GESTA DE AMOR I – 26 JUL 21
O nosso amor é como o mel do orvalho,
Geada singela que nunca fica fria,
Gentil garoa que assim nos conduzia,
Amor perfeito e livre de ato falho;
O nosso amor é qual chispa de algum malho,
Amor tinido que na alma reluzia,
Amor vibrante que na mente retinia,
Folha esmeralda a balouçar em cada galho.
Amor composto de frescura no verão,
Amor calor no inverno aconchegante,
Amor polivariado em cada outono,
Simples amor em que baila o coração,
Canário amor em jalde canto delirante,
Que se encolhe sobre nós durante o sono.
GESTA DE AMOR II
O nosso amor é flor de simpatia,
Amor de calma em olor de primavera,
Amor de zéfiro que só frescor nos gera,
Amor de chuva quando a mente estia.
O nosso amor é botão de nostalgia,
Pequena abelha modelando nossa cera,
Amor rainha que gentil zumbir nos dera
Nessa colmeia de elegíaca harmonia.
Amor assim a colorir a flor do prado,
Amor de estrela em perpétuo cintilar,
Amor candente de um extinto meteoro,
Amor de vórtice por cometa apaixonado,
Amor satélite que não para de girar,
Amor zodíaco do mais puro agouro.
GESTA DE AMOR III
O nosso amor é relíquia em estamenha,
Amor sobrepelis, sacro ornamento,
Amor estola e solidéu que te apresento,
Amor de cíngulo, qual espero que nos venha
A cingir sempre que do afastar surgir a
senha,
Amor de incenso, turibular acento,
Amor de altar em pleno sentimento,
Amor degrau galgando imensa penha,
Em que apenas nós dois nos acharemos,
Bem lá no alto, amor de cordilheira,
Amor que a alma prende toda inteira,
Que no mais íntimo do ser os dois buscamos,
Mente na carne em amplidão ligeira,
A nos unir inda além da hora derradeira.
Na ilustração, a atriz francesa Claudette Colbert, famosa por "Cleópatra".
GESTA DE MORTE
I – 27 JUL 2021
tu és meu
câncer, mulher, que me consome,
inexorável
fonte deste pranto,
que escorre
seco no poema e canto,
que nada fazem
contra a imensa fome.
em minha
anorexia, mulher, deixo que assome
o quanto
existe em mim de menos santo,
o quanto
existe em mim de mais espanto,
o quanto eu
domar tento sem que dome.
assim me sinto
de tísica assolado,
tuberculoso em
vias de hemoptise,
tão somente
pela falta de te ver,
quiçá somente
por lúpus penetrado,
quando somente
por toda a vida vise
o teu amor que
nunca pude ter.
GESTA DE MORTE
II
toda beleza
que meu peito invade,
em brasa morna
ou centelha de fulgor,
sempre
acalenta um certo grau de amor,
um sentimento
de real solenidade,
um tal amor
que me concita a idade
a esquecer,
perdido no esplendor
da decadência
sublime do sexor,
límpido e
claro em nebulosidade.
porque me arde
concreto ao coração
farol luzente
de beleza taciturna,
que bem sei
não ser minha de verdade.
mas fora dela
só existe a abstração,
do amor do
amor, que meu amor soturna,
que me impele
e me impede a liberdade.
GESTA DE MORTE
III
porém eu
busco, mulher, na intensidade,
todo esse amor
que a vida me consome,
busco esse
amor que a triste alma dome
e a mente prenda
em total iniquidade.
porque esse
amor somente impõe sua majestade,
sem jamais
satisfazer-me a plena fome,
é um amor de
almofariz, de pedra-pome,
que se
alimenta de minha própria eternidade.
mas sendo
impuro, é um alívio derradeiro,
quer seja
denegado ou satisfeito,
porque
completo me preenche o coração
e mesmo sem
ganhar de ti um beijo inteiro,
tem sobre mim
o mais pleno direito
de me magoar
sem receber retaliação.
GESTA DE ESPANTO I
– 28 JUL 21
Um ponto negro
surgiu no céu cinzento,
toda a esperança
que nutro no momento,
não um ponto de
luz tangido ao vento,
mas um ponto de
negror e luz vazia,
esse ponto sem cor
que o céu abria,
minha própria cor
de tom monotonia,
ali apenas a
não-cor que reluzia
no céu grisáceo de
meu pressentimento.
No fim da luz do
túnel vejo o escuro,
remanchado de
assombro deslumbrado,
escuro enfim que
meus olhos desvaria,
pois não mais
tenho ilusão, pois sou perjuro,
não mais que
sombra ineficaz, cansado,
sob esse céu de
chumbo que me guia.
GESTA DE ESPANTO II
Se me refiro ao
cinzor deste meu céu,
só interrompido
por pontos de luz negra,
é certamente
porque, via de regra,
minha esperança é
tão somente arpéu,
coisa pequena que
me balouça ao léu;
meu otimismo o
imediatismo integra,
e tudo dentro em
mim logo se alegra,
porém tal luz logo
me lança um véu.
São milhares de
vezes em que a esperança
ri sobre mim em
inocente derisão,
sem que nada
prometido se cumprisse;
não me deprimo com
essa contradança,
simples apenas me
revolta o coração,
por não ter tido
coisa alguma que pedisse.
GESTA DE ESPANTO III
não que de fato
algo mais peça realmente:
já de há muito me
contento em receber
somente aquilo que
me intende conceder
a Providência que
inteiro me sustente;
vejo em minha vida
sempre estar presente
essa muralha de
fogo a carne a proteger
de qualquer
malefício a se esconder,
quando à beira da
vereda malfazente.
E se percebo essa
constante proteção,
sem que sequer
essa atreva-me a pedir,
estou seguro de
minha própria redenção
e em tudo darei
graças em ocasião,
sem queixa aceito
todo o mal que me afligir
e o bem recebo na
mais surpresa gratidão!