sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024


 

 

ASAS DE BORBOLETA I – 3 JANEIRO 2

(Faith Domergue, coadjuvante do apogeu hollywoodiano)

 

Sempre senti atração pela vagina

e não realmente por razão sexual,

de fato a vulva, sua capa natural,

quando a criou, Deus fez obra-prima;

para mim, porém, a atração jamais se inclina

para essas mamas de alimento primordial,

tampouco as nádegas de ondulação sensual,

cuja beleza principal aqui termina,

mas pelos lábios delicados, protegendo

puro clitóris em promessas de botão

e mesmo sua uretra veja com circunspecção,

mas amo as asas de borboleta lado  a lado,

que só se esbatem para transmitir carinho,

em seu odor mais excitante do que o vinho.

 

ASAS DE BORBOLETA II

 

Como foi tola essa sua ocultação,

durante décadas brancas de escultura,

somente um traço a indicar a sua frescura,

coxas cerradas na pudicícia da emoção!

Como foi tola essa lenda sem razão

de que pudesse cheirar mal coisa tão pura,

óleo de almíscar em tal meiga textura,

que chame a vida em máxima atração!

Ou quem sabe? será mesmo o contrário,

que assim se oculte o seu odor tão vário,

até o momento de sua fecundidade,

como surpresa final da exaltação,

como abertura final do coração,

a concluir toda a libidinosidade!

 

ASAS DE BORBOLETA III

 

Que para mim esvoace a borboleta,

duas flores a saudar o meu desejo,

seda e pelúcia aguardando por meu beijo,

real perfume que essa gruta me secreta...

Quanta delícia mais que o mel excreta,

quando se abre no mais leve adejo,

jasmim e rosa a provocar ensejo,

que mais que o corpo a alma inteira afeta!

Mas borboletas com rede se captura,

enquanto a mim capturam essas asas,

o seu probóscide no clitóris se mistura,

suave a leveza da pubiana levedura,

amo essa rede que para mim faz casas

e nos meus lábios derrama a sua doçura.

 

FERRÃO DE VESPA I – 4 JAN 2024

 

Já o pênis é apenas o instrumento,

lança em riste contra o hímen da mulher,

esforçando-se a cumprir o seu mister,

dilacerando assim o impedimento!

Melhor seria não aguardar por tal momento,

porém provar com antecedência o bem-me-quer,

sem nervosismo se experimentar sequer,

que seja mais por emoção e sentimento,

não haja dor nem ultraje em julgamento,

mútua carícia, quase em brincadeira,

que a borboleta bata as asas bem certeira,

na aceitação do primeiro excitamento,

sem alfinete a prendê-la em papelão,

nem qualquer éter a apagar sua pulsação.

 

FERRÃO DE VESPA II

 

Pois quando o ato é praticado com amor,

as suas asas farfalhando a borboleta,

que seja então a captura mais completa,

amor de um par, não de colecionador.

Mas o que importa ser o primeiro atleta,

se a rede púbica é lançada com ardor,

qualquer ação de um sonho multicor,

nesse consolo que todo o mundo afeta?

O que importa, realmente, é conservar,

o último ser -- até o final da vida,

as asas acarinhando em incontida

duração peremptória em tal calor,

nessa partilha arcana e milenar,

em que alma e corpo encontrarão guarida!

 

FERRÃO DE VESPA III

 

Mas sendo assim potente minha atração,

não a cobiço qual fruto sexual,

vejo ali porta muito mais sensual,

tal como a flor resultante de um botão,

não que não queira beijá-la na ocasião,

mas muito mais vejo no extremo triunfal,

da inflorescência que se abre divinal

e se revela em plena exultação,

na qual enxergo muito mais que biologia,

mesmo no instante final desse apogeu,

só me surpreendo que um tal tesouro seja meu

e na  verdade muito mais suspeitaria

que a esse escrínio afinal pertenço eu,

tapete mágico e cornucópia da magia!

