CACHORROS E
BICHANOS I – 23 FEV 2024
Nossos cães
vivem bem menos do que nós,
De forma igual
os gatos, por mais belos.
Tais criaturas
insensíveis aos apelos
Talvez escutem
bem mais estranha voz.
Já os cães nos
seguirão até a foz,
Como afluentes a
rodear nossos castelos,
Por instintos
imemoriais os seus desvelos,
Fiéis a um
Alpha, mesmo se mostre algoz.
Alguns milênios
já nos acompanham
Tais lobos
mansos, companheiros de caçada,
Que amor nos
dão, mesmo sem receber nada,
Mas é amor mesmo
que seus donos ganham?
Ou assim
chamamos por antropomorfismo?
Quando deparo em
tal questão, eu cismo...
CACHORROS E BICHANOS II
Já os bichanos jamais foram domados,
Muito se disse que domaram a mulher,
A quem convencem a lhe dar o quanto quer
Esse animal com seus olhos encantados.
Também se diz que nenês são imitados,
Por seus miados e as cabeças de qualquer,
Como os vagidos infantis em seu mister
De aos adultos exigir os seus cuidados.
Que não há dois iguais, é coisa certa,
Chegam alguns a mostrar fidelidade,
Acima e além da ração em seu pratinho.
Mas é a hipnose de seu visão aberta
Que lhes garante da mulher servilidade,
Quando se achegam, como a pedir carinho.
CACHORROS E
BICHANOS III
Já os cuscos
companheiros são do homem
E facilmente
aprendem artimanhas,
Mas não é por
limitados em suas manhas
Que os bichanos
raramente as tomem.
Ao treinamento
com frequência somem,
Se insistires,
são tuas mãos que lanhas.
Se fores rápida,
em sua fuga os apanhas,
Mas desaponto
sofrerás sem que se domem.
Só te irão
obedecer por artifício,
Quando sabem
quanto podem receber
E mesmo assim
até recusam-se a comer,
No sacrossanto e
mais falso vício:
Sabem que podem
aos humanos dominar,
Enquanto os cães
seu dono anseiam por honrar!
CACHORROS E BICHANOS IV
Não se ensina um gatinho a andar em pé,
Mas caso queira qualquer coisa alcançar,
Com facilidade se dispõe a se esticar,
Só se recusa a demonstrar-te fé.
Nos Pireneus têm os gatos a sua sé,
São as algálias ainda ali a habitar.
Muito mais tarde os conseguiram apanhar,
Deuses no Egito a se tornar até!
Se o que descrevo não te casua pasmo
E te parece até lugar-comum,
É que tanta vez a tudo isto assististe
E mesmo pode te ofender o meu sarcasmo,
Sem que aceites qualquer crítica a nenhum,
Pois em sua adoração já te incluíste!
A BALINESA I – 24 FEV 24
foi numa tarde de sábado nublado:
sem me avisar, ligou seu computador,
mostrando melodias que escolhera com amor,
para iniciar uma dança improvisada.
bela surpresa em tal tarde encantada,
breve momento a me tornar em sonhador,
que há muitos anos não mostrava esse valor,
ao invés ficava muda e ensimesmada...
mas ao se pôr a dançar, prendeu-me atento,
a recordar mil outras tardes do passado,
em que a acompanhara semi-maravilhado
e se já não a amasse há tanto tempo,
eu me teria de novo apaixonado,
naquela tarde de sábado nublado.,,
A BALINESA II
há sentimentos que jamais se esquece
e embora tantos os houvera captado,
em mil sonetos de esplendor alado,
o vero amor é mais forte que uma prece
e quando o encantamento nos aquece,
se revigora no peito deslumbrado,
todo o antigo no presente despertado,
todo o antanho para o presente desce
e ali fiquei a contemplar os seus meneios,
algum flamenco no valsar das mãos,
rituais guardados de passadas gerações,
imerso inteiro nesses devaneios,
olhos despertos na chuva das monções,
nesse encanto ancestral das ilusões...
