quarta-feira, 9 de julho de 2014






A ÁGUIA & MAIS
William Lagos


VIVEIRO II – A ÁGUIA I – 18/7/06

A que compararei o meu amor?
À águia altiva, de olhos penetrantes,
Senhora dos espaços cintilantes.
A mostrar, corajosa, esse valor

Que conquistou, com tanto sacrifício,
Depois de sofrer muito, pelos erros
Que cometeu, ao longo dos desterros,
Que lhe trouxeram tanto malefício...

Porque essa águia real, essa mulher,
Que encontrei um dia, malferida,
Por um antigo amor desiludida,

Um dia há de tornar-se o que mais quer:
E quando seus tesouros compartir,
Seu coração em glória há de expandir. 

A ÁGUIA II – 12 JUN 14

Toda águia é olhada de soslaio
Pelos pássaros que voam menos alto,
Em especial pelos que vivem em sobressalto
De seu súbito mergulho, qual um raio,

Quando em suas garras cai pardal e gaio,
Para depois pousar em algum ressalto,
Depressa a devorar repasto falto
Sem grande substância e pouco ensaio.

Também a águia de soslaio é olhada
Por aqueles que no solo têm assento
E mesmo nunca se atrevem a voar,

Ou que intentaram uma fraca revoada,
Sem nos ares conseguirem seu sustento
E desistiram, por temor de se aleijar!

A ÁGUIA III

Mesmo uma águia necessita de aprender
Como apoiar a vasta envergadura,
Com os remígios calcular a distância pura
E sobre as nuvens suas asas esbater;

Enquanto jovem, sempre pode-se perder,
Dos turbilhões do vento na conjura
Ou dos calores, em sua ardente agrura
E ao velho ninho não mais pode pertencer.

Quando demora a voar a pobre agleta
E não percorre os ares como seta,
A própria mãe a empurra para o abismo;

Não conseguindo dominar a cada aleta,
A pobre ave seu voo não completa
E então desaba para o próprio cataclismo.

A ÁGUIA IV

Não têm as águias a consideração
Da maioria dos humanos aos filhotes;
Em breve chega o tempo dos rebotes:
Que então dominem sua própria aviação!

Pois nessa queda vem o instinto em atenção
E as correntes ascendentes tais frangotes
Conseguem empregar para seus botes,
Em breves voos de progressiva ampliação.

Mas ai daquelas que nessas tentativas
Só encontram as correntes descendentes
E terminam esfaceladas nos rochedos!

Ou que insistem dos ninhos ser cativas,
De suas mães a desejar os colos quentes,
Que as lançarão com os bicos aos degredos!

A ÁGUIA V

Cada agleta deve ser independente
E aprender, sem auxílio, a alimentar-se;
Muito em breve irá crescer e aclimatar-se
Em outro pico íngreme e inclemente

E deverá seu par buscar urgente,
Para nova geração então formar-se,
Um novo ninho assim a completar-se,
Todo o processo repetindo novamente!

Também conosco é assim, se houver vitória,
Se for possível nos ares ter ingresso,
Completada, afinal, a educação,

Hoje mais longa que na antiga história,
Dos pais ainda recebendo o seu apreço,
Enquanto as asas débeis ainda são.

A ÁGUIA VI

Eu a encontrei do voo no retorno,
“Com os dedos por arco-íris anelados,
Imponderáveis” os amores conquistados,
Desconhecida de si e olhando em torno;

Então lhe dei o meu regaço morno,
Nas muitas vezes em que dormimos abraçados,
Nas outras vezes em que ficamos apartados,
Cheio de amor, sem para mim buscar adorno.

Ainda hoje aguardo a sua expansão:
Fiz o que pude para a permitir,
Mas sem querer, talvez a reprimisse,

Toda fechada no meu coração,
Que liberdade lhe dava a me iludir
Enquanto tal amor se compartisse...

