sábado, 27 de agosto de 2022


 

 

NO FIO DO PÊNDULO I – 23 AGO 22

(Johnny Weissmüller e Frances Gifford,

"Tarzan" e "Jane")


na minha sala há um relógio em oito,

marcas castanhas tem no mostrador,

marcas de dedos em dáctilo cinzor,

dedos perdido para a vida e o coito;

uma vez por semana eu vou, afoito,

a cumprir o meu dever de servidor,

dar corda em tal relógio com fervor

e seus ponteiros para o girar açoito.

sempre tenho cuidado, mas, talvez,

a cada vez que giro a velha chave,

na superfície deixe algum deeneá,

qual tanta mão já no passado o fez,

restos de pele que nem o tempo lave,

restos de dedos que ninguém encontrará...

 

NO FIO DO PÊNDULO II

 

chega outra vez mais um fim de semana,

porém descanso para mim não há,

se alguém visita, decerto me achará

neste labor que tanto me reclama,

na atual época em que tanto se ufana

o valor do lazer, eu passo a

mais me esforçar, julgo até que poderá

ser bom para a saúde, mais que a fama

propalada por tantos consultores,

de que um tempo de ócio é necessário,

para manter o equilíbrio corporal;

criei tarefas a despertar os meus ardores,

enquanto música escuto em canto vário

e até penso que o descanso me faz mal!

 

NO FIO DO PÊNDULO III

 

que importa mais, a hora fugidia

ou a corda com que conservo a hora?

é por meus dedos que o ponteiro implora

ou são meus dias que a chave quereria?

não se trata de amor nem de folia,

é apenas cada instante que descora,

corda não desse, o tempo iria embora

ou é o tempo que em mim corda daria?

amo talvez o seu meigo tiquetaque,

a estalar-me os dedos em chamado,

mas se não cumpro meu dever marcado

o seu contar dos anos sofre um baque

ou é meu tempo que me foi determinado

mais veloz a me escorrer para o passado?

 

NO FIO DO TEMOR  I – 24 AGO 22

 

vinte e quatro de agosto é um dia aziago,

na frança foram massacrar os huguenotes,

os seus vizinhos a dar-lhes cruéis botes,

pelos seus bens cada assassino a ter o pago.

e no brasil tampouco o mal do dia apago,

que de getúlio vargas os tristes lotes

foram cortados, em suicídio que denotes,

do “mar de lama” a subtrair-se ao lago.

porém de fato o velho foi “suicidado”,

de forma alguma a alvejar seu coração

no estranho ângulo por que passou a bala.

outro episódio que entre nós foi abafado,

vendido ao povo qual bruta ilusão,

mas a verdade veio à tona e não se cala!

 

NO FIO DO TEMOR  II

 

em minha terra também houve um acidente,

a queda aziaga de um certo aeroplano,

sua fuselagem sofrendo total dano,

dos passageiros sequer um sobrevivente.

não sei que mancha traz o dia presente,

se é tudo acaso ou resultado de algum plano,

talvez capricho de um demiurgo insano

ou do mundo no controle já indolente.

porém confesso hoje nada ter sofrido,

no dia temível que de novo se repete,

setenta e nove vezes contemplado;

sabe-se lá que parca tenha rido,

qual a norna que meu fio ainda projete,

sem à sua irmã entregar a ser cortado!

 

NO FIO DO TEMOR  III

 

é meu desejo sincero que tampouco

algo de mau neste dia te ocorreu,

mas pelo mundo tanta gente hoje morreu,

tantos sofreram, algum menino ficou rouco,

seus temores a alguém deixaram louco,

em seu volante alguém adormeceu,

em seu leito de dor alguém sofreu,

sabendo ter de sofrer por mais um pouco!

talvez não seja, afinal, um dia aziago,

mais que todos os demais dias de um ano,

tanta lástima pelo mundo distribuída...

mas tanta gente ganhou hoje algum afago,

tanta alegria experimentou algum humano,

tantos momentos de esperança nesta vida!

 

NO FIO DA SANSARA I – 25 AGO 22

 

muito de mim ficou perdido no passado,

capturado no atoladouro da memória,

que nem se pode queixar da vida inglória,

foi deixado para trás e está atolado.

tanto de mim que ficou abandonado

nessa ausência permanente e peremptória,

o que eu recordo é tão só desfeita escória

do que fui antes e já não pode ser chamado,

porque uma coisa é lembrar do que já fui,

outra diversa é revivê-lo no presente,

pois quanto lembro é só imagem desbotada,

que apenas de relance torna e flui,

numa figura opaca e quase ausente,

não mais que a minha foto acinzentada!

 

NO FIO DA SANSARA II

 

no devashan serei aconselhado

a escolher um futuro conveniente;

de nada posso afastar-me, realmente,

cada ato humano deverá ser praticado;

posso escolher o caminho a ser trilhado,

nele seguindo enquanto for vivente,

não terei culpas por um ato indiferente

ou até maligno que me foi determinado.

a escolha é minha, mas nada posso rejeitar,

“porque tudo quanto é humano me pertence”,

como afirmou-nos aretino em tempos idos;

só nutro culpas se o caminho recusar,

quando a força da sansara onipresente

me levará os atos repetir por mim perdidos.

 

NO FIO DA SANSARA III

 

segunda vez então retornarei,

para cumprir a descurada obrigação;

não um destino, porque foi minha opção,

a qual por mais desagradável cumprirei.

mas se o dever outra vez recusarei,

meu espírito ao asurashan convocarão,

onde escolha pior ainda me imporão

e finalmente ao fado escuro curvar-me-ei.

ali acharei as versões espirituais

dos animais que cumpriram seu caminho,

encaminhados para sofrer a vida humana,

na qual hão de persistir por muito mais,

ante a noção do tempo em desalinho

e a percepção final que a nós irmana.

 

NO FIO DA SANSARA IV

 

ninguém te força a acatar esta doutrina,

se a aceitares é que já foste preparada

por longo ciclo de vida reencarnada,

no tubo esguio forjado por tua sina;

mas lembra sempre, não foi bênção divina

e nem castigo por falta realizada;

por tua escolha foi a senda combinada,

és responsável pelo fruto dessa mina,

que poderá ser grafite ou ser carvão,

mui raramente a brilhar feito diamante,

mas não te queixes, pois foi escolha tua:

prendas humanas em ti se cumprirão,

sem ser desdita ou triunfo dominante,

não mais que a vida é gume e espada nua.

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