segunda-feira, 15 de janeiro de 2018






COLEÓPTEROS I -- WILLIAM LAGOS

eu vou tomar um punhado de besouros
e fazer com todos eles batalhão:
na singeleza de meu coração,
serão soldados negros Perfilados...

e vou tomar alguns desses besouros,
fazer com eles contas de um colar:
vou perfurá-los e a meninas dar
esses colares de contas Quitinados...

tais como esses cascudos, eu conservo,
no mais secreto de minha alma pura,
milhares de besouros a Marchar...

sou general e sou também seu servo:
em sonhos negros a ilusão perdura
de que minha vida possa Melhorar...

COLEÓPTEROS II

Não sei como falecem os besouros
quando lançam os corpos tão redondos
contra o calor das lâmpadas, estrondos
tão leves quanto a perda de tesouros.

Estalam nos ouvidos, negros ouros,
pequenos seres de aspecto irreal,
criaturas de plástico, afinal,
cor-de-petróleo todos, bons agouros...

Posso entender que sintam atração
pelo fulgor da luz, que então os mata:
não é, afinal, o que fazemos nós...?

Porém suas capas forte proteção
lhes deveriam dar, na estranha data
em que se jogam à cor e morrem sós...

COLEÓPTEROS III

Quando se perde um tesouro verdadeiro,
mal se percebe -- não há uma ameaça,
desaparece num estalo, em traça,
quase traição -- e some por inteiro...

Já os falsos tesouros, num berreiro
de estardalhaço se vão, numa trapaça,
como algo de importante que se esfaça,
na quente bruma de incerto paradeiro...

É por isso que a gente desespera,
por ter perdido algo sem valor
e nem percebe quanto valor tem,

ou só percebe, depois de longa espera,
haver perdido o verdadeiro amor,
que como bruma se esvaiu também...

COLEÓPTEROS IV

Esses rostos de besouros me perseguem,
enquanto escuto fibrilarem suas antenas:
são cachos negros que percebo apenas
quando o dia está claro e que me seguem.

Durante a noite, porém, certo é que neguem
sua nítida visão.  Furtivas cenas,
em que somem criaturas tão pequenas:
são apenas duendes que me ceguem.

Eu vejo seus cabelos na alvorada,
no entardecer e em pleno meio-dia
e até o ponto em que a elétrica energia

me permita perceber sua revoada.
Mas chega a noite e as antenas dos cabelos
somente enchem meus sonhos de desvelos.

COLEÓPTEROS V

Quando eles vêm, já é no entardecer
e se acumulam às centenas contra as luzes,
escaravelhos e besouros, quebra-luzes,
todos em busca do próprio falecer...

São assim as meninas: vêm perder
os anos de sua infância nos induzes
das cintilantes luzes e desluzes:
rapidamente se veem envelhecer...

Talvez digam que sejam mariposas,
estas damas da noite os seus besouros,
os gordos cafetões que assim sustentam.

Mas eu digo: escaravelhos são tais rosas,
esmagados aos pés os seus tesouros
nas calçadas da cidade que frequentam.

COLEÓPTEROS VI

Os olhos negros desses coleópteros
me contemplam em parda zombaria:
suas asas pretas de quitina fria,
recobrem élitros iguais aos lepidópteros.

Seu sangue é verde, embora o dos quirópteros
seja vermelho e quente; e eu ficaria
bem melhor se a tais morcegos me daria,
ao invés de ter amor por arqueópteros...

Mas sou assim: eu vivo no passado;
não no meu próprio, é certo.  Eu amo é esse
sobre o qual li, amor de arqueologia.

E me sinto no presente reencarnado
nesse esforço febril em que a alma cresce
na construção de si mesma noite e dia.

COLEÓPTEROS VII

se soubéssemos viver na Escuridão,
como fazem os morcegos, em Ultra-som
vencendo os obstáculos, com o Dom
de tantas coisas saber onde é que Estão,

mesmo sem vê-las, só por Sibilação
de gemidos cristalinos, seria Bom;
mas mesmo ao emitirmos igual Tom,
mal saberíamos interpretar Verberação.

Nós somos todos muito mais besouros,
sempre em busca da luz ao fim do túnel,
esquecendo o calor de nossos trilhos.

E é por isso que se esvaem nossos tesouros,
nessa busca incessante pelo lúmen
que a humanidade contagia nos seus filhos.

COLEÓPTEROS VIII

É assim que contra lâmpadas queimamos
as nossas carnes mais desprotegidas
que aquelas dos besouros, revestidas
dessa quitina em que nos contemplamos.

À luz do sol os rostos que mostramos
se refletem em tais capas, coloridas
pelos olhos das amadas mais queridas:
nesses amores todos nos queimamos.

Mais do que a luz do sol, os olhos delas
é que nos cegam bem frequentemente
e nos deixamos queimar, sem resistir.

Nossos olhos adejam como velas
e torramos a esperança redolente,
somente pela flama de um sorrir.

COLEÓPTEROS IX

Meus olhos te acalentam, persistentes;
Teus olhos me acalentam, dadivosos;
Meus olhos te perseguem, monstruosos;
Teus olhos me naufragam, consistentes;

Meus olhos te refletem, reluzentes;
Teus olhos me refletem, quitinosos;
Meus olhos semi-voam de elitrosos;
Teus olhos já flutuam, fervescentes;

Na luz desses teus olhos transparentes
em me reflito em sonhos de vitória
e até queria me adonar desses tesouros.

Mas capturo só os insetos insistentes,
e vejo ante meus pés montes de escória:
amor que eu esmaguei feito besouros.

COLEÓPTEROS X

Não sei porque eu vejo escaravelhos
lançar-se contra a luz iridescente,
queimar-se contra a vela incandescente,
talvez queiram morrer sem ficar velhos.

E vejo os velhos buscando dar conselhos,
numa lição aos mais inexperientes,
apesar dos lastimáveis e frequentes
embates que projetam contra espelhos.

Como é comum na vida que busquemos,
ao invés de seus dons mais permanentes,
seus reflexos mesquinhos e pequenos!

E nos jogamos contra espelhos, crentes
até o momento em que morrer nos vemos
contra essas fontes de luz opalescentes.

COLEÓPTEROS XI

Tomo nas mãos a pequena criatura
que cessa de espernear e finge morta,
nessa esperança que o desalento entorte
de que, por morta, seja tida impura,

ressecada por dentro, a casca dura,
sem mais valor nutritivo dessa sorte,
vaga esperança que o mau destino corta
e se furta ao pesadelo da tortura.

Sou como um gato para tal inseto,
que pensa ser em breve devorado,
mas só depois de malvada brincadeira.

Nele me vejo refletido, igual afeto,
que em seu exoesqueleto apenas queira
enxergar o meu rosto duplicado!...

COLEÓPTEROS XII

Qual o besouro se desvanece em vela,
o poeta se queima à luz da lua:
idêntica sua busca, em ânsia nua
de misturar-se à luz que se revela.

para os olhos da amada, luz de estrela,
me precipito, sem sair à rua:
é mais dentro de mim que o amor estua
e é mais por não a ver que a sonho bela.

Bem fundo ao coração, minha alma é pura
por mais que frases pareçam maliciosas,
sou negro nessa dor que me perdura.

Duro por fora, de carnes saborosas,
sou besouro também e a casca escura

esconde as asas limpas e sedosas...

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