ESTILITAS I – 13 JUN 14

Houve um período, no Cristianismo antigo,
em que alguns penitentes mais fanáticos
subiam a uma coluna e, sorumbáticos,
ali ficavam para sempre de castigo...

Não sei qual parte do Evangelho amigo
justificava-lhes esses atos tão enfáticos;
seriam de fato à sua fé simpáticos
ou só de orgulho enfrentavam tal perigo?

Como faquires praticando a penitência,
alguns em pé e outros ajoelhados,
talvez de noite até mesmo ali deitados,

quando ninguém observava a sua paciência
de sofrer em pagamento de pecados,
sem esperar em Cristo por clemência!...

ESTILITAS II

Dizem que alguns por décadas viveram,
afastados do mundo e tentações,
mas recebendo do povo as refeições
e assim por fome nunca pereceram...

Suportando o sol e a chuva ali ficaram,
talvez rezando rosários de orações,
talvez queimando as próprias emoções
e seus poleiros jamais abandonaram...

Só imagino que suas necessidades
lançassem simplesmente das beiradas...
Ou as colocavam no cestinho da comida?

E no momento de suas fatalidades,
ficavam suas carcaças penduradas
ou serviam para os corvos de guarida?

ESTILITAS III

Não acredito em tal fingir de santidade,
bem diferente do teor do texto velho:
“Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho!”
Como podiam praticar ali a caridade

ou demonstrar pura esperança, na verdade?
De que tipo de fé eram o espelho?
Perante uma coluna eu não me ajoelho,
neles não vejo sequer sombra de humildade.

“Não veja a esquerda o que faz a tua direita”,
também se encontra nas Santas Escrituras...
Eles juravam aguardar a Segunda Vinda,

sendo os primeiros nos albores dessa feita,
a escutar dos anjos vozes puras,
antes que a própria vida fosse finda...

ESTILITAS IV

Esse costume lhes chegou do Mitraísmo,
dos sacerdotes que saudavam a alvorada,
do Deus-Sol a quente túnica encarnada,
nessa crença que surgiu do Zoroastrismo...

Mais admiro de Nietzsche o ceticismo,
de Richard Strauss a música encantada,
de orquestração original e entusiasmada,
em “2001” incluída por modismo...

Anacoretas sempre posso respeitar;
suas penitências sabiam isolar,
sem dos demais procurar admiração;

contudo, ainda mais, aos escriturários,
em seus mosteiros, os pergaminhos vários
a preencher para a futura geração.

ESTILITAS V

Até mesmo nos seus palimpsextos,
ao apagarem as escrituras dos pagãos,
substituídas pelas preces dos cristãos,
nos preservaram a cultura desses textos

e sob as preces de seus pios contextos
hoje a ciência, sem novos apagões,
poesia desvenda de antigos corações
ou de disputas filosóficas os pré-textos.

Ressurgem hoje tais historiadores,
os geógrafos, os médicos alquimistas,
alguma luz a nos lançar sobre o passado,

mesmo as disputas de teológicos doutores
a entusiasmar os grandes saudosistas,
que o atual presente querem pôr de lado!

ESTILITAS VI

Mas como é breve a luz da ressurgência!
na efeméride de um dia, abre-se a boca,
devora a cor e o som e veste a touca
desocupada pelo crânio da impotência.

Revive assim seus delírios de impaciência
e ainda que o faça, sua duração é pouca;
repete os passos da mesma dança louca
da geração anterior na impenitência.

Pois é, por certo, inútil refazer
os caminhos antigos, quando a sorte
se espalha sobre nós num só momento;

fecha-se a boca e vai adormecer,
deixa vazia sua touca para a morte,
não mais que um elo na cadeia do tormento...

POEMANIA I – 14 JUN 14

Os meus versos de amor não correspondem
exatamente àquilo que hoje sinto;
por muitas vez com a verdade finto,
somente a imaginar que amores rondem.

