quarta-feira, 9 de agosto de 2023


 

janelas nos telhados I – 15 julho 2023

 

o meu poema se espalha aos quatro ventos,

como as trombetas que sopraram em jericó;

como as muralhas que se fizeram pó,

o meu poema terá iguais momentos.

derrubará barreiras, em portentos,

alcançará o coração do só,

despertará em outro pleno dó

contra a maldade e contra os sofrimentos.

 

o meu poema irá abrir janelas

pelos telhados de cada centro urbano

e ventará por todo o milharal

e o meu poema fará luzir estrelas

no canto escuro do coração humano,

qual tempestade de um canto sideral.

 

janelas nos telhados II

 

o meu poema é um ganso preguiçoso,

que prefere nadar em manso lago

e limitar-se à maciez do pago,

sem a aspereza de um mundo laborioso;

o meu poema é também cisne orgulhoso,

nenhum rascunho meu jamais apago,

magia pura para um luzir de mago,

condão sincero, embora um tanto pretencioso.

 

o meu poema igual é pato, até mesmo elegante,

entre as marolas de gentil lagoa,

quando caminha, é bem desajeitado

e anda assim sem salto espadanante,

até o momento final em que me voa,

deixando para trás meu desagrado.

 

janelas nos telhados III

 

o meu poema é amêndoa descascada,

é noz sem casca que já foi roída,

é o esquilo que a roeu em sua surtida,

é o predador à espreita da caçada;

o meu poema é avelã acastanhada,

da cor dos olhos de minha mãe perdida;

o meu poema é a caça perseguida

e a ave de rapina em onda alada.

 

o meu poema é a pomba e o arganaz,

a ariranha e o gentil caxinguelê,

o meu poema traz o cheiro do gambá,

o meu poema é a lágrima que traz

para dos olhos correr de quem me lê

e que um raio de esperança às vezes dá.

 

janelas nos telhados IV – 16 julho 2023

 

o meu poema é cobra que desliza,

na caça de algum sapo ou de uma aranha;

o meu poem é a saudade que se ganha

e a dor do vento em machucada brisa;

o meu poema é a parede que assim giza

e contra a qual o zéfiro se acanha

o meu poema é mulher cheia de manha,

é ardente homem que sua pele alisa.

 

o meu poema é também homossexual,

porque pretende em tudo ser humano;

o meu poema também tem seu lesbianismo,

que tudo me pertence em seu ritual,

como falou aretino, esse italiano,

como sábio precursor do romantismo.

 

janelas nos telhados V

 

o meu poema se metamorfoseia

em toda a natureza, em mil aspectos;

o meu poema janelas abre em muitos tetos

para que a luz permita que se o leia;

o meu poema é caprichosa teia,

mais do que versos, desafios diretos,

mais do que permissão, ferozes vetos,

mais do que o vento, é fogo que incendeia!

 

o meu poema é semelhante ao rato,

que entra na tua casa e tudo rói,

é blandicioso, talvez, e pernicioso,

apresentando inesperado fato,

entrando na tua mente, na qual mói

o pensamento mais lento e vagaroso.

 

janelas nos telhados VI

 

o meu poema sabe abrir janelas

onde menos se espera – é impenitente:

o meu poema penetra em pura mente

e ali acende a lamparina como estrelas;

o meu poema tem almotolias singelas,

que se colocam, em lugar da luz nascente,

por sobre as prateleiras, tão somente

para afastar os pesadelos das procelas.

 

o meu poema é lâmpada de azeite,

tem minúsculo pavio esse lampião,

nessas mil frases que nem sequer atino,

mas que recebo em meu humilde aceite,

deixo que escorram versos pela mão,

que badalem pela vida como um sino.

 

janelas nos telhados VII – 17 julho 2023

 

o meu poema é um pente de esmeralda

e cada dente, com sua pontura fina

interfere mansamente com tua sina,

sempre que aceitas a sua estranha calda;

o meu poema é penhasco e aguda falda,

a remexer mesmo nos sonhos da menina

a troçar das lembranças que se atina,

ao afrontar das certezas que ela espalda.

 

o meu poema penetra em teus cabelos

e lentamente desfaz o emaranhado

desses novelos que formam ilusões;

o meu poema renega os teus desvelos

e desconfia de todo amor acarinhado

pelas mais inesperadas emoções.

 

janelas nos telhados VIII

 

o meu poema é a precessão dos equinócios,

os movimentos da terra, a translação,

seu oscilar em simples libração,

que esse planeta em que vivemos não tem ócios,

nem meu poema tem qualquer lazer,

mas vive em permanente rotação,

organismo de mil células, que são

cada soneto que te venha a oferecer.

 

o meu poema a galáxia percorre

e como o sol, vai em direção a lyra,

é como a harpa tocada em som marcial

e a própria vida, embora assim me borre,

para outros astros por igual me estira,

como um cometa em trajeto sideral.

 

janelas nos telhados IX

 

o meu poema em música se agita,

tal qual se fala em música de esferas,

o meu poema é triste em mil esperas,

o meu poema é mudo enquanto grita,

o meu poema se desenrola em fita,

azul e branca quando a mente alteras,

no interpretar que assim tu mesma geras,

no meditar a que teu peito incita.

 

o meu poema ilude a sinfonia,

é música de câmara em quarteto,

talvez um scherzo, talvez só fantasia,

mas meu poema distende-se completo,

ultrapassando as regras da harmonia,

a revelar de tua alma o dom secreto

 

janelas nos telhados X – 18 julho 2023

 

o meu poema ingressa em tua cabeça,

esse órgão de teu corpo que é o telhado,

para abrir uma janela ao meu chamado,

em sua calda de cores tão espessa;

o meu poema espero que assim cresça

dentro de ti, que em ti seja espelhado

nas mil ideias dolentes do passado,

nas impressões de um presente que não cessa.

 

que se abram ao futuro as tuas janelas

para essa insídia dos sonhos que mostrei,

que nelas possas abrir espaço para o sol,

que não te feches mais às tarantelas,

nem às farândulas que para ti dansei,

em claraboias transparentes no arrebol.

 

janelas nos telhados XI

 

o meu poema é o tripudiar da aurora,

que afasta sem esforço a escuridão,

o meu poema é a negra brotação

que se insinua do por-do-sol na hora;

o meu poema é o horizonte posto fora

a cada vez que ultrapassamos o rincão,

o meu poema é a lua em seu clarão,

quando se move, a luz levando embora.

 

o meu poema é o tornado que passou,

transportando consigo a agitação

de todas as espigas nos trigais;

o meu poema é o sepulcro que ficou

de toda aquela ultrapassada geração

que já se foi e que não torna mais.

 

janelas nos telhados XII

 

o meu poema é a humanidade inteira,

espalhada pelos sete continentes,

o meu poema são as vítimas frequentes

da droga e embriaguez em permanência;

o meu poema é a igreja e a gafieira,

é a ópera e balé das cultas gentes

é o carnaval e o futebol dos crentes,

na religião do esporte e da chuteira.

 

o meu poema é de quem maneja o malho

e inclui a todos recolhidos à prisão,

o meu poema é o camponês que vem,

é quem pratica intelectual trabalho,

de quem dedica à luta o coração,

pois meu poema, afinal, és tu também!

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