sábado, 26 de dezembro de 2020


 

 

TEMPO DIMENSIONAL I – 5 MAR 20

FOTOGRAFIA DE NIELS BOHR, CRIADOR DA FÍSICA QUÂNTICA 

há cem anos que se afirma a existência

de uma quarta dimensão, a qual seria

esse tempo que a todos nós envolveria

em sua pressão poderosa de potência,

agindo sempre sem benemerência,

que num sentido só se moveria,

por isso o mundo se desagregaria

aos poucos... e igual nossa vivência...

 

decorre isso da lei einsteiniana

em que o tempo é continuação do espaço,

três dimensões tendo este em seu abraço,

cada uma das quais em vaivém se afana,

para frente e para trás, para a direita

e esquerda; e acima e embaixo enfim se ajeita.

 

TEMPO DIMENSIONAL II

 

mas o tempo deverá ter igualmente

três caminhos para si, só que não os vemos:

para cima e para baixo não podemos

nos mover em tal tempo indiferente;

mas havendo velocidade suficiente,

que o tempo marcha para trás reconhecemos;

aumentado o espaço em que vivemos

o tempo encolhe em grau correspondente.

 

porém o que acontece se à direita

do tempo nos voltamos de repente

ou então nos viramos para a esquerda?

o que transcorre no tempo desta feita

e que mudança ocorrerá na gente:

teremos lucro ou será a nossa perda?

 

TEMPO DIMENSIONAL III

 

naturalmente, niels bohr logo afirmou

propriedades do quântico mecanismo,

que einstein encarou com ceticismo

 e simplesmente aceitá-lo recusou...

de fato, um dia mesmo confessou

que se real pudesse ser esse modismo,

contrariaria todo o seu relativismo

e a concordar com tal coisa se negou...

 

singularmente, no século anterior,

rutherford, com seu modelo matemático

do espaço e constituição atômica,

recusou de forma igual o posterior

desenvolvimento de einstein, enfático,

troçando dele de maneira cômica...

 

TEMPO DIMENSIONAL IV

 

mas se à física quântica retomamos,

de dimensões prevê multiplicade;

talvez não sejam no tempo, na verdade,

porém que em multiverso nos achamos;

perfeitamente possível, quando concordamos

com essa extraordinária variedade,

em alguma delas fixa a espacialidade,

enquanto pelo tempo caminhamos...

 

que ocorreria num espaço imóvel,

enquanto o tempo se moveria à vontade?

não há limites para a potencialidade,

pergunta esta por enquanto insólvel,

mas nalgum plano há real probabilidade

das consequências desse tempo móvel!...

 

VERSOS APAGADOS I – 6 MAR 2020

 

Tempo houve em que eu datilografava,

a seis por página, os sonetos que fazia;

várias cópias tirava e então as distribuía,

entre os amigos, cegos versos de carbono!

 

Fui sempre rápido e mesmo em abandono,

de mim roubei as mil horas de sono,

já não sentia dos poemas ser o dono,

mas que esse canto a outrem pertencia...

 

Porém desde aquele tempo, publicar

foi coisa que não fez parte dos meus planos:

sempre encarei com certo vezo de ironia

 

essas minhas frases de tristeza ou de alegrar,

sem desejar da cortina abrir os panos

desse teatro que era pura fantasia!...

 

VERSOS APAGADOS II

 

Com frequência eram até bastante eróticos

esses textos que  ao redor eu distribuía

falsos poetas pura inveja então movia,

a criticar-me com argumentos estrambóticos!

Outros deles sendo claramente góticos;

certa amiga, que no museu trabalharia,

suas cópias todas ali afirmou arquivaria,

mas carbono ainda estimula sensos óticos?

 

Também minha casa desfez-se num incêndio,

fazem já, deus do céu!... Trinta e dois anos,

quando perdi minha biblioteca e muito mais...

 

Das composições a maior parte em tal dispêndio,

mas numa pasta sobreviveram, soberanos,

se desbotados, milhares desses originais.

 

VERSOS APAGADOS III

 

Quiçá me digam: se tivesse publicado,

talvez em páginas de livros se encontrassem

esses todos que em seu fulgor magnificassem,

na mesma pira em que fui quase imolado...

 

porém contesto!... O quanto foi queimado,

quais holocaustos que se sacrificassem,

talvez minha obra atual atrapalhassem,

quem sabe Apollo tivesse o fogo ateado...

 

Afinal, sendo ele o grego deus do Sol,

ou, pelo menos, de seu carro o condutor,

me poupasse para algo diferente...

 

para no incêndio acender novo farol,

de longas filas a fazer-me o transmissor,

as quais digito, sem publicá-los realmente!

 

VERSOS APAGADOS IV

 

Assim me sinto de algum modo fatalista;

dessa bagagem que ao redor se acumulou

parte importante esse incêndio liberou,

portas me abrindo para nova pista...

 

e tanto verso se apresentou para conquista,

de rascunhos tanto milhar se acumulou,

que outra premência para trás deixou,

de publicar sendo preciso que desista...

 

Pois mais se esforça para tal quem muito pouco

escreveu mas ainda almeja fama e glória;

o “Se” de Kipling a mim muito influenciou...

 

E lançamentos talvez me ponham meio louco,

esses “versos apagados” são já história,

tempo a roubar de cada sonho que apontou.

 

VERDADE MENTE I – 7 MAR 20

 

Quando te escrevo, me vêm naturalmente

Tantos versos de amor ou de revolta,

A minha eclusa da represa é solta

E minha torneira assim jorra decemente;

Saem versos de amor frequentemente

Sobre ilusão do passado que me volta,

Sobre esse amor presente que me escolta,

Sobre hipotético amor onipresente...

 

Mas se te escrevo de amor, eu sou sincero,

As frases tontas de calor a balbuciar,

Partindo alegres, no mais pleno vigor,

Porque esse objetivo não se altera:

Que dentro em ti vá minha mente sussurrar,

Querendo apenas te falar de amor...

 

VERDADE MENTE II

 

Aqui não leias “verdadeiramente”,

Porque a verdade sempre está mesclada

Com as quimeras de que foi forjada

E nenhum vulto é real integralmente.

Sinceridade até aqui se faz presente,

Mas cada frase de amor é exagerada,

Quando o seio se quer da bem-amada

E a alegoria se apresenta onisciente;

Que, afinal, onde existe nova imagem

Se já de amor há tantos séculos se escreve,

Desde Omar Khayyam, Catullo e Salomão?

Ou em Mitylene cantando com coragem

A meiga Sappho, a quem tanto se deve,

Talvez os dedos a orientar-me de antemão...

 

VERDADE MENTE III

 

Se mesmo eu de amor já escrevi tanto,

Sem de fato copiar qualquer modelo,

Salvo algum tenha inserido ao cerebelo,

Verso algum poderá chamar-se santo...,

Qualquer poema um mentiroso canto,

Feito em verdade cálida de gelo,

Feito em mentira gelada em seu apelo,

Os olhos secos derramando pranto...

Somente escrevo realmente que te amo

E tudo mais é glacê e cobertura,

Por mais que o bolo esteja cheio de doçura,

Pois em mentira verdadeira te reclamo

Em minha verdade mentirosa e pura,

Só iluminada pelo amor em luz escura...

 

SOLIDÃO ONIPRESENTE I – 8 MAR 2020

 

tal qual se a vida transcorresse num cenário

desprovido de palco, um só torrão

em que mergulho os pés, de lama o chão,

entre a bruma que envolve o campanário;

tal qual se a fome me saciasse um herbanário,

com verduras e mezinhas, sem paixão

e que seus pós me lambessem coração

e restaurassem de vigor o meu ossário,

 

eu olho da janela e sequer vejo

um vulto a perpassar na madrugada,

mesmo os fantasmas já se recolheram...

 

tomo de leve o violino e toco arpejo,

suas notas cristalizam-se em balada,

que de manhã os lixeiros já varreram...

 

SOLIDÃO ONIPRESENTE II

 

usava a rua ser bem movimentada,

mesmo sendo de mão única essa via,

que a mais antiga parte da cidade percorria,

quase na esquina há tantas décadas fundada.

 

cada veículo em ronquidão desabalada,

sem esperar que um oposto surgiria,

sempre correndo em total desarmonia,

cada nota que eu tocava atropelada...

 

mas os transeuntes subiam igualmente

pelas calçadas estreitas dessa rua,

outros desciam até o cemitério...

 

e eu tocava minha melodia silente,

só escutada pela luz da Lua,

como um monge a rezar no eremitério...

 

SOLIDÃO ONIPRESENTE III

 

mas de repente, nos venderam pandemia,

outro presente que nos traz Rota da Seda

e minha rua é solitária e queda,

que um toque de recolher já se anuncia;

 

e pela madrugada, já não mais se via

figura alguma sem tal máscara azeda,

até fantasma que a vida já degreda

temendo o vírus, pelas pedras se escondia.

 

só vejo, às vezes, passar algum cachorro,

na solidão um pouco acoando desconfiado

ou então vem algum gato, mascarado

 

por seus bigodes e da doença forro,

mesmo de dia o violino batizado

por álcool-gel a que eu mesmo não recorro!

 

PANIAGUADEMIA I – 9 MAR 2020

Especialmente é a televisão

Que nos propagandeia a epidemia

E se referem já a uma pandemia.

Que a China no mandou em galardão!

Estão ansiosos por mais emoção,

Pois já na Itália muita morte se anuncia,

Mas por enquanto, para mim é fantasia,

Que a morte não me bate no portão...

Claro que tenho idade suficiente

E como grupo de risco qualifico,

Mas ninguém ainda morreu nesta cidade,

Já os meus filhos têm terror inconsequente

Nem vêm me visitar, mas eu não fico,

Se bem não saia sem necessidade...

 

PANIAGUADEMIA II

 

Eu permaneço ainda em ceticismo

        Sobre se devo a minha própria tez

Expor aos outros, em toda a sua nudez,

Ou então guardá-la para o meu solipsismo.

Ou quem dirá?  Seja só por romantismo,

Ou por qualquer maniática altivez,

O fato é que, no início deste mês,

Não ponho arreios para mascaradismo.

Não fico preso, desconfiado dos demais:

Tudo parece propaganda de jornais,

Se não obrigassem, nem máscara poria...

Tampouco creio em estatísticas fatais:

Talvez prefira morrer e observar,

Bem lá do alto, se há mesmo epidemia...

 

PANIAGUADEMIA III

 

Ora, a cigana informou-me, certa vez,

Ao ler-me a mão, na praça mais central,

Que de moléstia não sofreria qualquer mal,

Só morreria após meus noventa e três!...

Assim confio na profecia que me fez

E mais ainda na promessa escritural:

“Cair podem mil à tua direita, porém mal

Não chegará a ti,” nos Salmos lês...

Mas realmente,  será muita pretensão

Achar que em mim pensava já David

Quando escreveu esse salmo de confiança

E algum resguardo manterei em ocasião

Mas meu temor é ficar preso por aqui,

A obesidade a acumular sem esperança!

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