Ao ver um rosto qualquer, quando me sondem
olhares de soslaio, então eu pinto
o que podia ser, mas eu não minto
ao descrever sentimentos que me assombrem.

São tão sinceros em seu desconhecimento
dessas dúzias de rostos de passagem,
quanto é fremente esta imaginação,

que me leva a sentir, por um momento,
como seria a vida em tal paisagem,
concretizada em breve fúria de paixão!

POEMANIA II

Não é que os busque com sinceridade:
toda mulher necessita de carinho;
também eu preciso dele em meu caminho,
porém hoje quero mais tranquilidade...

Sair de casa, cortejando veleidade!?
Bem melhor permanecer no meu cantinho,
mil versos redigindo de mansinho,
sem sequer a eles dar publicidade...

Pois afinal, têm mania de cachoeira!
Jorram igual que as fontes do Iguaçu,
a “água grande” em ameríndia voz...

E só recordo, no conforto da cadeira,
esses assaltos de coquetismo cru,
sem de qualquer um deles ir empós!...

POEMANIA III

Os versos todos que lancei na rede
de quem quiser ponho à disposição:
até mesmo de autoria já abro a mão,
que minha vaidade é pouca e mais não pede

que outras bocas, com a mesma sede,
os bebam gentilmente e sem paixão;
nem espero me ofereçam o coração,
só o lugarzinho que ao poema se concede...

Não por mim e nem sequer pela mensagem,
mas pela emoção que despertar
em quem no Google se põe a navegar

ou que minhas longas séries, com coragem,
se dispuserem a roer, qual um cupim
os fragmentos a enterrar em seu jardim...

PÉROLAS MORTAS I – 15 JUN 14

RASGANDO NUVENS DE ESPUMA
DESCEM JOVENS DESTEMIDOS
PARA OS RECIFES PERDIDOS
EM QUE A PÉROLA RESSUMA
JUNTAM OSTRAS NUMA RUMA
EM SAQUITEIS CONDUZIDOS
POBRES BICHOS PERSEGUIDOS
CUJA VIDA ASSIM SE ESFUMA!

DEPOIS SE ASSENTAM NA PRAIA
ABRINDO CADA ANIMAL
SOERGUENDO CADA FENDA
POR RIQUEZA QUE LHES CAIA
SOBRE AS PALMAS AFINAL
POBRE ALÍVIO DE SUA VIDA!

PÉROLAS MORTAS II

SÃO BRAVOS MERGULHADORES
LOGO PRESA DA SURDEZ
OU DA CEGUEIRA TALVEZ
DAS BIVALVAS OPRESSORES
ESSAS OSTRAS NOS TEMORES
QUE COM LÁSTIMA SE FEZ
CADA PÉROLA EM MUDEZ
MADREPÉROLA DE DORES!

OS COLARES DELICADOS
LUCRO DOS INTERMEDIÁRIOS
DE QUEM PESCA O SOFRIMENTO
IMPERFEITOS REBUSCADOS
EXPLORANDO PERDULÁRIOS
NOS FAVORES DO MOMENTO!

PÉROLAS MORTAS III

ESSAS LÁGRIMAS MACIÇAS
DAS POBRES OSTRAS CINZENTAS
QUE A FOME NÃO ALIMENTAS
SALVO EM VAIDADES POSTIÇAS
POBRES PÉROLAS CASTIÇAS
COM QUE O ORGULHO CONTENTAS
NA RIQUEZA QUE ALI OSTENTAS
PRODUTO DE TANTAS LIÇAS!

AINDA HOJE ORIENTAIS
AS DERRETEM NO SEU VINHO
QUAL SUPOSTO AFRODISÍACO
MAS PARA MIM SERVEM MAIS
COMO PEDRAS NO CAMINHO
DO MEU VERSO DIONISÍACO!

