sábado, 28 de janeiro de 2023


 

 

MELODIA SEM ESPAÇO I – 23 JAN 23

(Lisa Minnelli e Judy Garland)

 

Minhas mãos ao redor de tua cintura,

as tuas mãos nas axilas de meu braços,

firmes nos ombros no encanto dos abraços,

sobre teus lábios minha boca impura,

meu amargor dissolvido em tua doçura,

minha incerteza confirmada nos teus traços,

o brilho dos teus a refletir meus olhos baços,

minha grosseria envolta em tua ternura...

 

que tanto tempo por ti eu esperasse,

até que um rio com outro se encontrasse,

até que a fonte lavasse meu destino,

que somente em teu amor eu me confino,

no semicírculo que abrange essa emoção,

no perímetro que acalenta minha paixão.

 

MELODIA SEM ESPAÇO II

 

Não cabe aqui uma simples descrição

de tua carne contra a minha unida,

de tua pele contra a minha derretida,

sangue no sangue em total penetração;

não cabe aqui o orgasmo da paixão,

que a mente e a alma leva de vencida,

nem esse espanto da suspensão da vida,

nem o momento da total completação.

 

Há mais que mãos envolvidas nesse abraço,

há mais que o muscular da aceitação,

minha própria alma envolta em teu baraço,

pois me recebes em plena comunhão

e me sofreias em teu perpétuo laço,

quando me tomas a fingir ser doação.

 

MELODIA SEM ESPAÇO III

 

Nem cabe aqui um registro espiritual

de que esse abraço conduza ao paraíso,

santos e anjos a contemplar em riso,

que na verdade todo amor é material,

mas muito além da conotação virtual,

não é apenas esse aceitar conciso,

que me soergue do solo que ainda piso

e assim me eleva nesse instante sideral.

 

Não é coisa de carne e nem de alma,

por mais que sejam efeitos hormonais,

por mais que surjam emoções espirituais,

mas algo muito mais de intransponível,

a transcender a fúria e a plena calma,

que definir só poderei como indizível.

 

HOLOSSOMA I – 24 JAN 2023

 

Eu dei bom-dia para as aroeiras,

enquanto era manhã e tive azar:

a gente antiga costumava comentar,

que deveríamos iludir tais aroeiras...

Eu dei boa-tarde para as aroeiras

durante a tarde e tive enzamboação

que saiu-me pelo corpo, rosto e mão,

todo marcado pelo pólen de aroeiras...

 

assim eu fiz durante toda a vida,

contrariando as crendices populares,

sabendo distinguir o bem do mal;

enfim levei as aroeiras de vencida,

mas fui alvo permanente dos azares,

que todos somos só efeitos de cristal.

 

HOLOSSOMA II

 

Mas realmente é algo a ponderar:

será a aroeira uma pequena divindade

ou será o lar de qualquer hamadríade,

a quem devamos sempre respeitar?

Que coisa imaterial se chama azar?

Manifestação de alguma potestade,

malícia a nutrir para com a humanidade,

o campo a dominar como seu lar?

 

Não sei se creio nas lendas dos antigos,

que nem sequer me vêm do paganismo,

nem sei se havia dessas árvores por lá;

somente sei que ao desafiar perigos,

as consequências sofri de meu cinismo

ou foi minha culpa uma madrasta má?

 

HOLOSSOMA III

 

Que são desdouros, o que é a sorte,

o que interpretamos como sendo azar?

Qual malefício que me venha tripudiar,

qual zombaria de tal pequena morte?

O que é a desventura, qual o corte

que nossos planos venha a disputar,

todo o trabalho a ser desfeito e o labutar,

sem recompensa a resultar de qualquer parte?

 

Quiçá essa culpa seja apenas minha,

por que pensei em desafiar as aroeiras?

Devia-lhes boa-tarde na hora da manhã,

dar-lhes bom-dia quando a tarde se avizinha,

que elas acatam zombarias tão brejeiras

e se preservam de perturbar o nosso afã.

 

MELODIA SEM REALCE I – 25 JAN 2023

 

Os beijos hoje em dia são casuais

e não somente o beijo inconsequente,

a aplicar-se em um rosto indiferente,

como resposta às convenções sociais.

Contudo os beijos imaginados imortais,

reservados tão somente para a gente

que a gente ama de forma consequente,

são hoje distribuídos em caudais!...

 

Eu quero é o beijo antigo, reservado

na boca ardente, mas apenas para mim,

que não sinta gosto alheio na saliva,

mas que usufrua de um ósculo encantado,

de quem se entrega totalmente assim,

beijando a mim somente e dos demais se esquiva.

 

MELODIA SEM REALCE II

 

Mas será que é correto o meu desejo?

O que é melhor, se o beijo partilhar,

ou beijo algum sobre a boca se provar,

por que essa ânsia de me adonar do beijo?

Não é melhor se aproveitar presente ensejo,

porque esse beijo que a boca nos quer dar

não é o beijo que anteriormente foi brindar

a qualquer outro, em luxúria ou pejo.

 

E considero ser tremenda pretensão

querer só para mim o beijo alheio,

que importa se foi de outrem dadivosa?

Se essa mulher que hoje desperta minha paixão

no antanho a um outro ofereceu seu seio,

e vem agora para mim plena e formosa?

 

MELODIA SEM REALCE III

 

Quer sejam os beijos não mais do que casuais,

pouco importa os que a outrem foram dados,

o que interessa é que os beijos apressados

não tiveram valor ou bens reais;

o que importa é que tais beijos consensuais,

que essa boca me dá com seus pecados

não sejam em minha boca só aplicados

de maneira casual,mas sejam dons totais.

 

O que espero é que apenas, doravante

 sejam-me dados em apego delirante,

na exclusão de qualquer outro concorrente,

que sejam beijos do mais sincero amor,

quando os antigos só queimaram de calor,

em dom futuro exclusivo e permanente.

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