sexta-feira, 5 de janeiro de 2018




FUNDADOR - WILLIAM LAGOS, 1979

(LUIZ VAZ DE CAMÕES, GRAVURA DE FERNÃO GOMES)


FUNDADOR -- William Lagos, 1979            

A Bíblia muitas línguas alterosas
Forjou austera em cepa primitiva;
Formou dos alemães as sonorosas
Frases exatas que a razão cultiva;
Plasmou do inglês idioma tão formosas
Sentenças claras de emoção altiva,
Contidas do Rei Jaime nas versões ---
Porém a língua nossa fez Camões.

Do norte as raças expressaram sagas
Dos deuses e ferozes marinheiros;
Dos gregos e romanos mil adagas
Em sangue rubro a morte dos guerreiros;
Enquanto Arábia e Índia e as feras plagas
Dos turcomanos em corcéis ligeiros
Descrevem-se nos vedas e alcorões,
A portuguesa língua fez Camões.

De França e Espanha o sangue aferventado
Expressou-se nos versos de tragédia;
Da mágica italiana, o acidulado
E irônico cantar fez-se em comédia;
Lá desde a terra eslava o atribulado
E místico pendor, tragicomédia,
Expressa no agridoce das canções,
Enquanto o nosso idioma fez Camões.

Que em sendo embora cego e sem valia,
Da outra vista o vate lusitano
O mundo antigo e o novo pressentia
E num tecer lustroso e soberano,
Tangeu sonora e audaz tapeçaria,
Naquele mesmo gesto sobre-humano,
A semear catedrais de gerações,
A língua portuguesa fez Camões.

Em poema brilhante de epopéia,
As Tágides regendo com nobreza,
Na forja de imortal prosopopéia,
Lusíadas sem par, nessa altiveza
Que se dobrou também na mansa idéia
De um pastorzinho pobre e sem riqueza
Sete anos a servir --- nos corações
Rebrota o doce idioma de Camões.

E toda raça nova de ultramar,
De tantas terras vinda, tão mesclada,
Aprende desde o berço a balbuciar
A mesma frase doce e apressurada,
A nobre sentimento e amor cantar ---
Tragédia e Bíblia, saga aveludada
De um perpassar suave de emoções,
Na meiga e antiga fala de Camões.   


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