PÉROLAS MORTAS IV

UM DIA PÉROLAS VIVAS
TIRADAS DAS CONCHAS MORTAS
SÃO CADÁVERES QUE PORTAS
EM ALIANÇAS FURTIVAS
TRAZEM LEMBRANÇAS CATIVAS
DAS AUDIÇÕES QUE CONFORTAS
DOS OLHARES QUE RECORTAS
NO COLO DE HUMANAS DIVAS!

MORTA A OSTRA QUE AS PRODUZ
MORTA A MÃO DA PESCADORA
MORTA A ANTIGA POSSUIDORA
DA PULSEIRA QUE RELUZ
MORTO O OURIVES QUE A CONDUZ
AO PULSO DA TUA SENHORA!

PÉROLAS MORTAS V

HOJE HÁ, NATURALMENTE,
AS QUE CHAMAM CULTIVADAS
COM PEDRINHAS ENFIADAS
GRÃO DE AREIA EM DOR PUNGENTE
NOS RASOS TANQUES TAL GENTE
USA REDES FABRICADAS
TALVEZ ATÉ ENFARADAS
PELO QUE COMEM FREQUENTE!

MAS AS OSTRAS AINDA MORREM
E AS PÉROLAS NÃO GANHAM VIDA
POR MORTE DAS HOSPEDEIRAS
QUE PERLÍFERAS CONCORREM
NESSA FAINA DOLORIDA
PARA O BRILHO DAS FACEIRAS!

PÉROLAS MORTAS VI

MAS DIZEM QUE GANHAM VIDA
QUANDO ROUBAM ENERGIA
DE QUEM À PÉROLA FRIA
SOBRE O PEITO DA GUARIDA
NA VINGANÇA CONSEGUIDA
ESSES ZUMBIS DE HARMONIA
SE ALIMENTAM DA ALEGRIA
PELOS SALÕES OBTIDA!

PORÉM EM ESTOJO GUARDADAS
ELAS MORREM FINALMENTE
E ALI SE EMBAÇA SEU BRILHO
SOBRE VELUDO MOSTRADAS
DORMINDO EM TRISTE PINGENTE
COMO MURCHA O BRANCO LÍRIO!

DANÇA DAS GÍRIAS I – 16 JUN 14

Eu não procuro ostentar vocabulário.
De fato, o que desejo é que compreendam
palavras rasas que o significado vendam
salvo consulta direta ao dicionário!...

Algumas vezes me dizem, ao contrário,
que tais consultas feitas os surpreendam
e o próprio linguajar assim estendam,
ao decifrar seu conteúdo vário...

Mas em geral, agi com inocência,
julgando serem de pleno entendimento
e algumas incomuns até explico,
talvez diretamente, com clemência,
ou no contexto do desenvolvimento
desse conceito que facilmente aplico...

DANÇA DAS GÍRIAS II

Palavra é código, que só significa
para aquele que dele tem a chave;
período longo composto num conclave
em nada o teu saber magnífica...

É inútil ter cesura ou rima rica
ou o sonho a descrever que traz o agave
ou o pesadelo que traz maior agrave
se tal criptografia não se explica.

A palavra que se encontra, se conquista,
talvez baixando sua ponte levadiça,
após quebrar as correntes que a sustentam;
não basta um dicionário dar-nos pista,
ao defini-la em sua função castiça
quando atuais acepções já não contemplam.

DANÇA DAS GÍRIAS III

Muitas palavras são pegas pelo ar
ou pelo seu contexto calculadas,
de quando em vez totalmente deformadas
ou retorcidas no seu significar.

Durante as décadas veem-se transformar,
por novos gostos a que são condicionadas,
a necessidades diversas adaptadas,
até um ponto que se não possa adivinhar.

Enquanto outras preenchem o seu nicho
para dizer o que foi criptografado
de uma forma diversa do buscado
ou num leque se expandem ou em esguicho
negando às vezes o original de seu teor
e contrariando o próprio código anterior...

