quinta-feira, 26 de novembro de 2020


 

 

RECORDAÇÃO III

 

Um só tremor ainda, umedecido,

Um latejar de sangue, um estertor,

A boca muito aberta nesse amor:

Os dedos a encobrir grito contido,

 

Mas que se escapa enfim, pelas narinas,

E a mão se afasta e a língua se revela,

Se enrola contra os dentes, na procela:

Prazer e dor, em lutas peregrinas...

 

Os lábios tensos como é tenso o ventre,

Os olhos cintilantes e mortiços,

Enquanto o orgasmo o corpo inteiro adentre;

 

É luminosa a noite da paixão;

Os anos mortos ganham novos viços

E as almas... se estilhaçam num vulcão.

 

RECORDAÇÃO IV

 

E depois para a noite, o rosto no portão,

As pedras lisas e retangulares

A palmilhar, no ventre as singulares

Memórias de outro ventre aberto então,

 

Por longo instante breve; e a brotação

Se faz fecunda, por entre os tumulares

Comprimidos de hormônios perdulares

Que extinguem num massacre a multidão

 

De todo aquele esperma expectante,

Que se dispõe a morrer, no mesmo instante,

Pela esperança de uma só ovulação;

 

Mas que perecem todos, massacrados,

Pela morte do óvulo arrastados

Para o estertor da raça em extinção...

 

RECORDAÇÃO V

 

 

Foi breve o gozo apenas; e a seguir:

"Não deixes nos lençóis tua lava branca;

Já derramaste em mim; agora, estanca,

Chega de cinza e enxofre -- de partir

 

A hora se aproxima, a noite é breve,

Lança-te já àquela que te espera,

Não fiques a sonhar, na triste espera

De quem tudo a perder doido se atreve."

 

Mas, apesar de quanto a mim dizia,

Vulcão fervente sob a cinza ardia,

Pronto a explodir em nova erupção;

 

Porque não tinha a dar só lava branca:

Na exaltação em que o amor se estanca

A mente se faz lava; só é cinza o coração.


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