sexta-feira, 18 de novembro de 2022


 

 

A RONDA DO RETORNO I – 15 NOV 22

(Kiri Te Kanawa, cantora lírica neozelandesa)

 

Um dia ela virá, sem que jamais a espere,

sem que a tenha recordado por ano e mês sequer;

há de chegar madura e experiente essa mulher,

sem que qualquer saudade ao coração me gere;

surpresa sua chegada me traz, sem que me altere,

é bem possível que nem a vá reconhecer,

mas ao bater em meu portão, decerto espera ser

aceita integralmente pelo espanto que me fere;

então verei mulher saudável, bem vestida,

igual que eu, já bem entrada em anos,

mal um sinal no rosto de sua primeira juventude;

dentro da bolsa a trazer décadas de vida,

por detrás da maquiagem muitos desenganos,

porém no olhar essa esperança que ainda a ilude.

 

A RONDA DO RETORNO II

 

Mas quando ela chegar, o que será que espera?

Se amor por ela tive, há muito já o esqueci,

nem sequer mais eu recordo do dia em que a vi,

com olhos de surpresa e peito de quimera,

 que até seu nome recordasse, quem me dera!

Em algum ponto de meu peito é certo que o senti,

é apenas a questão de saber onde o perdi,

se o guardei com cuidado, sem saber onde o pusera.

Seu rosto me assombrava ainda, eventualmente,

em especial ao dormir ou dentre o devaneio,

mas era hidra de sonho sem identificação

e agora que retorna em desfaçatez fremente,

o que posso encontrar do antanho no permeio,

se mesmo o rosto atual não tem igual feição?

 

A RONDA DO RETORNO III

 

Assim, se ela chegar, embora a reconheça,

desvelo algum no peito me pode despertar;

já não a quero, é certo, nem para recordar,

porque um dia a quis e meu pudor não cessa;

ainda se existisse um ponto em que crescesse

de novo o que senti, mas já não há lugar,

tudo foi preenchido por meu novo encantar,

que usufruo pleno, sem que um só dia o perdesse.

Mas será que de fato a perdi no meu antanho?

Quem é esta mulher, que um dia foi menina

e que no tempo antigo foi doce para mim?

Nem sequer um desaponto, é um olvidar tamanho,

que traz certa alegria, mas bênção pequenina,

que nem me traz rancor, só indiferença enfim.

 

A  RONDA DO REENCONTRO I – 16 NOV 22

 

Não há muito escutei história parecida:

um amigo de infância que havia enviuvado,

de quem ouvia falar, mas raro era encontrado,

que vivenciou momento de encontro deslumbrante;

sua primeira namorada, por anos tão distante,

de quem dizer ouvia que se havia divorciado

e de repente à sua porta, em ato inesperado,

bateu tranquilamente, tal qual fora constante

a visita entre os dois.  Deu certo em tal momento,

outro antigo colega contou-me, comovido,

como um exemplo vivo de puro romantismo;

mas foi apenas um final de um velho sentimento,

meu amigo faleceu após ter-se devolvido

a esse velho amor perdido em saudosismo...

 

A  RONDA DO REENCONTRO II

 

Que coisa triste, então, que retornasse amor

após décadas passadas por entre alheios braços,

esmaecidos de ambos os seus primeiros traços,

não mais paixão, somente a ânsia por calor

e que buscassem ambos de novo esse fervor,

deixado para trás perante outros regaços,

suas vidas reduzidas aos últimos pedaços,

apenas um retalho do afeto inspirador...

Talvez o meu amigo possa escutar-me agora,

porque sempre fui sincero no que dele pensara,

sem tornar a encontrá-lo por décadas assaz

e nem nesta ocasião o encontrei, embora

ao ouvir essa notícia um tanto me alegrara,

sem que dela partilhar sequer fosse capaz!

 

A  RONDA DO REENCONTRO III

 

E caso ele me escute, com um certo sentimento,

que saiba ainda partilho seu lamento com razão,

que não perdesse o amor em sua final noção,

se bem não conhecesse de seu coração o alento;

e quanto à sua mulher, retenho o julgamento,

seu nome nunca soube, jamais houve ocasião,

como haveria de saber o fundo de emoção

que sentiu ela por ele em seu contentamento?

Só posso empatizar com sua perda inesperada,

sabia que o reencontro já rescalava à morte,

será que o seu desejo reforçou medicamento?

Teria em seu prazer a hora final achada?

Só sei que bem diversa a mim tentou a sorte,

sem trazer-me esperança e nem sequer lamento!

 

A RONDA DO DESCONHECIMENTO I – 17 NOV 2022

 

Suponhamos, entretanto, que te aconteça diferente,

que te apareça assim a mulher que um dia amaste

ou o homem que quiseste, por quem tanto esperaste,

teu coração estando então vazio e ausente?

Que te surgisse assim a companheira adolescente,

sem recordar por que na ocasião a abandonaste

ou ao contrário te deixou sem que nada provocaste,

que te batesse à porta tão inesperadamente?

O que seria, enfim, se estivesses bem disposto

e bem disposta achasses essa antiga namorada,

para um relacionamento tão antigo reatar?

O que seria, assim, se fosse predisposto

o teu presente para que fosse renovada

tua alma destroçada e junto a ela rebrotar?

 

A RONDA DO DESCONHECIMENTO II

 

Não sei sequer se algum dia fantasiaste

que te alcançasse a repentina situação,

não em encontro casual e sem razão,

mas em procura com a qual sequer sonhaste?

Esse amor adolescente que um dia vivenciaste,

que te viesse assaltar de sopetão,

o que farias, um estender de mão

ou uma recusa pelo que antes já passaste?

Recordo uma canção de bem antigamente,

sobre uma carta que chegou inesperada,

de alguém que se deixara no passado

e que perdida em incerteza totalmente,

seria alegria ou tristeza por ela provocada,

sem o envelope abrir, com o selo foi queimado.

 

A RONDA DO DESCONHECIMENTO III

 

Mas se ao contrário, se a visita inesperada

viesse pronta recair entre teus braços,

já emurchecidos e enrugados traços,

mesmo a textura de sua pele disfarçada

e se estivesses então abandonada,

de teu coração mal colados os pedaços,

mas com as fissuras dos antigos passos

ainda presentes na alma calejada,

quais seriam então as tuas respostas?

O antigo amor deixarias preenchesse

esse vazio com tantas cicatrizes,

ou simplesmente lhe virarias as costas,

para que a mágoa de novo em ti crescesse,

nesse insensato temor dos infelizes?

 

 

 

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