DANÇA DAS GÍRIAS IV

Não é o mesmo que escutar língua estrangeira,
considerada somente por seu tom,
tendo seu ritmo e sua métrica no som,
bem diversos da noção mais corriqueira.

Pois já se espera que nos seja forasteira,
enquanto alguém a emprega por bom-tom
e outros degustam expressões como um bombom
em vaidade a impressionar gente rasteira...

Nem é a linguagem interna de uma técnica,
usando os termos com plena precisão,
mas antes um disfarçar deliberado,
tal qual o computadorês de nossa época,
do inglês corrente só a contrafação,
aporrinhando quem for menos informado...

DANÇA DAS GÍRIAS V

Talvez não haja maior demonstração
de ignorância que tal código secreto;
para quem o formou do inglês dileto,
por não saber o português com correção...

Que o vocabulário da programação,
assim usado, com orgulhoso afeto,
coloca um tema forasteiro sob o teto,
no descuidado descartar da tradução...

É natural que se aprove o “deletar”,
com indeléveis raízes no latim,
mas não monstrinhos tais como esse “upar”,
quando podiam simplesmente “introduzir”
na rede de um programa o seu afim,
já que, afinal, é um simples “inserir”!

DANÇA DAS GÍRIAS VI

Mas a semântica foi sempre caprichosa:
prazer existe em se encontrar palavras
pouco comuns em contemporâneas lavras:
mente iniciante sentindo-se orgulhosa...

Assim se adota uma expressão por ser formosa,
porém de acepções muito mais magras,
que então se impõe igual que antigas pragas
sobre anterior declaração mais vigorosa.

Eu mesmo o fiz na minha juventude,
movido por vaidade e por orgulho,
sabendo hoje demonstrar minha boa vontade
por nova gíria que nem sequer me ilude,
e desse modo ainda certa glória arrulho
por divertir-me em sua expressividade..

OVOS FABERGÊ I (YAYTSA FABERZHE)– 17 jun 14

Em teus olhos castanhos eu me atolo,
princesa antiga, de singular fulgor!
Do sugadouro me protege o meu vigor;
busco no amor a solidez do solo...

Mas nesse olhar intrépido me enrolo,
deixando-me prender, mas sem temor,
às vezes gélido, em outras num calor
que não encontro em qualquer estranho colo.

Pois em toda mulher jaz um perigo,
à espreita de qualquer vítima incauta,
que a jaula abre na palha de seu ninho;

mas é com plena consciência que me abrigo;
sem imprudência nessa tocaia em pauta,
na longa espera por momentos de carinho...

OVOS FABERGÊ II

Foi na Rússia, durante a era imperial
que o joalheiro Peter Carl Fabergé
criou tais maravilhas, que se crê
para os tzares fossem prêmio triunfal...

Pérolas mansas e pedraria fatal
empregava Fabergé em seu buffet,
criando as extravagâncias que se vê
como exemplo de um gosto até banal...

Contudo, ele empregava um material
com intrínseco valor de joalheria;
os que ainda existem, são peças de museu.

Mas dois ovos encontrei ao natural,
merecedores de exposição em galeria,
cujo valor para mim permaneceu...

OVOS FABERGÉ III

Nessas pérolas de auréolas castanhas
eu encontrei melhor artesanato;
em geral, escondidas com recato,
para melhor servir como artimanhas...

Atoladouros marrom com que me ganhas,
em duas colinas de precioso trato,
erguidas para mim, em sonho grato,
tecidas em marfim por duas aranhas...

Não durarão quanto os Ovos Fabergé
e nem serão expostas em museus,
mas os escalvados picos foram meus...

E na sua escultura ainda se lê
de um ourives a arte e envergadura,
no cinzel e no buril de sua obra pura...

OVOS FABERGÊ IV

Para minha sorte, não estavam em vitrina,
nem com guardas postados lado a lado;
cada pináculo foi por mim manipulado,
castanhas pérolas a marchetar-me a sina...

