sexta-feira, 20 de novembro de 2020


 

 

ritornello I  (2009)

 

por onde andará ela?  o que seus passos,

            pisando a luz da lua,

por onde andará ela?  o que seus traços,

            mostrando a face nua,

farão neste momento?  a quem sorrisos

            seus lábios se abrirão,

nesta manhã de vento?  a quem os guizos

            alegres soarão...

 

com quem andará ela?  no que fala,

            nesta manhã de sono,

com quem andará ela?  com que gala,

            se vestirá de outono,

neste momento agora?  em que pensará ela,

            acaso me recorda,

neste momento agora? qual emoção singela

            seu coração transborda,

 

voltado para mim?  ou nem sequer suspiro

            ela me envia ao vento,

lançado para mim?  que nem respiro,

            sem tê-la ao pensamento,

que rosto afaga?  para quem nos braços

            ela hoje se entrega,

 

e que memória apaga?  porque tantos laços

            rompeu nessa refrega,

quantos busquei reatar?  nessa ilusão

            de poder sua presença

a meu lado reter? e, enfim, ao coração,

            mentir, só por descrença.  

 

ritornello II

 

onde se encontra agora?  quais são hoje os desejos

de minha meiga aurora?

onde se encontra agora?  a quem suaves beijos

            reparte nesta hora?

sobre que mar navega?  a minha antiga estrela

            a quem ora se entrega?

sobre que mar navega?  qual juramento a bela

            para o futuro lega?

 

terá outra paixão?  qual rosto ela percorre

            com os dedos de sua mão?

terá vaga emoção?  por qual peito hoje escorre

            o bater do coração?

a quem hoje ela afaga?  em qual corpo flutua,

            igual que mansa vaga?

a quem hoje ela afaga? com quem se encontra nua,

a troco de qual paga?

 

será que ainda recorda?  só num piscar de olhos,

na hora em que se acorda,

o que viveu comigo?  se para essa lembrança

            ainda tem suspiro...?

terão qualquer valor, no fundo da memória,

            os meus desejos vãos?

 

com quem ela concorda? ou, usando seus antolhos,

a ninguém mais aborda?

ai, tempo do perigo!  de antanho sua esquivança,

em que meus sonhos giro...

e eu tinha tanto amor...  na palidez inglória

            do toque de suas mãos!...

 

ritornello III

 

aonde alfim irá?  a que amplos lugares

seus passos seguirão?

o que ali achará?  quais já profundos traços

lhe mostrará o espelho?

feliz se sentirá?  e no final, quais braços

terão seu corpo velho...?

será que é rejeitada?  quais constantes azares

seus olhos chorarão?

 

queria feliz fosse... por mais me abandonasse

os meus desejos são.

saber que está contente... alegraria minhalma

das penas que me dão

as ausências que trouxe... um certo grau de calma

teria no meu peito,

sabendo-a feliz...  quem sabe me alegrasse

a morte do despeito.

 

mas que dúvidas tenho!  será que teve filhos

e netos que a acalentem?

não sei do seu porvir... terá prosperidade

nesse lugar que more...?

teria morte tranquila?  seus olhos a aguardar

por um lugar melhor?

 

ou sofreu atroz doença... já no final dos trilhos

de dores que a frequentem?

só sei de mim agora... com equanimidade

que ainda se demore

meu pensamento nela... no mais tolo esperar

do retornar do amor.

 

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