quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024


 

 

SULTÃO I – 19 FEV 2024

(ELISABETH BERGNER,  musa do cinema mudo)

 

No Turquestão, eu tenho o meu harém:

para lá te levarei, como rainha

e sempre que tua carne se avizinha,

me esquecerei das outras que lá tem.

 

Nem sempre estarás só nesse porém:

é grande o meu serralho e sempre tinha

para minha espada uma gentil bainha,

até que me trouxeste a tua também.

 

Vou desistir da panóplia e as concubinas

ficarão sem carinho e sem afeto,

quando quiseres estender-me a mão.

 

Serão tuas servas todas as meninas

que já possuí, no meu sonho secreto,

que só em quimeras se transformarão...

 

SULTÃO II

 

Tenho um serralho também na Cochinchina,

onde se encontram jovens tailandesas,

vietnamitas, khmers, birmanesas,

do Laos e Bangladesh e até da China!...

 

Porém meu corpo a tais olhos não se inclina,

prefiro antes as modernas japonesas,

que a dobra operam.  Querem, com certezas,

parecer ocidentais, que mais se afina

 

ao ideal mais moderno de beleza...

Olhos puxados com cabelos louros,

olhos azuis de lentes de contato...

 

Eu te darei desse outro harém a realeza:

teus cabelos reinarão, sem mais desdouros

para teus olhos castanhos de recato...

 

SULTÃO III

 

Afrodite, deusa antiga, a dama dos orgasmos,

não posso me queixar dos muitos que já tive:

talvez mais eu quisera em ventres que não estive,

porque ainda consumo o vigor dos entusiasmos.

 

Devo plantar um mirto e esmigalhar pães asmos

em torno à sua raiz, onde a alegria vive;

com tomilho silvestre o meu ardor revive

e me leva ao final das ânsias dos espasmos...

 

À beira dos regatos devera eu assentar-me

e louvar minha deusa, meu par, sempre a meu lado,

ao invés de prender-me à tela fluorescente

 

deste mundo eletrônico, dia após dia a sugar-me,

que os prazeres da vida eu tenho abandonado

por bolsas de ouro falso em paga intermitente...

 

SULTÃO IV – 20 fevereiro 2024

 

Gotas de vinho escorrem de teus olhos,

na lira do passado.   Tangem sinos

quando abres a boca: bailarinos

são os teus dentes, espiando dos refolhos.

 

Marinheiros ocultos sob os molhos

da balsa de tua língua.  Pequeninos

duendes na garganta: meus destinos

anunciando, na galhofa dos escolhos.

 

É só o que recordo desses anos

em que estiveste perto e reluzia

esgar de amor na sombra do sorriso.

 

Porque os de agora... são penhores araganos.

A ânfora de vinho está vazia

e o sino tange no acorde do impreciso.

 

SULTÃO V

 

Seu corpo contra o meu, avidamente,

na ânsia do desejo proibido:

muito mais ânsia pelo impermitido

do que um desejo de mim, impenitente.

 

Seus lábios entreabertos, língua rente

à membrana de minha língua, no inserido

guiar e combater, prazer temido,

temor gozado em luta impertinente.

 

E na explosão final, a carne quente,

coberta de suor e ânsia ferina,

nos tremores do ventre, a boca em ais...

 

Ela se torna deusa e essa inclemente

ardência de sua carne me fascina,

como uma aurora em dimensões fatais.

 

SULTÃO VI

 

Ela passou e olhou-me.  Nada belas

as suas feições e o corpo até grosseiro,

mas algo desprendia, esse ligeiro

feromônio que atrai, quando as donzelas

 

estão em dias férteis.  Sopra delas

aquele apenas percebido cheiro,

sem que o olfato o interprete por inteiro,

mas que nos escraviza, em tarantelas...

 

Nem foi que me quisesse.   Só queria

alguém que seu óvulo alcançasse,

com a chuva branca e pura do entusiasmo.

