quarta-feira, 4 de novembro de 2020


                                             INNER WOMAN, THÉODORE, CHASSERIEAU


 

VERNISSAGE I – 15 AGO 2019

 

agora eu sei, à lume de ironia,

o que sem eu saber me ocorreria

e me deixava o coração pesado

pela ansiedade mesma que eu sentia...

 

não sei o que esperava e, realmente,

enfrentei realidade surpreendente,

sem ter espanto, sempre controlado,

talvez porque meu corpo já pressente,

 

antes que a mente saiba o que suceda,

quais os eventos que a vida me conceda,

apenas sem saber quando virão.

 

mas que hão de vir, por certo estou seguro:

teu beijo hei de gozar, perene e puro,

no próprio palpitar do coração...

 

VERNISSAGE II

 

e quando ele chegar, o exporei,

alegremente, para que todos vejam

a entrega mútua e que perenes sejam

os votos que em tal data te farei;

 

cada promessa ali emoldurarei,

para a vista das visitas que se ensejam,

mesmo daqueles que ao ver bocejam,

nas paredes de minha face os pregarei

 

e o vinho servirei de puro amor,

de emoção pura serão os salgadinhos

e assinarão um livro de presença...

 

embora fraca seja em mim a crença

de que alguém queira comprar os meus carinhos,

assim expostos com tanto destemor...

 

VERNISSAGE III

 

meu corpo sabe o que haverá então,

numa certa percepção semipsíquica,

sem que realmente seja idílica,

mas marchetada plena de emoção;

 

na mente dúvidas se apresentarão,

mas os hormônios em valência cíclica

a mente embriagarão com força etílica

e os pensamentos não mais protestarão,

 

porque, afinal, são meus os que conservo;

os que não quero costumo descartar

e sou o mestre dessa exposição,

 

por mais que seja do bem-querer o servo,

cada momento de meu escravizar

nessas paredes mostrado sem pudor.

 

SOLICITUDE I – 16 ago 19

 

só espero de ti, donzela Meiga,

que não te afastes de mim em Peregrina,

rubra altivez -- resquício de Menina

engastada em seus sonhos de Manteiga...

 

que não mais te surpreenda o casto Beijo,

negado em mútua e simples Compreensão;

se afinidade existe na Emoção,

porque do corpo extirparei Desejo?

 

que alburno puro, terno e limpo Sexo

quase tão só à vida nos traz Nexo

e nos afaga em sentimento Honesto,

 

pois te desejo na mais nobre Intenção:

por desdenhar tabus, que mais Detesto,

quero tua carne... pois nela está o Coração...

 

SOLICITUDE II

 

de fato, até afirmar seria Tolice

que queira apenas de ti o Coração;

os demais órgãos, em sua vasta Multidão,

se emurchariam em toda a sua Ledice;

 

pois sem o coração, como já Disse,

que ocorreria ao corpo inteiro, Então?

mesmo que o cérebro seja o amo da Emoção,

rapidamente a sua morte se Cumprisse

 

e de repente, por mais que Palpitasse

o coração, sentimentos Perderia

e nada mais me poderia Dar

 

e foi preciso, assim, que Confessasse

esse desejo que me Dominaria

no espantoso instante do Abraçar!

 

SOLICITUDE III

 

como azteca não sou, teu Coração

arrancar de teu peito não Desejo;

seria tétrico lhe dar direto Beijo,

contido o órgão na palma de minha Mão;

 

nisto somente alegoria tem Razão:

por que pedir-te o coração em tal Ensejo?

em ti palpita no mais gentil Adejo,

porém por força da Circulação...

 

se bem eu queira que circule em Nós

mística rede de sangue Espiritual,

nessa total e mútua Transfusão,

 

tal como houve um dia entre os Avós,

por mais que tenha sido Imaterial

durante o evento de nossa Geração.

 

ANELO I – 17 agosto 19

 

Eu já não esperava, sabes?  Percebia

nas tuas retiradas e retornos,

uma implosão de luz, de sonhos mornos,

que nunca, enfim, minhalma aqueceria...

 

Por isso me sentia deprimido,

eu me esforçara tanto, era constante,

e me sentia tão fraco e delirante,

por todo o meu querer ser devolvido...