A BALINESA III
foi um momento arcano de ternura,
no qual eu me imergi inteiramente,
ela era a mesma, porém tão diferente!
era a que um dia eu amara com loucura
e ao mesmo tempo era o som dessa amargura,
melodias mileniais desde a nascente,
nos seus olhos um brilho imanescente,
seus movimentos em reconquista pura.
jamais hei de me esquecer desse momento,
dessa mescla de passado e de porvir,
em que tantas emoções se amalgamaram,
banido assim todo o amargor do desalento,
na embriaguez desse mágico elixir
tapetes mágicos que me reconquistaram!
MALVASIA I – 25 FEVEREIRO 2024
Se pensas te esqueci, pensa de novo.
Que a vida é feita de minúsculos momentos,
De intermédio a mil assentamentos,
Monótonos, repetidos, sem renovo,
Mas é entre meus milagres que me movo,
Reunindo os tempos entre inválidos assentos,
Alimento para os mais arcanos sentimentos,
Passos vazios a se auscultar do povo,
Pois quantas horas por dia a gente esquece,
Que não nos trazem significado algum,
Enquanto há linha firme nesse anzol,
Nesses instantes de verdadeira prece,
Em reverência para como deus nenhum,
Mas que recordam na mente o teu farol.
MALVASIA II
Assim jamais esqueço o momento companheiro
Da cornucópia vivaz do meu passado,
De cada instante que gastaste do meu lado,
Cada momento feito em brilho alvissareiro,
Em que tornaste meu coração brejeiro,
Entre teus dedos de perfume adocicado
E o aqueceste com teu corpo alado,
Primário instante e instante derradeiro.
A terra fértil revolvemos com trator.
Nada mais é que uma lembrança muda,
Até o momento do eclodir da flor
E foi assim esse momento de esplendor,
Em que o botão vermelho se desnuda
Em seu convite triunfal de amor!
MALVASIA III
O que eu esqueço é do tempo intermediário,
Em que meus olhos não te contemplaram,
Em que palavras de amor não se escutaram,
Por numerosos, só a compor o secundário.
Mas lá no meio rebrilha um som agrário,
Alguns instantes em que meus olhos te
avistaram,
Em que palavras de amor se consumaram,
Curtos que sejam, no vigor mais solidário,
Todo o restante solitário de marasmo...
Só imagino se no fundo de teus olhos
Guardas minha imagem igual que a tua flutua,
Naquela tarde em que me ergui do pasmo,
Que
penetrei inteiramente os teus refolhos
E contemplei a tua alma toda nua!
O CÍCLOPE I – 26
fevereiro 2024
Sempre que abro
de biscoitos pacotinho,
eu me percebo
qual se fora Poliphemo,
o gigantesco e
poderoso demo,
que Odysseos
enganou com mosto e vinho.
Falo a verdade:
imagino o biscoitinho
igual que ser
consciente, trigo e feno
e ao devorá-lo,
de certo modo temo
ser canibal
nesse meu áspero carinho.
Percebo então
que o estou incorporando,
quando o esmago
entre os dentes, sem piedade,
é mais o sal que
se aflora em minha vontade,
quase imagino a
sua súplica escutando,
mas acho tantos
no mesmo recipiente,
sem me oferecer
resistência mais valente!
O CÍCLOPE II
E se fosse o contrário?
Eu, marinheiro,
capturado pelo trasgo assim faminto,
sem a menor simpatia do que sinto,
querendo apenas devorar-me inteiro!
Tal qual descesse de um navio cargueiro,
areias brancas nessa praia eu pinto,
minha própria fome de sabor distinto,
as ovelhas a roubar do pegureiro!
Seria então como um ato de justiça,
carne por carne entregue a esse gigante...
E assim, com meus biscoito empatizo
são puro trigo, sem laivos de carniça,
mas a antropomorfização é bem constante
e ainda os devoro com maléfico sorriso!
O CÍCLOPE III
É um sentimento assim canibalesco,
sem verter sangue, somente minha saliva,
cada “dentinho de moça” coisa viva...
Até que ponto lastimo quando os pesco?
Com ptialina sobre a língua os mesclo,
mais que o gigante, me comporto como Shiva,
ou como Átropos, essa impiedosa diva,
indiferente, a nos cortar sem asco...
Sempre me tive por vegetariano,
sem recair nos exageros de um vegano,
mas sal e trigo não foram massacrados?
Quiçá um dia, servirei eu mesmo de alimento
para antropófago, viajando num portento
de discos voadores a caçarem-me apressados?