teça e teça
em caprichosa rima
existe o ritmo
por mais que te pareça diferente
é apenas variedade simplemente
das poéticas e práticas antigas
em que as palavras constituíam vigas
se não consigas se não consigas
ter quadrigas ter quadrigas
usa bigas usa bigas
apenas um capricho
até diria
querem que o darmstádtio seja ouro
que o rutherfórdio te cause mais desdouro
tão depressa se torna degradado
quanto o unumhéxio será abandonado
e o tecnécio e o tecnécio
será promécio será promécio
do aécio do aécio
CEPAS DE LUA VII
da vida às regras
em breve tornarei
mas por enquanto me afoguei neste formato
que é mais intelectual que caricato
não obstante é o formato da semana
em que posso zombar da forma humana
desumana desumana
inumana inumana
irmana irmana
pois me sinto
decomposto
qual se olhasse para um quadro de miró
em que cada elemento fica só
mas no conjunto é a grande sociedade
sem sentimento e abstrata à saciedade
salacidade salacidade
lassidade lassidade
da idade da idade
por isso digo
que retornarei
a essas regras da vida que determinei
descrever nos cem sonetos que farei
mais coda e comentário caloroso
afinal se meu texto é pretencioso
blandicioso blandicioso
indicioso indicioso
cioso cioso
isso é porque
sempre é escrito
com o mesmo pó de giz de meus pulmões
com o vazio de tantos corações
que me contemplam na incredulidade
de que eu seja o que sou na realidade
da impiedade da impiedade
sem piedade sem piedade
seu abade seu abade
CEPAS DE LUA VIII
falo de mim
só para ti
porque ninguém fala mesmo de outro modo
e é pretensioso afirmar com mais denodo
que se fala dos outros só se sabe
o que está dentro de nós e inteiro cabe
menoscabe menoscabe
nos cabe nos cabe
e acabe e acabe
tão só há percepção
da própria sensação
é o que se pode descrever total
é impressão nossa o mundo natural
colorido pelas cores interiores
devolvido para as trevas exteriores
controladores controladores
traidores traidores
amores amores
por mais que finja
ninguém conhece
o que os outros pensam ou que sentem
apenas dizem aquilo que pressentem
irá agradar ou então desagradar
não é o que se diz de fato amar
mas reclamar mas reclamar
e patamar e patamar
tomar tomar
porque não sei falar de ninguém mais
e nem tu sabes que a pretensão jamais
transpõe as pontes sobre tais barreiras
por mais que existam ânsias condoreiras
ou derradeiras ou derradeiras
seresteiras seresteiras
esteiras esteiras
e se redijo
mais uma estrofe
é que não quero esperdiçar papel
que para mim outra estrofe tem quartel
neste rascunho tolo em que rascunho
do testemunho do que eu mesmo testemunho
que estremunho que estremunho
e com punho e com punho
eu unho eu unho
CEPAS DE LUA IX
o que eu desejo
com maior folia
é tocar a estrela que tens no céu da boca
e prosseguir tocando em ânsia louca
até sentir tua língua em minha estrela
que igual cintila embora menos bela
numa organela numa organela
que me sela que me sela
e mela e mela
o que eu desejo
é por o meu boné
para cobrir as estrelas de teus olhos
e descobrir as estrelas dos refolhos
eu quero estar em ti e te cobrir
com meu boné e que possas me cingir
no perquirir no perquirir
ao referir ao referir
ferir ferir
o que eu desejo
sem qualquer pejo
é cintilar ao longo de teu ventre
nesse relâmpago com que teu eu adentre
que trovejemos juntos num orgasmo
de estrelas cintilantes no igual casmo
contra o espasmo contra o espasmo
de teu espasmo de teu espasmo
eu pasmo eu pasmo
o que eu desejo
é que as estrelas
minhas e tuas em só constelação
perdurem no vermelho coração
e no ventre vermelho se incendeiam
nessa fusão que estrelas ressemeiem
contrassemeiem contrassemeiem
se esteiem se esteiem
teiem teiem
CEPAS DE LUA X
quão messiânica
percebo esta certeza
de que fizeste o mundo e me criaste
de que sou fragmento que quebraste
desse teu sonho e me fizeste crer
que fora de ti eu tenha o próprio ser
espairecer espairecer
padecer padecer
poder poder
e quão profética
esta certeza
de que me voltarás para buscar
para de novo em tua carne penetrar
e ser um só contigo estarrecido,
no mesmo instante de ter haver possuído
entretecido entretecido
tecido tecido
sido sido
sonho de aedo
esta certeza
que nem existo longe de teus olhos
penso estar longe só e sou restolhos
dessa luz que irradiaste em pensamento
do qual não formo mais que fragmento
contentamento contentamento
integumento integumento
alento alento
e quão perpétua
a derradeira
mágoa de tudo ser apenas sonho,
que de ti fui no máximo um medonho
pesadelo auricular de frio suor
que gotejei de ti no teu calor
imperador imperador
exaltador exaltador
da cor da cor
CEPAS DE LUA XI
em tuas artimanhas
eu sempre me abandono
na flor-aranha que me martiriza
na hemerocálide dourada que desliza
na teia iridescente que me acolhe,
na malha carmesim da luz sedosa
pundonorosa pundonorosa
mas ardilosa mas ardilosa
rosa rosa
na sorrateira
tocaia que me assombra