 

E agora pronuncias, como um bem

que te pertença, meu nome, meu carinho;

mal ouso imaginar que, de mansinho,

 

amor tenha brotado em ti também...

não mais amor de amigo, nem de irmão:

mas, como homem, possuir-te o coração...

 
ANELO II

Alegoria de novo, um eufemismo:

O que eu faria tão só com o coração?

Iria guardá-lo em um vasto botijão

para o prazer de olhá-lo com cinismo?

 

Ou seria tolo o bastante, em meu sadismo,

para falar através dessa prisão

com órgão pálido e sem palpitação,

num acesso do mais puro masoquismo?

 

Como a esperar que o coração falasse,

mesmo guardado em líquido formol

e que amor por mim ainda expressasse?

 

O que desejo são palavras de tua boca,

que me dissesses, a voz de emoção rouca:

“Eu te amo!” – qual clarim nesse arrebol...

 

ANELO III

 

Porque, de fato, é esse o meu anelo,

mesmo que nada mais disso resulte,

mesmo que a toda a sociedade insulte,

quero tal frase ouvir, qual sonho belo,

 

saindo de teus lábios, tanto zelo

recompensado num ritual de culto,

de minha insistência o mais total indulto,

nessa minha ânsia de por demais querê-lo,

 

muito sincera e firme para mim,

como é sincero e firme meu alento,

como é sincero e firme o meu amor

 

e que me julgue recompensado assim

pela voragem do mútuo sentimento,

dois corações a palpitar no mesmo ardor.

 

ALTERNATIVA I – 18 ago 2019

 

Que coisa antiga é o humano sentimento!

Repetido e infinito em gerações:

Mulher que encontra um homem e atrações

Rebrotam sem cessar nesse momento...

 

Um dia te encontrei, foi um portento

Que me entrou pelos olhos, emoções

Contraditórias nessas gradações

Que não se pode ter, sonhos ao vento!...

 

E como foi estranha a relação

Que nos uniu os dois, pois não querias

E então querias mais, porque sabias...

 

E agora se completa esta paixão,

Feliz, enfim, nessa alegria louca

De escutar o meu nome de tua boca!...

 

ALTERNATIVA II

 

E se acaso, no momento do prazer,

Eu escutasse o nome de um estranho?

Seria este um espanto tão tamanho

Que me fizesse, subitamente, erguer?

 

Seria um choque, certamente, um surpreender,

Que de espavento me cobrisse em banho,

No amor-próprio um bem marcado lanho,

Mas haveria razão em tal sofrer...?

 

Que surpresa real se encontraria

Saber que alguém houvera em teu passado,

Que o inconsciente quisesse relembrar?

 

Já que, de fato, somente importaria

Teu corpo contra o meu assim colado,

No vago instante de um perpétuo amar!

 

 ALTERNATIVA III

Por que razão ter ciúmes de um fantasma

Ou de quimera que ela em sonho divisara?

Eu mesmo quantas mais assim amara

Em meu passado?  Talvez o meu quiasma

 

Ótico refletisse algum miasma

E o projetasse sem intenção amara...

E se eu mesmo outro nome pronunciara

Tornaria esta surpresa sua alma pasma?

 

Sempre é preciso se reconhecer

‘Que o primeiro amor nunca se esquece’,

Como Neruda nos contou, dolente...

 

E lá no fundo, que mal pode fazer

Que um falecido amor pedisse prece,

Executado por amor mais permanente?

 

GIRÂNDOLA I – 19 ago 19 (*)

(*) Tenho uma versão em inglês,intitulada ‘pinwheel’.

 

Nem sei bem se espero ou desespero;

As vezes que tentei, tu me recuaste;

Quando não mais esperava, declaraste

A intensidade do amor mais puro e vero...

 

Mas eu temo, tu sabes: se eu insisto,

Podes recuar de novo, oscilação

Que já assisti às pampas... emoção

Mais controlada que quantas tinha visto.

 

E agora, eis que me peso e me interrogo:

Será que me quer mesmo?  Ontem, queria,

Mas e hoje? Vento forte nos trouxe a chuva fria,

 

Lavou-lhe o sentimento e já não quer?

Só sei que penso em seus olhos e me afogo

Na hesitação, enfim, dessa mulher...