 

FITAS LILÁS I – 5 JAN 2024

 

Os versos chegam nus em minha mente,

por roupagens de emoção são revestidos,

de suas mortalhas no pensamento desvestidos,

cada qual clama por um fado diferente,

mas pela mente, em turbilhão fremente,

ficam os versos mutuamente perseguidos,

não trazem roupas, os pobres destituídos,

só cabe a mim lhes dar voz mais permanente;

destarte, eu os puxo com anzol,

de minha mente consciente, um certo esforço,

alguns se grudam aos outros, como em rede,

mas os separo à luz de meu farol,

qualquer fratura reduzida com reforço,

enquanto o cardume mais atenção me pede.

 

FITAS LILÁS II

 

Certamente, só cabe um no samburá,

de cada vez que ao anzol é atrelado;

chega magoado, pelas unhas arranhado

dos que deixei ainda lá ao deus-dará;

mas que fazer, se admito não será

nanhum deles, sem ser antes ataviado,

para a boda ao computador ser digitado:

tanga de pixels se lhes atribuirá.

Contudo, insisto em criar metalinguagem,

pois não sei como se formam realmente

os mil projetos de versos tresloucados

pela ânsia de empreender a sua viagem,

expelidos de meu ventre inconsequente,

umbilicais uns nos outros enredados.

 

FITAS LILÁS III

 

Na verdade, só lhes dou a vestimenta,

sua carne e ossos prontos me chegaram,

por minha capela sixtina deslizaram,

meu papa interno a insistir panejamentos;

a sociedade tem caprichos e portentos,

até acredito que hoje muitos desprezaram,

pelas bermudas e biquinis que ostentaram,

tantos versos vejo nus em espraiamentos!

Contudo os meus ainda trato com respeito,

calçados lhes darei de rimas puras,

chapéus de métrica, coletes de cesuras,

terno de ritmo, branco em seu trejeito:

talvez alguns se tornem senadores,

de brasília a invadir os corredores!

 

OSSOS CASTANHOS I – 6 janeiro 2024            

 

Não quero ser em cemitério sepultado,

muito melhor me será a cremação

ou pelo menos que me enterrem pelo chão,

meu olhar a ser por terra devorado,

tal qual diziam, mui antigo esse ditado:

“Juro pelos olhos que a terra,” meu irmão,

“há de comer,” sem as tábuas de caixão,

bando de insetos na catacumba alimentado.

Se for no chão, seráo os vermes da terra

e não as larvas de moscas e mosquitos,

ouvido algum há de escutar meus gritos,

quando minha boca tanto torrão encerra:

outros serão os que me devorarão,

sem exprimir de qualquer nojo a compulsão.

 

OSSOS CASTANHOS II

 

Reconheço ser este um tema recorrente,

por morar a quadra e meia do cemitério;

li do Incidente em Antares o despautério,

não que acredite em mortos-vivos realmente;

exumações já realizei frequentemente,

meus pais, minhas tias, até algum estranho,

nunca senti de algum temor o acanho,

talvez saudade de qualquer parente;

mas ao contemplar esses ossos ensacados,

dando lugar ao falecido mais recente,

sempre pensei seria melhor fossem cremados,

sem recordar suas boas ações ou seus pecados,

só o corpo espiritual a ser presente

no dia final em que serão todos julgados.

 

OSSOS CASTANHOS III

 

Se é que ainda haverá tal julgamento,

se ocorrer, então já nos ocorreu,

fora do corpo é que Deus nos recebeu,

nesse Seu trono de triunfal assento.

Mas ainda há pouco, exumei com sentimento

os ossos de minha mãe, que lugar outro recebeu,

sua cor amarela, quase marrom, me surpreendeu,

outras ossadas de puro branco portamento;

estavam lá em outros sacos os despojos

de alguns parentes e até de algum estranho,

sem me inspirarem luto ou quaisquer nojos

e desse modo enviei todos para o ossário,

por que guardar para o porvir o antanho,

após cumprido o final rito funerário?

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