quarta-feira, 2 de dezembro de 2020


 

 

RECUSA I  -- 2 DEZ 19

 

Que é amor, afinal, a gota de ouro

que oscila no cadinho do alquimista?

E que mais é a esperança que a conquista

fugaz e transitória do desdouro...?

 

Que é amor, afinal, fumaça de tesouro

que o  coração ilude enquanto insista

em sufocar-nos da esperança em pista,

sursis das penas, escudo só de couro,

 

para as mágoas naturais da vida humana,

nada mais ela que um ideal desfeito?

Amor, então, seu consorte e semelhança,

 

nos aparece assim, nessa esquivança,

a impor sobre nós sua força desumana,

para instalar-se, enfim, dentro do peito...

 

 RECUSA II

 

Que é amor, afinal, a entrega apenas,

fibra após fibra, de sangue e coração?

E a esperança, me diz, o que é, senão

a sursis temporária destas penas...?

 

Só o frescor temporário de açucenas,

cortadas de seu pé sem compaixão,

postas em vaso para sua emurchação,

mortas sem causa, dezenas e dezenas...

 

De modo igual que a crença imaginada

de que tal graça ser pudesse permanente

e nos trouxesse então um éden de alegria,

 

embora a flor do amor que já foi presenteada

e colocada inerme num coração carente

inteiramente seque em jarrão da nostalgia...

 

RECUSA III

 

Os alquimistas sempre buscarão

o chumbo transmutar em ouro puro;

seu método julgando ser seguro,

somente a hora e o dia mudarão.

 

Os cientistas modernos, com razão,

podem o chumbo pesado e cinza-escuro

em ouro transformar, que é menos duro,

porém sai cara demais a mutação...

 

e através dos séculos e eras,

os namorados também buscam transformar

suas esperanças em verdadeiro amor

 

e se fracassam, conservam suas esperas:

a hora, o dia...  o alvo até a mudar,

só na aguardança de um olhar mais sedutor.

 

DELÍCIA I – 3 DEZ 2019

 

No fim das contas, eu até que gosto!

Percebi de repente, num sorriso,

que adoro esse teu dar-se de indeciso,

apenas aos golinhos, doce mosto

que gota a gota me entregas, sem desgosto,

adolescentes passos nesse piso,

temendo escorregar no solo liso,

o medo e a esperança em nosso rosto...

 

E tudo vem de novo e renovado,

qual eu queria sempre, descuidado,

irresponsável, mesmo num portento: 

que apenas nos toquemos, nos beijemos,

que sensações apenas provoquemos,

sem completar nosso carnal momento.

 

DELÍCIA II

 

E se me entregas nos lábios, gota a gota,

esse carinho dos beijos infrequentes,

na inflorescência de conversos crentes

inexperientes nos passos dessa rota,

a novidade sendo rara, não se esgota,

nem tais expectações adolescentes;

teus cabelos me percorrem, redolentes,

minha barba em teu seio, ânsia remota,

 

a conservar a delícia do indizível,

quando a entrega o mistério desfaria,

cruzado o fosso em seu salto final,

sem mais nada restar de intransponível,

quando um certo desaponto chegaria,

mesclado ao gosto do instante triunfal...

 

DELÍCIA III

 

E se for pranto o preço da delícia,

algo que escorra das retinas, incontido,

mel de sorriso pelo sal do perseguido,

vasto carinho com suspeita de sevícia;

algo de morto tripudiando na letícia,

após o dom da espera ser vencido,

que mais nos resta do desejo concedido,

será que amor no final se faz nequícia? (*)

 

Melhor então que se prolongue a espera,

que amor no amor futuro se respalda

e amor no amor passado é só memória,

amor no amor presente frágil glória,

só conservado enquanto não rescalda,

ante a incerteza de que amor amor nos gera...

(*) Maldade, malícia.

 

IRRELEVÂNCIA I – 4 dezembro 2019

 

Queria compreendesses o quanto dentro dalma

eu sinto por te amar, assim, de corpo e alma;

eu sinto por querer-te inteira, sem que a calma

certeza me garanta de igual amor amigo,

 

que o coração exposto pretenda andar comigo:

que esse meu amor de ânsia peristalta,

arriscado a te expor até que ponto é a falta

que em todas minhas ações se expõe a grão perigo

 

se guarde para ti; que se dissimularmos

e nossos sentimentos, sem mais razão, guardarmos

tão só para um prazer dissimulado e frio,

 

nessa ação tão vulgar, comum, de desvario,

que nosso amor se avilte; para assim nos entregarmos

a encher de carne o bem que o amor deixou vazio.

 

 IRRELEVÂNCIA II

 

Pois nesta exposição de amor a um tal perigo,

que ouse a carne amar nessa ousadia certa,

que amor então arrisque a pena e dor incerta,

igual que no passado sofreu amor antigo,

 

amor carnal apenas que quis andar contigo,

amor de corpo ansioso, sem ter a alma aberta,

amor de transeunte, a vista sempre alerta

para quem passe por ti, com tentação consigo,

 

no irrelevante passo de quem a sós caminha

ou chega na calçada permeio a companhia,

mas com olhar aberto para o que se propicia,

 

em cada sobrancelha a inveja que se espinha,

nem tanto por querer o que julga termos nós,

talvez só por egoísmo o indiferente algoz.

 

IRRELEVÂNCIA III

 

Contudo, dentro dalma, meu coração mal pode

conservar-se em silêncio pelo que busca em ti;

conservo então a crença no amor que nunca vi,

mas que em meu coração irrelevante acode;

 

e ansiado por te amar, na exposição denode,

tal qual se mostraria pelos ares bem-te-vi,

suas penas a ruflar na exposição ali,

esperando que a fortuna para seu lado rode.

 

Somente que essas penas que posso te mostrar

são penas só de amor sem cintilante brilho,

talvez sem conseguir sequer te impressionar,

 

na irrelevância, enfim de que tal exposição

seria inútil assim dos versos que te empilho,

se não me vens expor por igual teu coração.

 


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