 

GIRÂNDOLA II

 

E que eu faria, se acaso me afirmasse

O seu amor potente por estranho?

Seria bem pior que o simples ganho

De um certo nome casual que me falasse,

 

No momento em que mais a abraçasse,

No amor-próprio um golpe bem tacanho,

Inútil sendo meu constante amanho,

Todo o cuidado com que a cortejasse...

 

O pior sendo é que não havia surpresa,

Tantos os giros em nossa relação,

O antigo amor lanhado de incerteza,

 

O meu estando apenas em botão,

Mal comparado com a velha mesquinheza

Que no passado lhe cortara o coração.

 

GIRÂNDOLA III

 

Assim, se chuva houve, foi salgada,

De seus olhos como vento a escorrer

Um velho amor tão cheio de sofrer,

Talvez se percebesse escorraçada...

 

Sem desejar novamente ser tentada

Em uma nova experiência se envolver:

E se outro rasgo causasse no seu ser?

Melhor seria negar-se enamorada...

 

Contudo, ciente embora da desgraça,

Eu permaneço inteiro a persistir,

Para seu frio tornar-me um cobertor...

 

E quem sabe, no tempo que perpassa,

De seus lábios voltasse um dia a ouvir

Que só por mim agora tem amor?

 

DOWRY (1978?)

 

How long it took for you to let your face

Be handled by me, a plain portrait,

"It's not a good picture," you said, "it's a trace,

Although; and it might satisfy your wait.”

 

Yes, it's small, 'tis very little, almost nothing,

But you care not that in alien hands

It might lay and bring a fit of cussing

That I shall hear alone, so it 'fends

 

My own tranquillity and peace of mind.

"Looks go away," you said, "I'm not pretty."

Nor pretty am I, but how precious a heart

 

That beats in your breast and will mine grind

With faithfulness galore, a love gritty,

To compensate for all my pains and smart!...

 

   GAMARRA I (1980?) (*)

(*) Corrêia

a espera indolentE     Se faz ouropel;

          o anelo frequentE    Da dor sem quartel,

    se esvai redolentE    De néctar e mel,

 e exclui, finalmentE    Batina e burel.

    a espera é inconclusA    Mas torna-se bela;

          a graça da musA    Espelha-se nela,

               após tanta excusA    (A espera é por ela.),

               abriu-se uma eclusA    Que a dor me cancela.

                  se ela me amA,    Meu corpo é exul;

         se enfim me reclamA    Nas plagas do sul,

              meu peito conclamA    Essa dama de azul...

                     aberto meu peitO,    Eu venho me expor...

                      enfim reconheçO    Quão puro esse amor

                   aberto seu peitO    Em pleno candor...

 

GAMARRA II – 20 ago 2019

 

o amor imperfeitO    Acorda-se quedo

         o amor já refeitO    Desperta-se a medo,

     a amor bem sujeitO    A negaças não cedo

           astuto me ajeitO    Nas curvas do dedo;

  se amor é demorA    Espero confiante

 se amor é de outrorA    Recordo constante

 se amor vai-se emborA    O persigo, anelante,

     se é amor de outra horA    Aguardo-lhe o instante;

     que amor vai e véM    Em peito indeciso,

     que amor não se teM    Sujeito a algum siso

            se amor parte aléM    No adeus sou conciso;

                                         mas sempre é possíveL    Que algo retorne

       um algo indizíveL    Algures se forme,

    não sendo esquecíveL    Amor nunca dorme.

 

GAMARRA III

 

          e havendo certezA    Bem firme é a correia

     se não for de vilezA    Amor se incendeia,

       que é apenas belezA    Que o olhar nos ateia

se é firme em purezA    Espalha sua teia,

         bem fina ao redoR    Por mais ser sedosa

          tal forma de amoR    Até mesmo inditosa,

      mantém seu caloR    Por dama formosa

           conserva o ardoR    No espinho da rosa;

 e sendo constantE    Por mais irreal,

                 resiste flamantE    Nos campos do astral,

             talvez delirantE    Porém não faz mal,

      pois é necessáriO    Que algo se ame,

              jamais o contráriO    Que amor nos reclame

           por mais seja váriO    Em correia de arame.

(Apesar do formato, são sonetos com rimas leoninas.  Infelizmente, é provável que se desformatem.)

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário