segunda-feira, 30 de novembro de 2020


                                                                 (NEUSCHWANSTEIN)

 

O CASTELO NAS NUVENS

Folclore português, versão poética William Lagos, 1º dezembro 2019

 

O CASTELO NAS NUVENS I

 

Há muito tempo atrás, em Portugal,

viveu um bruxo do maior renome,

que construíra um esplêndido castelo,

bem maior que os do rei; e é natural

que os nobres aconselhassem que o tome,

ninguém antes vira um palácio assim tão belo!

 

“Majestade, só é digno de vós!

Por que um bruxo ser seu dono deveria?”

“Mas não está defendido fortemente?”

“De forma alguma; interrogamos nós

um estribeiro que adestrava a montaria:

é defendido por muito pouca gente!...”

 

Contudo, o rei preferiu parlamentar;

mandou indagar ao bruxo Castellanes:

“Por que um castelo em meu país foste criar?”

“Porque me agrada,” foi a resposta singular

do bruxo velho, sem maiores adamanes.

“Aqui o ergui e aqui vai continuar!”

 

Então o rei mandou outro mensageiro:

“Que o castelo doe a Nossa Majestade

ou se disponha a pagar grande tributo!”

O bruxo riu-se e respondeu, brejeiro:

“Nada pode contra Nossa Malignidade...”

Cobriu o arauto com um manto de luto...

 

O CASTELO NAS NUVENS II

 

E o fez montar ao contrário no cavalo,

que ainda em feio burro transformou:

“Diz a teu rei que Castellanes é invencível!

Meu é o castelo dos torreões ao valo,

o meu poder numa semana o levantou,

para mim fácil, se te parece incrível!

 

Retornou o mensageiro bem atado,

com um colar de penas de urubu,

pior ainda, trajando só o casaco

e um chapelão de esterco pintalgado

e da cintura para baixo estava nu!

E sobre a sela de vidro havia um caco!

 

Chegou o arauto assim todo humilhado

e ainda sangrando de várias feridas,

que na sela não encontrava posição,

diversas vezes fora assim cortado!...

Zangou-se o rei com as ofensas recebidas

E para as tropas convocar viu ter razão!...

 

Aos camponeses rapidamente armaram,

mesmo sendo época ainda de colheita,

mas os nobres prometeram dispensá-los

rapidamente, porque todos julgaram

que a conquista já estivesse feita,

tão poucas tropas a defender muros e valos!

 

O CASTELO NAS NUVENS III

 

Marchou o rei com seus cavaleiros,

fundibulários, infantes e arqueiros,

até a várzea em que se achava o castelo

e três barões assim foram os primeiros,

liderando uma tropa de lanceiros,

para atacarem com fúria e muito zelo!

 

mas criou o bruxo uma cortina de fumaça,

impedindo o acesso a seu castelo...

mandou o rei então os seus arqueiros

flechas lançarem com vigor e graça,

fundibulários a apedrejar com zelo,

rapidamente a quebrar muita vidraça!

 

Até que o bruxo, enfim, se aborreceu

e empregou novamente a sua magia:

até as nuvens fez subir seu edifício;

fora do alcance depressa se escondeu,

lá das ameias a proclamar com zombaria:

“Tentai cá em cima exercer o vosso ofício!”

 

Os portugueses ficaram assombrados

E Castellanes disse: “És acaso o rei dos céus?

Deixei tua várzea e nada mais te devo...”

El-rei furioso ordenou a seus soldados

que construíssem escadas; e troféus

prometeu a quem mostrasse atrevo!

 

O CASTELO NAS NUVENS IV

 

Mas lá de cima, ficou o bruxo alegremente

a jogar pesadas pedras nos soldados,

até obrigando a recuar o próprio El-Rei!

Porém tornou-se o malvado descontente

com os incômodos que havia suportados:

“Dos portugueses eu me vingarei!”

 

Ora, a Princesa Maria acompanhava,

Maravilhada, tudo quanto acontecia,

filha única do rei e sua herdeira

e lá de cima o feiticeiro a contemplava...

“Não tenha medo,” a aia lhe dizia,

“Foi nosso rei que o venceu desta maneira...”

 

“Nossos soldados não podem lá subir,

porém o bruxo não pode aqui descer

e depois, nem está mais em Portugal,

é de todos o céu, mas de lá não pode vir;

só ameaças é que pode nos fazer,

sem ser capaz de nos fazer o menor mal...”

 

A pobre aia jamais chegara a ouvir falar

de que os bruxos possuíssem um singular poder:

numa alabarda voou sem dificuldade, (*)

da princesa descobriu logo o lugar

e em voo rasante ele a veio recolher

e a carregou até o castelo, sem piedade!

(*) Lança de combate, com duas lâminas de machado.

 

O CASTELO NAS NUVENS V

 

El-Rei ficou no maior desespero:

“Senhor Dom Bruxo, devolva a minha filha!

Eu prometo nunca mais lhe pedir nada!...”

“Dará uma boa esposa, assim espero...”

troçou o bruxo. “Me acompanhará na trilha,

quando eu cansar dessa tua terra amaldiçoada!”

 

“A propósito, depois que eu me casar,

lá no palácio em que habita o Bruxo-Mór,

logo em seguida muitos filhos nós teremos...

Portanto, Majestade, eu vou herdar

esse seu trono pequeno e sem favor

e finalmente em sua Lisboa habitaremos!”

 

Ficou o rei assim fora de si,

pediu e suplicou e ameaçou,

mas Castellanes se riu dele à vontade:

“A sua filhinha vai continuar aqui,

o meu bruxedo já bem fácil a encantou

e até acredita que me ame de verdade!...”

