quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024


 

 

DÍPTEROS AZUIS I - 6 SET 11

 URSULA ANDRESS

Quando chegam o calor e o abafamento

é que os insetos prosperam e renascem:

o chão recobrem, o mar e até o vento,

que aos senhores da Terra então se alçassem.

 

E a todos nós tão só considerassem

como fonte natural desse alimento

as colheitas ou o próprio sangue e alento,

que retiram de nós e nos furtassem.

 

E neste tema demonstrei reiteração,

em tantos versos que a mente se me afunda

e que hoje busco em vão tornar bonitos,

 

porque encontrei tão só inspiração,

irredutível, enérgica e fecunda,

na neurótica canção desses mosquitos!...

 

DÍPTEROS AZUIS II

 

Os pais à mosquitinha preveniam

que não entrasse nas casas dos humanos

em que existiam mundéus os mais insanos

e mil perigos pelas frestas riam.

 

"Você não faz ideia o que sofriam

os nossos antepassados e até seus manos:

os moradores são nossos tiranos!

Quando os matavam, até se divertiam!..."

 

Mas ela era ainda adolescente,

ansiando pela glória e pela fama:

queria agitação e não as calmas...

 

"Mamãe, eu canto com minha voz potente

e quando chego perto de sua cama,

eles me ouvem e todos batem palmas!..."

 

DÍPTEROS AZUIS III

 

Outro dia, alguém tentou me convencer

de que eram os machos que cantavam,

enquanto as fêmeas é que nos picavam:

sangue precisam para se reproduzir...

 

Este final não irei eu discutir:

sei muito bem que as fêmeas me atacavam

há muitos anos e o sangue me sugavam;

mas a outra parte trato logo de esquecer...

 

Sei muito bem não serem cavalheiros

esses dípteros hemófagos noturnos:

vivem do sumo das plantas nos quintais

 

e penetram pelas frestas, bem ligeiros...

Porém os Culex prefiro a esses diurnos

Aedes com picadas mais mortais...

 

DÍPTEROS AZUIS IV – 14 janeiro 2024

 

Que Deus proteja então os meus mosquitos!

Que eles busquem apenas transfusão

involuntária, sobre as costas de minha mão,

retirando mil hemácias com palitos!...

 

Porém que não me igualem aos aflitos

afetados pela dengue ou à multidão

dos malarientos, em triste profusão!...

Terão os Anófeles zumbidos mais bonitos?

 

Que os Culex se reproduzam com vigor!

Eles me tiram, mas nada dão em troca

e das picadas facilmente sobrevivo!...

 

Enquanto os outros, em mágico esplendor,

dão a Maleita, a Febre Amarela, a Catabroca,

Terçã, Sezã e a quanto mais me esquivo!...

 

DÍPTEROS AZUIS V

 

Pois esses outros foram educados

que nesta vida tudo tem um preço

e assim irão nos demonstrar apreço,

de caloteiros sem serem acusados!

 

Para os fornecedores dos mercados,

essas gotas de vermelhos adereços,

das peles brancas e claras como gessos,

das peles negras a sestear sem mais cuidados.

 

“Nós pagaremos com nosso próprio sangue

E então devolveremos os parasitas

Que recebemos em compras anteriores!”

 

“Logo a seguir, retornaremos para o mangue,

e ovos poremos em honestas fitas,

tal qual fizeram nossos predecessores!”

 

DÍPTEROS AZUIS VI

 

“Para nós é até bom que eles adoeçam,

que enquanto ficam fracos e doentes

nossas picadas poderão ser mais frequentes,

que defender-se de nós até se esqueçam!

 

Que a distância de seus tapas não mais meçam,

quando os plasmódios atingem as suas mentes,

que os Flavivírus os deixam indolentes,

que nossos cantos ao seu redor mais cresçam!

 

Pois afinal são azuis nossos direitos,

sobrevivendo dessa humana gente

e os Arbovírus também são ecológicos,

 

os nossos primos Aedes albopictus são aceitos,

enquanto de nós, Aedes aegyptii, se ressente

toda essa gente em bipolares psicológicos!”

 

DÍPTEROS AZUIS VII – 15 jan 24

 

“Afinal, os flavovírus que lhes damos

são curáveis em geral e ainda se queixam!

Pior que nós esses plasmódios que lhe deixam

os Anófeles darlingi de seus pântanos!

 

Até piada esse nome em que os chamamos,

‘Darlings’ em inglês carinho e amor endeixam,

mas são protozoários que os enfeixam,

de sua malária os permanentes danos!

 

Esses humanos, afinal, são uns ingratos!

Pois seguem recebendo seus salários

durante o tempo de sua hospitalização!

 

Nós garantimos atestados mais baratos,

sem que precisem pagar aos salafrários,

que tanto cobram e só lhes dão falsificação!”

 

DÍPTEROS AZUIS VIII

 

“Nós, os membros da coorte pernilonga,

vos  saudamos, humanos, nessa conga,

qual se fôssemos de importância secundária,

alimentados com inseticida atrabiliária!

 

Nós te rodeamos com nosso coro zumbidor,

para teu sono embalar quanto há calor,

somos mais hábeis que um grande violinista,

sem precisar de arco à nossa vista,

 

pois nós somos um exército valente,

de Chikungunya com bazuca bem potente,

as tuas paredes a cobrir, teto e cortinas,

 

atalaias de tuas Zykas e  tuas sinas

e quando sofres dores em teus prantos,

nós te embalamos com nossos acalantos!”

 

DÍPTEROS AZUIS IX

 

Os dias frios de inverno me abandonam,

não que desgoste de algum fim de inverno,

porém já sinto estremecimento interno,

ao pensar nos calores que se assomam.

 

Os dias primaveris que tantos tomam

como sendo os mais belos no ar externo,

para mim são os arautos desse inferno,

que na canícula com fervor me domam!

 

Ai, bem quisera que as bênçãos estivais

pudesse destrocar com mais alguém

e receber outros tantos dias de frio!...

 

porque fui feito para as plagas hibernais

e não para o calor que me advem

tal qual tortura durante o inteiro estio!

 

DÍPTEROS AZUIS X – 16 janeiro 2024

 

E desse modo me tornarei escravo

dos nobres Culex desta minha região,

que bem depressa me veem e sugarão,

durante as noites de calor no travo!

 

Contudo, é bem melhor o fino cravo

destes jograis que me surgem no verão,

que tanto zunem com perfeita animação

do que esses outros de teor mais bravo!

 

Pelo menos, consigo imaginar

que sejam salmos de música barroca

que tais corais se põem a interpretar,

 

enquanto escuto sua melopeia rouca,

que nem precisam de fato harmonizar,

ao propagarem moléstias em minha boca!

 

DÍPTEROS AZUIS XI

 

Pois embora seja ideia corriqueira,

muito mais tais sanguessugas hoje eu vejo,

a aproveitar-se do menor ensejo,

para me abrir das veias a torneira!

 

E nem ao menos disfarçam seu desejo,

por alguma mosquitinha mais brejeira,

apresentam suas propostas em certeira

correspondência que me chega sem mais pejo.

 

Apresentam-me assim diversas contas,

pelas quais querem generosos honorários,

posso escolher da Dengue as percentagens

 

ou Chikungunya com que não me desapontas,

a Zyka a salmodiar-me seus breviários,

que compensem da Malária suas miragens.

 

DÍPTEROS AZUIS XII

 

Ainda existem às centenas tais mosquitos,

que me lancem suas picadas de malícia,

de inveja ou dolo, da maior impudicícia,

da calúnia ou dos zombares esquisitos,

 

pingando sangue em meus versos mais bonitos,

nesse afirmar que poesia não os atiça,

que outros alvos praticasse nessa liça,

preferindo ler a prosa e ouvir os gritos

 

dessas bandas modernas que esqueceram

da rima e ritmo e de outras qualidades

que até os mosquitos apreciavam no passado,

 

não que eu seja saudosista, mas perderam

a sutileza do vampiro e a qualidade

em sua estridência a disfarçar rapacidade!

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