Obra a um só tempo humana e assaz divina,
de um joalheiro, que com o máximo cuidado,
em materiais impermanentes dedicado,
criou jóia que ao presente se destina...

Mas essas pérolas que vi no meu passado
e que ainda me encantam no presente
não durarão por muitas gerações...

Justo por isso, permaneço conquistado,
enquanto o toque de minha mão pressente
ainda um duplo palpitar de corações!...

BASILISSA i – 18 JUN 14

EM FOGO E GELO ENCONTRO A ESPUMA DA BELEZA,
RESINA E SEIVA FEITA ÂMBAR QUE FASCINA;
IGUAL QUE INSETO EM CAPTURA PEREGRINA,
A MENTE SE ATROPELA E ENTREGA SEM TRISTEZA.

DENTRO AO MAIS PURO AMOR SE ACHA A VILEZA,
POIS SEM EGOISMO OU NA POSSE FESCENINA,
NOS BASTA A SERVIDÃO, DELIBERADA E FINA,
NA ESCRAVIDÃO ENCONTRADA MAIS NOBREZA.

NA COBIÇA E NO DESEJO CONTROLE SE RETÉM,
PORÉM NO ROMANTISMO É A ENTREGA QUE SE BUSCA
E SE ACHA GRÃO TESOURO NO ESCRÍNIO DA POBREZA,

COMPROMETENDO O CORPO E ASSIM A ALMA TAMBÉM,
NESSA ILUSÃO PERENE QUE A VIDA AINDA ME OFUSCA,
MEU SANGUE ASSIM VERTENDO EM LÍQUIDA SURPRESA.

BASILISSA II

DIZIAM OS ANTIGOS QUE SÓ COM O OLHAR MATAVA
O MONSTRO BASILISCO, DA SALAMANDRA IRMÃO,
VIVENDO EM FOGO E CHAMA, NA FÚRIA DO VULCÃO,
AO CAMINHANTE INCAUTO, QUE DO SONO O DESPERTAVA.

MAS VI NO SEU OLHAR, QUE MINHALMA ENREGELAVA,
A FADA BASILISSA, EM CENTELHA E TURBILHÃO;
NÃO ME MATOU, POR CERTO, A ATROZ CONGELAÇÃO,
MAS NA PRISÃO DOS CÍLIOS INTEIRA ME GUARDAVA.

E NESSE GESTO SENHORA SE FAZIA E ENTÃO ESCRAVA,
POIS ME PRENDIA NA LIQUIDEZ DOS OLHOS
E MINHA PRESENÇA ALI TORNAVA-SE IMPORTUNA:

OU ME CHORAVA INTEIRO EM LÁGRIMAS DE LAVA
OU ME GUARDAVA TODO DAS PESTANAS NOS REFOLHOS,
MESCLADA COM A MINHA SUA MÁGICA FORTUNA!

BASILISSA III

BASILISSA INCLEMENTE EM SUA TEIA ME ENREDOU
E NO SEU ÂMBAR CONSERVOU-ME INTEIRAMENTE;
DEPOIS DESPIU-SE DE SUA RESINA REDOLENTE:
NA PALMA DE MINHA MÃO EM NUDEZ SE REVELOU.

NA MINHA BOCA ENTÃO SEU ENCANTO COLOCOU
COMO O FRUTO DE JASPE QUE A CONTINHA TOTALMENTE
E FEZ QUE A DEVORASSE, COM ÂNIMO INCLEMENTE,
TOLO E PENSANDO ASSIM DOMINAR QUEM DOMINOU!

PORÉM, TRAGADA, NÃO DESCEU PARA AS ENTRANHAS,
NEM POR ESÔFAGO, NEM POR FARINGE A MEU PULMÃO,
MAS PENETROU-ME POR VEIOS BEM DIVERSOS:

MEUS CAPILARES CRUZOU-ME, EM SUAS ESTRANHAS
DIABRURAS, ATÉ DOMAR-ME TODO O CORAÇÃO
E HOJE SE EXPÕE NO SANGUE PURO DE MEUS VERSOS!...

