segunda-feira, 1 de janeiro de 2018





imensa flor &+ - Antigas séries de william lagos



IMENSA FLOR

Formosa flor a flor que me confronta,
orquídea rósea, fresca, perfumada,
antúrio multicor, flor delicada,
luz que seduz em verdadeira conta.

O meu encanto ao vê-la sempre monta,
de pétalas fragrantes, cor de fada,
sem sépalas talvez, mas encantada:
a Natureza inteira em doce afronta.

Como é gentil tal flor, que apenas vejo,
sem que a possa colher, inesperada,
enquanto o vento agita o coração,

essa visão da flor escancarada
ao toque apenas, talvez único beijo,
exposto ao sol, idêntico botão...

SIMULACROS I

Não vivemos isolados neste mundo;
nossas ações sempre trazem conseqüências:
modificamos os palcos, as seqüências
e até afetamos o caráter mais profundo

daqueles que nos cercam, dependendo
da intensidade com que os confrontamos
ou do perjúrio com que os influenciamos
a reagir perante nós, podendo

deste modo influenciar até o cenário
em que estamos inseridos; avatares
somos nós todos, feitos similares

a todas as ações que executamos;
e assim vemos nos rostos o fadário
do passado virtual que vivenciamos.

SIMULACROS II

Quer na vida real, quer na virtual,
todos somos simulacros, sem motivo:
avatares os 'bots, nunca o vivo
ser material em seu sofrer real;

neste viver apenas contextual,
desfeito em pixels, como um ser votivo,
cortado em bits, apenas redivivo
sobre uma tela sem pendor carnal;

portanto, evita a tua fotografia
espalhar pelos ares, pela rede,
no elástico esticar de um telefone;

ou mais ainda, na antena que esfuzia
e via satélite a espalha e ao mundo cede,
na irrealidade de um implante em silicone!

SIMULACROS III

Saio em busca dos fantasmas,
simulacros do passado:
são sessenta, lado a lado,
mais os cinco em que me pasmas.

Nessa tua ausência, me espasmas,
testemunha do pecado,
só na intenção alcançado,
no assombro que não me orgasmas.

Nessa tua ausência te esperam
sessenta e cinco fantasmas,
no plasma dos embaraços...

Teus próprios fantasmas geram,
na multidão das missivas,
sem encontrar teus abraços...

MOLDADURAS I

Até que ponto podes ter certeza
de que todo esse passado que recordas
realmente ocorreu?   Ou, se concordas,
com uma fímbria de ti, uma esperteza

que se passa por real e cuja empresa
é a de substituir outro passado
que não te agrada?  Um tempo descuidado
em que essa mônada não estava acesa,

mas embaçada, desvão de uma memória,
apenas advertida, a qual queremos
que saia à luz, para a outra dominar?

Assim se passa toda a nossa história:
lembramos muito mais o que perdemos,
que nosso eu verdadeiro e singular. 

MOLDADURAS II

De tanto repetirmos tal mentira,
até para nós mesmos se reveste
de foros de verdade; e dentro deste
cenário enganador que nos revira

passamos a viver caracteres
diversos dos antigos que já fomos:
convencemos a nós próprios; e nos pomos
como um exemplo real, estranhos seres

que impomos lentamente aos circunstantes,
depois de superpostos a nós mesmos:
somos assim, porque assim modificamos

o que fomos um dia; e delirantes
fantasmas nos tornamos, ensimesmos,
com que o mundo e nossa mente dominamos. 

MOLDADURAS III

Eu buscarei apenas, neste instante,
desencadear meus novos avatares,
se algum de fato corresponde a esgares
da personalidade de outro avante.

Eu nem mais sei qual a mônada constante
ou qual portal me trouxe a estes buscares.
Não foi a sorte apenas, mas estares,
que transformaram momento enregelante,

em que deixei atrás meu velho plano.
Foi minha alma que em novo corpo entrou
ou outra alma que de mim se apoderou?

Serei ainda, ao fim de tudo, insano?
Este mundo de outrem conquistei
ou tudo isso é ilusão e só sonhei?

