domingo, 11 de fevereiro de 2024


 

 

ESTREMUNHO I – 25 JAN 24

(GISELE BÜNDCHEN)

 

Quando o Sol vai ocultar-se no horizonte,

as aves se recolhem a seus ninhos

e os animais mais fracos, coitadinhos,

escondem-se nas covas de algum monte;

então saem os predadores, após a fonte

de sua alimentação.  São mais daninhos,

são diurnicids, muito mais mesquinhos

e os dias matam, que são apenas ponte

entre uma noite e outra.  Em velhos anos

regulavam os humanos as suas vidas,

também pelo arrebol, fugindo aos danos

da escuridão, em cavernas e guaridas;

e é por isso que a maioria dos humanos

são como os animais, noturnicidas!

 

ESTREMUNHO II

 

Hastes de luz recobrem meu caminho

e me desvio delas, ao passar,

são tantas, densas, para se desviar,

essas lanças de luz não têm carinho!

Houve um tempo em que o Sol era mansinho,

dava um calor que parecia acariciar,

bronzeava a pele sem nos machucar,

porém tornou-se hoje em dia tão mesquinho!

E esses raios de luz a pele rasgam

e nos prendem ao chão como empalados,

plena a vingança que surge do arrebol,

em suas lâminas que a carne nos adagam,

entre barras de prisão acorrentados,

no vasto esgástulo criado pelo Sol.

 

ESTREMUNHO III

 

A luz solar projeta-se, insinuante,

em cada fresta e nesga sem piedade,

a despir-se o calor sem castidade,

em toda a intimidade penetrante;

mexeriqueira é essa luz brilhante,

penetra ilusória a tua privacidade,

expondo crus ao olhar da humanidade

todo segredo, até o mis humilhante,

que o Sol impõe a todos seu poder,

não é discreto qual da Lua a prata,

mas nos impele a todos de vencida,

talvez até querendo nos dizer,

nessas hástias de luz cortando a mata,

que ele é o amo e senhor de toda a vida!

 

COMPANHEIRISMO  I – 26 janeiro 2024

 

Amor não se destina a qualquer um,

sexo sim, com raras exceções;

ambos os tipos de atração compões,

no fim das contas, isto é só lugar-comum,

mas não existe aqui qualquer conumdrum,

podes ter ambos em tuas divagações

ou optar por um só, se assim propões,

também existe quem prefira ter nenhum,

e existe amor que só guardamos para nós,

amor perfeito, mesmo despido de bonança,

que não se expõe à adaga da esperança,

é como o amor de uma rede de filós,

que não se abre a captar as borboletas,

mas se contenta possuir malhas secretas...

 

COMPANHEIRISMO II

 

A Biologia não dá forças a esse amor,

amor de alma é amor de fancaria,

para quem ama, é o sexo fantasia,

não se busca a reprodução em seu ardor;

mas é tão raro contentar-se com o calor

do amor companheiro oposto à Biologia;

quem junto ao par com frequência ficaria,

logo recai no outro amor tão tentador,

mas vejo os versos de poetas do passado,

a usufruir desse amor tão delicado,

que viver podiam junto a quem amavam

e até mostravam certa repugnância

por este amor carnal de plena instância,

enquanto as mãos só de leve se tocavam...

 

COMPANHEIRISMO  III

 

Ai, mas por que assim nos fez a Biologia,

os homens pelo impulso dominados,

em sua semente se buscam derramados,

noite após noite e mesmo dia após dia;

enquanto às mulheres mais controle lhes daria,

um forte impulso nos momentos adequados,

o ventre e as trompas para o amor apressurados,

passado o impulso, pouco ou nada se queria.

Nos animais, isto é algo de perfeito,

o macho só procura esse direito,

quando respira da fêmea a prontidão.

Mas como é assim diversa a humanidade,

sem se entregar do macho à veleidade,

criou a mulher o amor do coração!