 

Assim, passou.  E outro mais iludiria,

cuja semente o seu ventre fecundasse,

na euforia inútil de outro orgasmo...

 

SULTÃO VII – 21 fevereiro 2024

 

Quando me amou, na pradaria florida,

seus braços em meus ombros, a puxar-me,

para mais perto de si, para abraçar-me

e garantir-me que me era pertencida,

 

quando me amou, na grama umedecida,

seus braços sob as axilas, a agarrar-me

pela cintura, cada vez mais a apertar-me,

até tirar de mim gotas de vida...

 

quando prendeu-me as pernas junto a si

e a boca se encaixou, como lingueta,

entre meus lábios, em ambição secreta,

 

foi a doçura mais sublime que senti,

naquela tarde de agosto, em que o calor

o zéfiro abrandava, em esplendor...

 

SULTÃO VIII

 

Teus lábios junto aos meus, teu corpo aceso

por tépida verdade de narciso,

que não recobre em reposteiro ou riso

o mesmo elan vital em que reteso

 

o armígero projétil para o embate:

testosterona, saliva e adrenalina,

na língua teu sabor de ptialina,

teu estertor no ouvido se rebate...

 

E dentre o assomar do meu desvelo,

a me arrepiar bem fundo ao cerebelo,

de todo esse teu beijo que respiro,

 

resta somente o gozo multifário,

que é meu direito consuetudinário,

e me provoca o orgasmo num suspiro.

 

SULTÃO IX

 

As coxas puras, de perfume agreste,

na garupa do potro reluzentes,

do suor doce do animal frequentes,

na vastidão do sonho que me deste.

 

Coxas abertas para o vento leste,

no verde da campina, assim frementes,

na espera pronta de amplidão potentes,

por fútil seiva que o corpo me reveste.

 

De certo modo, é como essa semente

derramasse na terra, que seu ventre

é o mesmo seio da plaga que nos gera.

 

A corticeira cresce e cresce o ente,

vermelha a flor e o filho que se adentre,

vermelha a aurora, enfim, vermelha a fera.

 

SULTÃO X – 22 FEV 24

 

São pétalas de rosa que devoro

ao lembrar o teu colo, nívea pele,

gotas de névoa que sobre mim revele

essa doçura de sal em que demoro,

 

nessa armadilha antiga em que defloro

a minha própria alma, em que desvele

gotas de brisa, que sobre a carne zele

e me penetre poro e depois poro.

 

O que minha língua toca, toca em mim:

eu provo o gosto que é meu próprio travo,

lábios e beijos na mesma formação

 

desses mamilos rosa em flor, enfim,

a maciez mais dura e sou escravo

dessa ternura que fende o coração.

 

SULTÃO XI

 

São tâmaras de néctar que toco

com o refluir dos dedos escorreitos,

são tâmaras de pele sem defeitos,

são tâmaras de antanho que hoje invoco,

 

são gotas de rubi que assim coloco

sob minhas unhas e nos lençóis dos leitos,

são gotas de rubi que planto em eitos

e em cada cova -- nova semente soco.

 

De novo essa armadilha, esse mundéu

que reconheço qual arapuca inteiramente,

mas como busco enredar-me nesse laço!

 

Grade de beijos que cede luz ao céu,

divino amor do temporariamente,

no eterno temporário desse abraço!

 

SULTÃO XII

 

Há um diadema de luz sobre tua testa,

sei que fui eu que te dei essa tiara,

sultana do sultão, serva preclara,

luz de meus olhos para eterna festa,

 

em mil reflexos que a vida me contesta,

que rasgam boca e costas em escara,

rígido anel a circundar-me a vara,

sultana do sultão em arcana giesta

 

e então ainda que a vida assim me obrigue,

por motívos de política ou paixões,

a manter mil odaliscas nesse harém,

 

sei meu retorno a ti sempre prossegue,

sultana do sultão dos corações,

a quem confesso pertencer também!

 

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