domingo, 6 de agosto de 2023


 

 

ANJO CAÍDO I – 7 JULHO 2023

 

Nudez fotografada não me parece erótica,

como de anos a fio já não é a das pinturas

ou das estátuas em suas nuas formas puras,

nosso costume as contempla em outra ótica.

Vê-se nas praias essa visão despótica

da carne exposta ao Sol em queimaduras

ou na televisão, em suas falsas doçuras,

corpos mostrados em exibição quase caótica.

 

Nem me parecem se tornarem mais estéticas

as peles bronzeadas por radiação solar,

todas buscando seguir um só padrão,

não que as condene por razões mais éticas,

embora julgue que através do acostumar

para muitos irão perdendo a sedução.

 

ANJO CAÍDO II

 

A nudez atrai bem mais na intimidade

e a pele clara traz luminosidade

que não se encontra na bronzeada falsidade,

que para o câncer só traz indicação.

Mas não se pense que sigo algum modismo

de combater por moral qualquer nudismo,

de aconselhar por falso preciosismo

de um bloqueador solar a proteção.

 

Amo a nudez das mulheres, qualquer cor

que a sua pele apresente de nascença,

todas pertencem à mesma humana raça;

eu só lastimo câncer de mama em estertor

e a imposição que lhes impõe presença

desse bronzeado que a cada inverno passa!

 

ANJO CAÍDO III

 

Contemplo agora de costas esta bela,

vestida apenas com sua tanga azul,

com listras brancas e franjar de renda

e minha mente se comove só de vê-la;

nada de erótico existe em tal postura,

não há triunfo qualquer, nada de exul,

sequer vaidade em sua presente senda,

sua pele destacada contra a escura

 

alfombra negra, talvez um cortinado,

talvez perfil contra a noite recortado,

talvez mesmo leve traço de amargor,

como quem se perdeu de seu destino,

por acaso ou algum engano pequenino,

na busca inútil de um verdadeiro amor.

 

ANJO CAÍDO IV – 8 JULHO 2023

 

Na expressão do rosto há nostalgia,

por algo que nem foi paixão secreta,

pela ausência que tem do amor a seta,

quem sabe nem sequer sabe aonde a guia,

em sua adolescência na plena fantasia,

perante a realidade que hoje a afeta;

talvez certa vergonha a mente injeta,

quiçá a vida a leve ao que não cria.

 

Está de fato em posição discreta,

neste perfil que inveja a real arte;

expõe as costas somente e a sugestão,

apenas entrevista, curva e quieta

de um seio que se vê somente em parte,

qual se o quisesse furtar à exibição.

 

ANJO CAÍDO V

 

Sabe-se lá o que pensa essa mulher,

talvez se encontre em plena distração,

quiçá pense somente em quantas são

essas tarefas de hoje em seu mister,

quem sabe tem um encontro e logo quer

dar conta logo de toda a obrigação;

há impaciência em sua postura, então,

com compromisso que seu dever requer?

 

O fato é que se vê certa tensão

nos músculos das costas ou do braço;

sobre a sandália se apóia e irá pular,

tão logo se complete essa explosão

de flashes a lhe copiarem cada traço,

para que possa, enfim, se libertar!

 

ANJO CAÍDO VI

 

Porém exerço minha imaginação

e as suas costas analiso com cuidado,

em busca do sinal de que haja algo errado

e só então percebo, bem de leve, a cicatriz

e já outra procuro com antecipação

e assim a encontro, logo do outro lado,

nessa carne tão perfeita, que pecado!

O que macula essa tal pele de giz?

 

Há pintas de beleza, certamente,

mas não há sardas.  O que terá causado

esses leves sinais de antigo corte?

Só imagino então, dolentemente,

ter sido um par de asas arrancado

qual punição da mais estranha sorte.

 

ANJO CAÍDO VII – 9 julho 2023

 

São braços finos, porém musculação

pelas costas claramente definida,

a dupla cicatriz mal sugerida,

o torso inteiro em pálida tensão,

que me sugere a antiga situação

de um anjo que do Éden a guarida

perdeu, qualquer razão indefinida,

que provocasse tal humilhação.

 

Não é magia.  Há somente a sugestão 

das vértebras na área cervical,

provocada pela curva do pescoço;

só mais abaixo se vê a demarcação

da lombar, dupla corda na dorsal,

de fortes músculos em seu corpo moço.

 

ANJO CAÍDO VIII

 

É assim que me parece a tal donzela,

entreaberta a sua boca indiferente,

caem os cabelos pelas faces, mansamente,

na busca vâ das asas de nigela,

perdidas no fulgor de uma procela

ou arrancadas por um pecado ingente

ou talvez por missão bem mais consciente,

que para a mente humana pouco apela.

 

Ela parece nem saber, pois seu olhar

está perdido num distante onde,

sobre os malares de leve saliência...

O que a teria levado a despencar?

Qual o segredo que a beleza esconde,

sofrida a queda de tanta violência?

 

ANJO CAÍDO IX

 

Porém só vou imaginar o que eu queria...

Afinal, eu já conheço cada nuvem

que percorre o céu, cada salsugem

que o mar me assopra com sua brisa fria.

Já atrelei os coriscos que mais rugem,

empregando como arreios a poesia

e enquanto me lançava a essa folia,

bebi as trovoadas que no céu estrugem.

 

Esse anjo celestial me contemplou

e viu até que ponto a alma pura

ainda conservava, sem nequícia

e nesse instante, algo se quebrou

nessa semidivindde de doçura,

breve laivo de desejo sem malícia...

 

ANJO CAÍDO X – 10 julho 2023

 

Ela pensou, ao ver que me perdia,

correndo após fantasmas pelo vento,

a cauda dos cometas meu assento,

nas mil centelhas de minha fantasia

e num repente, já se decidia

em me salvar de meu próprio portento,

não mais querendo assistir o meu tormento:

em sua pureza, assim me salvaria!...

 

Bem pior foi Eloá, que a Satanás

buscou reconduzir a Jeová,

na tola perfeição de sua inocência;

mas esta foi a mim que quis dar paz...

Demonstração de amor maior não há

que a desse anjo a demonstrar-me conivência.

 

ANJO CAÍDO XI

 

E assim querendo, mostrou real vaidade,

em sua orgulhosa soterologia,

fugindo às regras da escatologia,

movida sempre pelo excesso de bondade,

Anjo de Guarda a tornar-se de verdade,

nesse típico esplendor de sua elegia,

quis-me livrar do mal que me afligia

e se esforçou, em plena seriedade,

 

sem perceber que eram meus defeitos,

a minha escória e água de lixívia

que me levavam a tanto versejar;

quis abraçar-me na doçura de seus peitos,

compartilhar assim sua pele nívea,

em seu esforço para me resguardar.

 

ANJO CAÍDO XII

 

E agora a vejo, seu olhar perplexo,

os ombros tensos, as costas já sem asas,

as escápulas rígidas e as rasas

cicatrizes redundantes desse amplexo,

quando tornou-se minha até no sexo,

para furtar-me de alheias casas,

as penas embrulhadas entre gazes,

pensando retornar, perdido o nexo.

 

Sem nem sequer saber se será aceita,

sua missão fracassada – eu preferi

minhas próprias penas a sofrer aqui,

mas nada fiz por mal, nem por desfeita,

mais do que amor, preferi a fantasia,

e mais que a salvação, amo a poesia!...

 

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