 

GLAMOUR I – 27 JANEIRO 2024

 

Comigo sempre foi assim -- bem no começo,

quando o amor por cada poro se escoava,

não era a carne então que se buscava,

mais tarde apenas, na mudança desse apreço,

ao amor do corpo, pouco a pouco eu desço,

sempre ocorreu-me assim quando eu amava;

claro que pelo ventre enfim ansiava,

mas nesse amor do corpo achando menos preço.

Só depois de ultrapassar essa barreira

é que o amor físico me alcançava inteiramente,

mas só com essa que se mostrou alvo veemente.

A Biologia arma sua jaula interesseira,

amor romântico sendo a fonte da poesia,

porém são filhos que de nós exigiria!...

 

GLAMOUR II

 

Não acredito seja só assim comigo:

a maioria busca tão só consumação,

porém românticos aqui e ali se encontrarão,

em que esse amor de jóia encontra abrigo.

Contudo há casos de bem maior perigo,

qual de Abelardo e Heloísa a situação,

o padre e a aluna enfim se tornarão

amantes físicos e compreendê-los bem consigo.

Mas Abelardo é castrado pelo pai

e num convento é encerrada a sua Heloísa,

e o malferido é enviado a uma abadia

e no entretanto, sua correspondência vai

o antigo amor espalhar qual fina brisa,

que até o final de seus dias seguiria.

 

GLAMOUR III

 

Não me ocorreu afinal um tal estrago,

mantendo o corpo em sua integralidade,

ainda inteira a conservar virilidade,

mas aos amores mais sutís ainda me afago,

olhos e corpos a contemplar com o olhar vago,

só imaginando de tais gozar felicidade,

sem recair no suplicar de sua bondade

e pelo amor do corpo jamais pago,

mas me recolho na Abadia da Poética,

quem me dera que uma igual estética

fosse esposada gentil por bem-querer!

De seu convento a me espreitar sem exigência,

mas que me amasse com igual potência,

conforme embora com jamais me pertencer...

 

RITO DE PASSAGEM I – 28 JANEIRO 2024

 

Passam-se os anos na alegria ou na tristeza

e a vida segue, a nos deixar espanto,

brasas sem cor no iluminar de cada canto,

faisões sem penas a penar por sobre a mesa;

e os dias seguem na farsa da beleza,

noites de lua a provocar encanto,

rosto escondendo as lágrimas do pranto

de que tudo há de perder-se com certeza,

como o faisão, em toda a sua pureza,

é depenado e servido em refeição,

perante os dentes de gulosa aceitação,

os anos passam a depenar-nos com vileza,

na mesa posta para a final consumação,

quando se apaga a derradeira vela acesa.

 

RITO DE PASSAGEM II

 

De que nos serve então contemplação,

filosofia ante as penas desta vida?

Melhor os sonhos deixar à pura brida,

que o horizonte de ouro buscarão,

enquanto é forte a ferradura da ilusão,

estrada a percorrer desconhecida,

até a encruzilhada da ilusão perdida,

na qual, quem sabe? nos capturarão,

pois cedo ou tarde ocorre a captura,

certeza incerta no fulcro da existência,

os fados a nos mirar com complacência,

seja essa vida ilibada ou toda impura,

as três Moiras a esticar sua rede fina,

que Átropos corta com seu sorriso de menina.

 

RITO DE PASSAGEM III

 

Seria melhor então se controlar

essa passagem dos dias irrequietos?

Sem penas de faisão, asas de insetos,

de qualquer modo a erguer-nos pelo ar

para que ocorra na atmosfera a nos cercar

algum conúbio sob a copa dos abetos,

do amor fecundo a sermos objetos,

não os pacientes de uma ala hospitalar,

que a jovem-velha quer  tarefa completar,

de todo sonho e ilusão cortando o fio,

toda quimera de amor a depenar.

Mas quem sabe?  se for forte o meu cantar,

eu possa às Parcas seduzir enfim

e que de amor me teçam fio mais milenar?

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