INVÓLUCROS

Eu olho em torno a chama dos amores
que não são meus e sei de sua leveza;
não têm sequer raízes, com certeza:
amores simples, saibro de estertores.

Amores satisfeitos em sexores,
nada mais que o apelar da natureza:
novas centelhas da mesma vela acesa,
peles vazias buscando novas cores.

E eu sou escriba, estou emaranhado
nesses conluios, que passo a ponderar
e que depois registro, peregrino.

É quando mais inútil sinto o fado
dos momentos que fico a registrar
do amor vulgar da gente sem destino.

PSEUDÓPODOS

Como pétalas recaem no meu rosto
os beijos do silêncio, toques leves
de aurora descarnada, beijos breves
sobre meus olhos e pômulos têm posto.

Etérea a musa, seus ossos em desgosto
tornados pó, ardentes como as neves,
sintetizaram as cores que não deves
imaginar sem que à loucura exposto

te apresentes. São névoas que se infletem
em verde e negro de veleiros lépidos:
sussurram de minha boca o verso posto.

São cantos babuínos, quase fétidos,
sentenças que se esparzem e derretem,
cacos de sonhos a escorrer do rosto...

HONESTIDADE I

Às vezes, os alheios sentimentos
malferir não queremos e escondemos
os nossos próprios, nem sequer queremos
expor honestamente os pensamentos

que nos vão pelo cérebro, os momentos
em que um conselho seria, pelo menos
mais indicado para afastar venenos
da insídia de terceiros, dos eventos

que podem afetá-los; bem maior
é a dor que sofrem, passados alguns dias,
do que o conselho simples que pensamos,

mas não lhes demos, fugindo a tal rigor
dessa confrontação, com covardias
ferindo muito mais a quem amamos.

HONESTIDADE II

Melhor então é retirar a pedra
do caminho e falar sem mais rodeios:
talvez com tato, talvez por outros meios,
mas arrancar esse engano que já medra

no coração do amigo e dizer claro,
enquanto tal problema só começa,
o jeito de evitá-lo, se depressa
não se tomar consciência desse amaro

desdouro que se encontra à sua espera;
por isso, a honestidade é necessária,
mesmo que traga estranha consequência,

pois sem advertir, maior é a esfera
que só se ampliará e a multifária
mágoa maior em toda a sua potência.

SIMULACROS IV

Eu me lanço pela rede, espatifado:
cacos de mim flutuam na alvorada,
outros se perdem pela madrugada,
sou apenas estruturas, digitado

em pixels e bytes, desventrado,
nem sequer uma película prateada.
Quem me reconstituirá noutra jornada,
ou ficarei para sempre desfocado?

Porém sou luz a nível eletrônico:
são fractais de mim mesmo que te envio,
apenas quanta pálidos de gelo.

Talvez me possa refazer biônico:
fantasma feito de meu próprio cio,
intangível e ausente de desvelo...

SIMULACROS V

É por isso que hoje envio para ti
retalhos de mim mesmo em vã poesia:
frangalhos que deixei na penedia,
remisso dom de tudo o que senti,

pois cada verso que te remeti
foi parte de meu ser em salmodia:
destarte em ti lancei a minha folia,
na escada sem degraus que percorri,

incapaz de tocar-te dentro ao peito,
apenas sons vazios, quais filigranas:
manchas d'água só visíveis contra a luz,

sem que tivesse, afinal, qualquer direito,
porque no amor a mim jamais te irmanas
e em teu sorriso o carinho se reduz...


FUNGOS

Depois, que adianta?  Nem mais tenho ocasião
de rever essa pilha de rascunhos
em que registro de minha vida os cunhos
e há quatro meses cresce sem vazão.   (+)

Quando retorno ao verso antigo, num serão,
nem mais recordo o dia em que meus punhos
garatujaram as frases nos abrunhos
que me arranharam dor no coração.

São penas tão antigas, repassadas,
ultrapassadas, vazias, esquecidas,
que nem sequer me acordam emoção.

Poemas magros, pobres, ressequidos,
juntando polvadeira, amarelados,
como fibras mofadas de ilusão.


(+) Escrito pela metade de março de 2007.  De lá para cá, os quatro meses viraram 24.  Bill.

William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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