segunda-feira, 8 de agosto de 2022


 

 

AMOR PERDIDO I – 4 AGO 22

(Tallulah Bankhead, musa do cinema mudo)

 

Não podes esperar que em cada verso

somente exprima minha paixão por ti;

da prepotência desse amor não me esqueci,

porém meu tema é, às vezes, bem diverso.

 

Nem todo o ritmo vai para o amor converso,

nem toda a rima para a ilusão perdi,

nem toda a métrica para o beijo eu garanti,

toda a cesura meu canto faz disperso,

 

pois corta o sonho que se tem pela metade,

para que caiba no padrão determinado

pelos poetas que me têm influenciado.

Dante Alighieri quis julgar a humanidade,

foram Bocaccio e Petrarca, em puro ardor

que me ordenaram que falasse sobre o amor.

 

AMOR PERDIDO II

 

Assim espero que um dia me retornes,

mesmo depois que nos desentendemos:

que estamos aleijados percebemos

e ainda aguardo que para mim te adornes...

 

Que teus lábios hoje frios então me amornes

no próprio instante em que nos contemplemos,

no olhar do outro vendo o quando já perdemos

e desse modo, que tuas dúvidas contornes...

 

Tão lamentável que o suspiro de um momento

seja armadilha para um tal padecimento:

sem ti um vácuo percebo no meu peito,

mas não te posso buscar, que não conheço

onde te encontras, sei apenas que padeço,

por ti ansiando, sem ter qualquer direito.

 

AMOR PERDIDO III

 

Quando as palavras se rebolcam pelo chão,

quais poltergeister seu zombar demonstram,

nos sobem pela perna e enfim encontram

o ventre, o umbigo e enfim, o coração.

 

Tantas palavras pronunciadas sem noção,

que tanto se atropelam e recontram,

nossa vaidade e orgulho reencontram,

já alguma cólera a cortar respiração.

 

Não somos nós que discutimos nesse então,

tais como vírus, em nós se multiplicam,

se fortalecem, nossos pulmões dominam,

fértil adubo para a exasperação

e então a gente fala o que não quer,

cada palavra a ofender como quiser!

 

AMOR PERDIDO IV

 

Não fomos nós que então nos apartamos,

as minhas palavras más por ti subiram,

indecentes, teu corpo inteiro viram,

mais do que a pele que tanto acariciamos.

 

Na carne entraram com todos seus reclamos,

rancor e ódio dos lábios explodiram,

novas palavras de raiva produziram,

para tombar de novo ao solo em maus afanos...

 

Então subiram por minhas pernas igualmente,

para do ventre apartar todo o desejo,

tão só a malícia em meus lábios a ficar

e à maneira de um esgrimista inexperiente,

manipular não soube tal ensejo,

para meu próprio coração vir perfurar!

 

AMOR INCERTO I – 5 AGO 2022

 

Onde andarás, mulher desconhecida,

A quem sempre eu amei e nunca disse?

Talvez temesse que de mim se risse,

Talvez temesse me aceitasse comovida...

 

Onde andarás, mulher reconhecida,

Que embora um dia ao coração atice,

Igual deixei, sem que beijo lhe pedisse

E se passou das sendas de minha vida?

 

Certamente, isto faz parte de minha lida,

Que me nutrisse de tantos desencontros,

Que me faltasse o tempo para encontros,

Enquanto a dama real, nos braços tida,

Me preenchesse todo o tempo disponível

E outro amor nem sequer me fosse crível...

 

AMOR INCERTO II

 

Muito difícil manter amores paralelos:

Não se pode servir bem a duas senhoras,

Salvo furtando de cada algumas horas,

A contemplar da outra os seios belos...

 

Ninguém pode habitar em dois castelos:

Mesmo os reis mais poderosos dos outroras,

Somente em um ficavam, até as esporas

Cravar em seu afã por mais apelos...

 

Mas o tempo dispendido nesses braços

Roubava o tempo que deveria ser gasto

Em outros braços igualmente apaixonantes;

Mesmo de noite, na confusão dos traços,

Mesmo um amor que se guardasse casto,

Sempre do outro furtava alguns instantes...

 

AMOR INCERTO III

 

Eu realmente tive amores simultâneos,

Com grande esforço a manter algum secreto

Desse outro por quem tinha amor dileto:

Corpos macios em beijos sucedâneos..

 

Eram mentiras de acordes arpejâneos,

Não que negasse a existência de um afeto

Que nem fora indagado.  Era o incompleto

Do tempo a oscilar entre dois crânios,

 

Cada qual mais amoroso e mais gentil,

A pele lisa e rosa em seu semblante,

Até fazer-se a negação mais delirante,

Correndo o risco da perda tão sutil

Dessa confiança marejada de ciúme,

Nesse amor doce marchetado de azedume...

 

AMOR PRÓPRIO I – 6 AGO 2022

 

Algumas vezes, a contemplar meu rosto,

de saturnino aspecto flambante,

fico a pensar que Plutão é triunfante

sobre meu velho mentor, o deus do mosto;

fico a pensar, às vezes, ao sol posto,

se já sou sombra pelo Orco errante, (*)

um fantasma incorpóreo, ignorante,

mas conservando da vida o pleno gosto...

talvez por isso é que estuo nessa esteira,

nesse adiamento de realizações,

nessas promessas cumpridas no jamais

e como Tântalo, permaneço à beira

de água e fruto imune às orações,

que tanto busco e nem alcanço mais!

(*) A terra dos mortos, segundo os Romanos.

 

AMOR PRÓPRIO II

 

Planos... Que planos?  Eu guardo na memória

a abundância de planos mal traçados,

quando me ergo para dias atribulados,

traçando planos macios, de pouca glória...

são planos escorreitos, sem história,

sobre as labores a serem completados

ao longo desses dias ressecados,

planos apenas para afastar a escória

para um lado, para expor a minha cabeça

ao titilar do vento, ao som do sol,

emergindo da caliça e da mortalha,

mas não consigo, por mais forças que peça,

prender os planos condensados no arrebol,

todo o meu ouro a se tornar em palha...

 

AMOR PRÓPRIO III

 

Se algum dia eu tirar a loteria,

me servirá tão só de tratamento

para as mazelas deste meu tormento,

não tem valor quanto demais se adia;

é inútil esperar, dia após dia,

que se cumpra a esperança do momento,

quando ela voa em brando movimento

e nos larga para sempre em desvalia.

Ai, eu tenho vários álbuns de esperanças,

coladas com charneiras cuidadosas,

do mesmo modo que em filatelia...

Sempre é possível descolar bonanças,

sem se afinar as margens mais preciosas

dessas mortas esperanças que se cria...

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