sábado, 12 de novembro de 2022


 

A DANÇA DO CIÚME I – 3 NOV 2022

(Claudette Colbert, época de ouro de Hollywood) 

Ciúme é um ferro em brasa avermelhado

que te enfiaram bem fundo ao coração,

mas totalmente frio seu aguilhão,

um ferro em brasa a te queimar gelado;

ciúme é o teu carinho deslocado,

numa frígida e morta sensação,

o teu amor semidesfeito na implosão,

cada leucócito em linfa desmanchado.

 

Mas quando o ferro em brasa é assim cravado,

o que ele faz é deter a circulação,

primeiro em baque de súbida emoção,

depois dor fina no peito atribulado,

enquanto o rubro em verde se transforma,

e as emoções inteiras te transtorna!

 

A DANÇA DO CIÚME II

 

O monstro de olhos verdes que quer representar

esse conjunto de emoções ditas ciúme,

segundo alguns, em Shakespeare veio a lume,

mas é possível possamos antes o encontrar.

Catulo, ainda em Roma, algo foi empregar

nesse sentido, sem que à monstruosidade rume,

mas era verde a sua imagem do perfume

dessa sua Lésbia que não pôde conservar...

 

Se for assim, o ferro em brasa é esverdinhado,

qual um gume de cobre azinhavrado,

penetra fundo, mas é de alta corrosão,

contudo ao peito deixa algo de empedrado,

cristais de geada que não têm liquefação,

deixando verde o teu próprio coração!...

 

A DANÇA DO CIÚME III

 

Quer o ciúme seja verde ou encarnado,

não te pode trazer conforto algum:

corta tua alma, qual não faz nenhum

sentimento outro que a ti tenha empolgado.

Talvez ciúme seja de fato amarelado,

traz covardia, por mais seja comum,

ou talvez seja negro como o assum,

que para o canto tenha um olho trespassado.

 

Ou quem sabe, o ciúme seja azul,

seu ferro em brasa a encher a alma de frio,

um sentimento mais de posse que de inveja.

Mas o que é certo é que te queima qual vul-

cão, cuja lava faz ferver todo o teu brio,

diante de outrem que teu ser amado beija!

 

A DANÇA DO EGOTISMO I – 4 NOV 22

 

Que coisa triste é ver a filha conservada

como fiel companheira da velhice

de sua mãe, que naturalmente diz-se

totamente irresponsável por sua vida cortada!

Mas certamente pela mãe lhe foi podada

qualquer tendência que com frequência visse

a quem uma clara atenção se permitisse,

de calculadas circunstâncias bem cercada.

 

Em geral, nunca é claramente referida,

mas nunca há aprovação de pretendente,

cada namoro a ser desencorajado,

até que o chance totalmente lhe é perdida

e fica a mãe a se alegrar secretamente,

pois que tal filha terá sempre de seu lado...

 

A DANÇA DO EGOTISMO II

 

Mais de uma vez já vi isso acontecer,

em famílias que conheci bastante bem

e na minha própria constatei também,

minhas tias velhas sem carinho receber,

salvo o que em casa conseguissem ter,

qualquer impulso independente se contém,

as iniciativas permanentes se retêm,

que à própria mãe possam amparo conceder.

 

E desse forma, os netos que podia

ganhar da filha jamais irão nascer,

é uma disputa, afinal, pelo poder,

treinada a filha para tornar-se uma titia,

a fim de tê-la a seu lado ao falecer,

que às próprias filhas amor nunca daria!

 

A DANÇA DO EGOTISMO III

 

E o que acontece quando a mãe é morta

e filha não lhe resta que a possa amparar,

quando a velhice e decadência lhe chegar,

pois metade de sua vida assim se corta!

E dessa forma, seu deeneá se aborta,

não mais que um ramo da família a ressecar.

Terá irmãos, talvez para a amparar,

ou algum sobrinho com quem tanto se importa?

 

Estará alguém a seu lado no final,

ou só lhe resta o destino malfadado,

sem que casasse ou algum filho tivesse,

mesmo que fosse sem apoio paternal,

seu ventre impedido de ser inseminado,

que se apaga igual que vela se extinguisse?

 

A DANÇA DOS ACHADOS I – 5 NOV 22

 

Uma mensagem sobre o microcosmos

me chegou hoje, trabalho extraordinário,

a definir seu universo multifário,

a destoar em propoção do macrocosmos;

em um ponto do centro o humanocosmos,

nem grande e nem pequeno, por mais vário

que nos pareça ser o humano itinerário,

a expressão nada mais que do egocosmos.

 

Talvez devesse sentir mais humildade

perante a pequenez de meus tormentos,

para que serve redigir tantos sonetos?

Porém eu sei que existe imensa divindade

da qual eu faço parte, em mil momentos,

de que provêm os sonhos mais secretos.

 

A DANÇA DOS ACHADOS II

 

Mas estes sonhos são mortos insepultos,

será que alguns se tornam sonhos meus?

Ou só elaboro alguns conceitos fariseus,

quando nas ruas saio a colher alheios vultos?

Alguns sonhos me chegam como indultos,

por ter querido influenciar os sonhos teus,

provêm desses que abandonam sonhos seus,

a tropeçar pelas calçadas em tumultos.

 

Sonhos no solo jamais são enterrados

e nem se banham na água das sarjetas,

ficam flutuando em nuvens de bafor

e se acaso por mim são captados,

em mim só inspiram tristezas incompletas,

em nostalgias que jamais serão amor.

 

A DANÇA DOS ACHADOS III

 

Eles se espalham como a maré alta,

quais ondas de calor pela cidade,

são fantasmas de uma antiga humanidade,

são cascarões de quem não mais faz falta;

eu os encontro e recolho, imensa malta,

a invejar sua antiga liberdade,

de tocar, de comer, numa ansiedade

com que os sonhos de hoje ainda assalta.

 

Eu os recebo quais fossem parentes,

amigos, conhecidos, numa luva

de plástico de minhalma em despautério,

lembrando os sonhos de suas mortas gentes

e no meu sangue os recebo como chuva,

de tais fantasmas a tornar-me o cemitério!

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