essa ariranha que me devora o sono
nessa penumbra que me envolve o devaneio
não me contento com sonhos de permeio
a longas tranças de altiva rapunzel
trago de mel trago de mel
sutil burel sutil burel
favo de fel favo de fel
que mais prazer lhe dou do que me traz
que o tempo todo eu sou o mais capaz
de transportar afinal a dupla carga
nos laços mornos da lascívia amarga
descarga descarga
que alarga que alarga
a adarga a adarga
CEPAS DE LUA XII
toda rosa tem botão
mas não tem casa
são as sem-teto de cada jardim
mas têm raízes nesses seus canteiros
todas vestidas de folhas serrilhadas
melhor fechassem as roupas com espinhos
de rosmaninhos de rosmaninhos
alvos pelinhos alvos pelinhos
de arminhos de arminhos
enquanto os cravos
não possuem cravos
tem acúleos o espinho-de-carneiro
e toda urtiga ardimento mais certeiro
mas o mesmo não se diz do coração
inútil rosa presa no botão
sem comunhão sem comunhão
fechados são fechados são
frágil razão frágil razão
doce miragem
não tens espinho
mas rosa inútil és sem dar carinho
nos corimbos da hortênsia se descansa
amentilhos lilás dão sombra mansa
mas de que serve a decantada rosa
pundonorosa pundonorosa
garbosa garbosa
airosa airosa
quando o botão sequer solta perfume
e cada folha é cheia de azedume
ácido lume ácido lume
te esfume te esfume
o gume o gume
ferrenha fechas fina flor formosa
fácil ferida fácil melindrosa
que não se abre
pois não quer ser rosa
CEPAS DE LUA XIII
porém a lua
que não tem casa
vai à casa do sol fazer visita
por hospedagem aos planetas grita
pede as casas ao zodíaco um instante
mas dois quartos ainda tem não obstante
mesmo inconstante mesmo inconstante
prossegue avante prossegue avante
argênteo guante argênteo guante
e assim paga aluguel
a qualquer cometa cor de mel
que risca o espaço em sua luz de gel
ou de saturno se aloja em um anel
ou em júpiter procura seu quartel
talvez em vênus coberta de um burel
de nuvens brancas de nuvens brancas
da chuva as trancas da chuva as trancas
certezas mancas certezas mancas
e vai buscar
entre as galáxias
o véu de andrômeda para se cobrir
as escamas da serpente de perseu
pagando ao sol por acomodações
quando ele ocupa suas outras locações
fortes razões fortes razões
percepções percepções
tensões tensões
e assim componho prece à luz do luar
que já aparece com o sol ainda a brilhar
e vou roubar e vou roubar
o farfalhar o farfalhar
sem par sem par
dos meteoros que caem em minha rua
de joelhos, a minhalma toda nua
que assim flutua
querendo ser o mar
CEPAS DE LUA XIV
mas como a lua
não me escuta as rezas
eu vou fundir um machado de rocio
como forma usarei crânio vazio
e cortarei a árvore do sol
para usar a sua lenha em dia de frio
fio afio fio afio
pio alio pio alio
mio espio mio espio
adio
do vento a semeadura
para colher a tempestade pura
cultivo nuvens qual um algodão
para fazer o forro do edredão
será o luar a enxada de meu eito
com luz de estrelas meu roçado ajeito
peito a peito peito a peito
preito aceito preito aceito
leito estreito leito estreito
colocarei atravessado
nessa rua
chicotearei meus cavalos contra a lua
em represália do pouco que me deu
farei viagem mais longa que o judeu
errante através toda a terra nua
pua e grua pua e grua
jura crua jura crua
vida sua vida sua
e cortarei a lua em doze cepas
doze moedas de prata como aletas
metas secretas metas secretas
setas excretas setas excretas
poetas pretas poetas pretas
os doze meses logo comprarei
sessenta e cinco dias comerei
e outros trezentos
eu lançarei aos ventos
CEPAS DE LUA XV
reunindo as cepas
eu criarei donzela
de cabelos tão negros como a noite
e a pele clara como luz de estrela
sem as marcas da lua em sua procela,
sem a foice da lua em seu açoite
pernoite pernoite
acoite acoite
afoite afoite
far-lhe-ei a corte
do coito à sorte
e a tornarei por todo um ano minha
serva obediente e a mais feroz rainha
possui-la-ei com quanta fúria tinha
até a última gota que sustinha
na bainha na bainha
a rinha a rinha
vinha vinha
vou desgastar
ânsia carnal
nesse seu ventre não mais virginal
a lua é a amante gasta do jogral
mas ainda oferta seus seios generosos
e seus mistérios mais pundonorosos
sonhos formosos sonhos formosos
perenes pousos perenes pousos
gozos famosos gozos famosos
ajoelhada assim por entre as águas
acumulada por seus rios de mágoas
desce a prece desce a prece
se compadece se compadece
e a teia tece e a teia tece
e de novo os doze meses geraremos
até que a lua embriagada de venenos
se afogue na minha alma
em palma e calma
seu poema é mto especial, assim como seu modo de o construir/expor... parabéns!!!!!!
ResponderExcluirfelicitações tb pela biografia mencionada ao perfil, William
tdo de bom/bem pra vc sempre!!!
william, se deseja postar um fragmento deles ou qquer outra mensagem em meu blog, será mto bem-vindo...
ResponderExcluir*add tb o link de seu blog no próprio corpo do comentário...