ARCHOTE I – 19 JUN 14

Dizem que amor é chama e assim se extingue
tão logo seque a resina no torchal,
extinto ainda mais veloz no carnaval,
durando a cera que de uma vela pingue.

Dizem que amor é catavento em carrossel,
no qual se montam quimeras de ilusão,
azuis cavalos, dragões em profusão,
sereias e baleias, militares sem quartel.

Dizem que amor é somente pão de mel,
que se devora no gengibre do momento,
um bem-casado, mas frouxo em seu recheio,

um chocolate somente, que tirado do papel
na boca se derrete ao morder do sentimento,
em caldo espesso e num vazio dentro do seio.

ARCHOTE II

Amor só vive no queimar do seu carvão
e em mais carvão se torna se não vive;
o seu pavio sempre é preciso que se ative
e se espevite com frequência o seu morrão.

Amor é chama junto à palha do galpão,
puro descuido de quem amor cative;
queima-se o peito de quem lhe sobrevive,
fica o chamusco na mente e no pulmão!

Amor é manga de lampião em seu brilhar
que o mundo inflama e de cor de ouro reveste,
irmão da lua, primo-terceiro da alvorada,

antiga flama a consumir seu próprio altar,
almotolia votiva que em peã se ponha e enceste
enquanto dure essa faísca consagrada...

ARCHOTE III

Mas será que este brilho transparente
que o semblante transfigura e seu olhar
com outrem possa-se então compartilhar
ou só pertence a algum par unicamente?

Se for amor egoísta, também será indiferente
ao sonho alheio que o venha contemplar;
só causa inveja em seu breve cintilar
e até rancor cria e provoca em certa mente.

Será vaidade apenas tal amor inconsequente
que busca pródigo seu próprio crepitar
e se desgasta inteiro, após tudo cremar,

deixando apenas uma tristeza permanente,
como lembrança esquiva a se guardar
ao ver amor luzir nos olhos de outra gente?

ARCHOTE IV

Ou amor é um irmão do crepitar do Sol,
que a todos distribui, sem preferência,
o seu calor, com piedade ou inclemência,
deste a primeira fímbria do arrebol?

Dizem que um dia se extinguirá este farol,
que por milênios já desgasta a sua potência;
será que se enegrece em minha vivência,
será que amor é igual pródigo em seu rol?

Porque, sem dúvida, essa apolínea chama
não foi criada tão só por nosso bem;
surgiu a vida e adaptou-se nessa flama,

tal qual podia ter vingado em escuridão...
Filha adotiva é do Sol e este a mantém
enquanto jorra seu vigor no coração...

ARCHOTE V

Será que amor é tal prodigalidade?
Não é o calor do Sol intencional,
não se interessa por nosso bem ou mal,
apenas queima em sua pura intensidade.

A vida humana tem bem outra qualidade:
a vida alheia consome em dom fatal,
nessa constante pesca de energia,
paladina feroz contra a entropia.

Porque o Sol tão somente se desgasta:
cai sobre nós só um pixel da retícula
e o resto apenas se difunde pelo espaço;

igual que a estrela distante, que se afasta
e só nos deixa essa mínima partícula
da imensa luz que brotou de seu regaço.

ARCHOTE VI

Não acredito que amor seja verdadeiro
quando se explode tão só em claridade;
muito mais manso é o gozo que me invade,
não se dissolve em calor de fogareiro,

não se desgasta qual tocha, por inteiro,
mas se preserva com maior intensidade;
dorme e se acorda revestido de bondade,
seu alvo enchendo de calor alvissareiro.

É um amor simples, sem mais voo condoreiro,
fiel e constante em sua gentilidade,
que tudo dá, sem nada requerer.

Tem voo raso o meu amor certeiro,
mas permanece em sua integralidade,
meu coração queimando ao florescer...