 

El-Rei então a todos prometeu

que daria sua filha em casamento

a quem pudesse subir por uma escada,

matar o bruxo que tanto o ofendeu

e trazer Maria de volta, em tal momento,

sã e salva, sem que fosse machucada!

 

O CASTELO NAS NUVENS VI

 

Incrédulos ficaram os cavaleiros,

montar escadas tentaram assim mesmo,

um mais ousado até construiu torre,

mas desistiram, até os derradeiros,

seus esforços todos perdidos a esmo

e um a um à própria casa acorre...

 

Ficou apenas um pobre lavrador,

chamado Diogo, ainda muito moço,

que até então permanecia solteiro,

a examinar o castelo com vigor,

mediu a distância até o aéreo fosso,

o vento a calcular qual bom arqueiro...

 

Então pegou uma corda reforçada,

bastante longa, com mais de cem toesas (*)

e a amarrou à haste de uma seta;

após qualquer experiência fracassada,

ficando as flechas pela corda presas,

calculou o alvo com precisão dileta...

(*) Medida de um metro e oitenta.

 

E enquanto assim fazia, viu cigano,

que se achegava como quem nada quer

e lhe indagou o que ele pretendia;

ingenuamente, Diogo a seu reclamo,

tudo explicou, sem detalhe sequer

esconder do que então acontecia...

 

O CASTELO NAS NUVENS VII

 

“Você pretende subir por essa corda,

enfrentar lá em cima o feiticeiro,

para depois descer com a princesa?”

Quando Diogo assentiu, ele concorda:

“Vou ajudá-lo, meu jovem arqueiro,

que alguém precisa conservar a corda tesa...”

 

“Enquanto você sobe até lá em cima

e depois que derrote o feiticeiro,

alguém precisa a sua princesa segurar;

do rei ela é por certo a maior mima,

você bem disse que afirmou certeiro

que em nada ela se pode machucar...”

 

Diogo concordou, sem desconfiar

e com um tiro de flecha bem certeiro

cravou-lhe a ponta na porta do castelo

e depois de ter certeza de a firmar,

foi por ela marinhando bem ligeiro,

rubra coragem a mostrar no rosto belo!

 

E teve a sorte de o bruxo abrir a porta,

averiguando o que havia acontecido!...

Com outra flecha, Diogo o executou

e por sua morte o encantamento corta:

de que era um bruxo e que a havia prendido,

de imediato a princesa recordou...

 

O CASTELO NAS NUVENS VIII

 

Do castelo o encantamento já falseava;

 tomou Diogo nos braços a princesa

e fez de corda uma segura cadeirinha

e depressa mas com jeito ele a baixava,

até chegar ao solo, sem surpresa,

que firme a corda o cigano ali sustinha...

 

Mas assim que a princesa viu a salvo,

tirou do alforge isca e pederneira (*)

e em breve chama a corda ele queimou!

Pensando que o bom Diogo era um papalvo,

mas ao ver da princesa a tremedeira,

mais que depressa história falsa lhe contou...

(*) Bolsa de viagem feita de couro grosso.

 

“Bela princesa, aquele moço é meu criado,

fui eu que a corda lancei e a estiquei,

aqui de baixo alvejei o feiticeiro

e o mandei subir, bem descuidado,

que a trouxesse para o solo lhe ordenei,

tudo o que fez imaginei primeiro...”

 

“O coitadinho é muito limitado,

mas do castelo será um bom guardião,

até que juntos o vamos visitar...

Agora monte a mula, do meu lado,

Sua Majestade mostrará sua gratidão,

tão logo a Lisboa possamos nós chegar...”

 

O CASTELO NAS NUVENS IX

 

A princesa em nada disso acreditou,

mas teve medo e assim ficou calada...

Bem ao contrário, o rei de nada desconfiou

e tal como anteriormente proclamou,

a boda de imediato foi marcada!

Maria inutilmente protestou...

 

“É que ela ficou muito abalada...”

disse o cigano. “Foi o encantamento

que sobre ela lançou o feiticeiro,

sua memória está um pouco perturbada,

mas tudo passará noutro momento

e por marido me aceitará ligeiro...”

 

Ora, o castelo era só de encantamento

e a pouco e pouco veio aterrissar,

depressa as torres já a desmoronar...

Os soldados e criados, em espavento,

fugiram bem depressa, sem cuidar

de ao matador de seu amo castigar...

 

Então Diogo saiu tranquilamente,

mas teve de ir a pé até Lisboa,

onde se estava celebrando o casamento...

Mas penetrou na igreja, finalmente

quando o rei a conduzia, entre a loa

do povo, em comovido sentimento...

 

EPÍLOGO

 

Os guardas tentaram até detê-lo,

porém Maria gritou: “Foi esse moço

o herói que realmente me salvou!...”

Viu o cigano que poderiam prendê-lo,

Na sacristia enfiou-se num retoço

E por portinha lateral logo escapou!...

 

Mas a sua mula só marchava devagar

e logo o povo interrompeu o cigano

e o trouxeram de volta até o rei.

O infeliz foi obrigado a confessar,

na cadeia ficou preso mais de um ano:

para onde foi depois eu já não sei...

 

Mas como estava pronto o casamento,

El-Rei mandou dar a Diogo roupas novas

e a feliz boda a seguir se celebrou...

E como é praxe após um tal evento,

termino a história com as melhores novas:

por longos anos o casal feliz ficou!...

 

E quanto ao bruxo? Jamais foi encontrado,

desvanecido o castelo inteiramente,

provavelmente também seu corpo desmanchado,

pois, decerto, mais de século vivera

e desse modo, a lusitana gente

nem nos informa onde o castelo erguera!...

 

 

 

 

 

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