BRASAS AZUIS I – 20 JUN 14

Antropomorfizo do remédio os comprimidos,
tal qual se fossem uns pobres prisioneiros,
retirados, um a um, para o suplício;
mas embora os veja assim, conservo o vício

de devorá-los diariamente, desvalidos,
criando angústia em seus tristes companheiros,
a se encolherem no fundo do tubinho,
para cima a empurrar cada vizinho...

Será igual conosco esta prisão?
Não que os outros nos empurrem, realmente,
pois só competem conosco nossos anos,

no fundo dalma acumulados, sem perdão,
até que nos vejamos frente a frente
com dedos magros que nos caçam sem enganos.

BRASAS AZUIS II

Antropomorfizo a chama do fogão,
como se fosse um espírito selvagem,
um fogo-fátuo luzindo com coragem,
transmitindo seu calor ao coração.

Um prisioneiro enjaulado em botijão,
porém que anseia por sair, miragem,
gênio da lâmpada, aquecendo beberagem
ou o alimento, em sua perpétua doação.

A vida antiga produziu essa explosão,
brasas azuis em plasma aveludado,
que se roubou do abismo mais profundo.

É a vida humana similar em duração,
queimando o coração brilho azulado,
seus próprios gases espalhando pelo mundo.

BRASAS AZUIS III

Antropomorfizo os dias como amigos,
quando se esvoam as nuvens em farrapos,
os vês dos pássaros arribando nos seu papos,
contra as brasas azuis de mil perigos.

Ou serão horas e dias inimigos,
a me envolver a vida em guardanapos,
na comissura dos lábios de seus trapos,
como alimento a tomar-me em seus abrigos?

Existirá essa real Dança das Horas,
que Amilcare Ponchielli fez famosa,
ou só as criamos por imaginação?

Ou serão elas que devoram, sem demoras,
a vida humana, seja alegre ou inditosa,
como brasas de sua própria criação?

BORBOLETAS SEM ASAS I – 21 JUN 14

Os lepidópteros têm desenhos caprichosos
em cada asinha e assim se reconhecem;
em suas revoadas, mal conhecem
humanos seres de olhares orgulhosos.

E se o fizessem, não seriam mais ditosos;
só veem dos pássaros os bicos em que padecem;
será que deuses imaginam que lhes descem
em proteção para seus corpos saborosos?

As monarcas fazem loucas revoadas,
asas azuis e brancas aos milhões
e até revestem, completa e inteiramente,

troncos de árvores em festas encantadas,
a maioria a morrer nas migrações,
mas seu instinto a seguirem cegamente...

BORBOLETAS SEM ASAS II

Para muitos, são os deuses borboletas,
fadas e sílfides e a pequena Tinkerbell,
das aventuras românticas diletas
de Peter Pan, numa infância sem bedel...

Têm os insetos suas religiões secretas
e em seus altares lhes queimam linfa e mel;
coleópteros envergando as suas aletas,
sobrepelizes coloridas por burel...

E para as borboletas enviam preces,
sem esperar que sejam escutadas,
puro e simples louvor de sua beleza...

Igual que tu, quando aos santos agradeces,
as tuas promessas pagando, devotadas,
por qualquer graça atribuída à sua nobreza...

BORBOLETAS SEM ASAS III

Na verdade, essas asas angelicais
não precisam ser de pássaros ou de aves;
melhor fariam em decorar as naves
de asas translúcidas de insetos virginais.

Asas de pombas ou de águias siderais
são mais pesadas do que flocos de neves;
tornar-se-iam seus voos bem mais breves,
sem transmitirem as mensagens divinais...

Talvez arcanjos sejam mesmo borboletas,
voando leves, sem o peso dessas asas,
já que são seres totalmente espirituais...

Foram humanos, com ambições secretas
que os reduziram a expressões mais rasas,
os céus enchendo com asas materiais!...



Nenhum comentário:

Postar um comentário