sexta-feira, 26 de agosto de 2022


 

 

INDOLENTE INIBIÇÃO I – 20 AGO 22

(A Bailarina Clássica Tamara Toumanova)

 

Somente os olhos a presença denunciam

De um gato preto numa sala escura;

Quando fechados, será inútil a procura,

Que em seu negror o gato mais se fia...

Nem é preciso afiançar que se escondia,

Nem que esta busca lhe pareça coisa dura,

Só lambe o pelo em sua paciência pura;

Caso queira ser achado, apenas mia...

 

Porém os ratos o encontram facilmente,

Só pelo faro que seu peito arrepia

E evitam de ingressar na mesma peça,

Embora o gato para caçar não se apresente

E algumas vezes com o intruso até se alia,

E na despensa o camundongo ingressa...

 

INDOLENTE INIBIÇÃO II

 

Somente o olhar a mentira denuncia

De uma mulher que a alguém queira enganar,

Sorriem os lábios, gentil é seu menear,

Morna armadilha que falaz lhe construía...

Nem me refiro à aventureira que escolhia

Qualquer alvo de que se possa aproveitar,

Nem àquela que deseja só brincar,

Que a algum incauto facilmente iludiria...

 

Mas lá no fundo, todas buscam segurança,

Algum controle que nele possam exercer

E mesmo quando se encontra apaixonada,

A sedução de um bom par é sua esperança,

Que se disponha, mesmo após tudo entender,

Enquanto a meiga tocaia é completada...

 

INDOLENTE INIBIÇÃO III

 

Não é em vão que com frequência chamam

Qualquer mulher mais sedutora como gata:

De algum presa anda gentil à cata,

Sua mente e coração o amor proclamam,

Mas os seus olhos avaliam e reclamam

Certo louvor que não demonstre data

De validade e enfim que não se abata

Para rivais que de igual modo o enganam...

 

E quando os olhos finalmente se desvendam,

Completada a avaliação, tendo confiança,

Assentar-se em seu colo a gata aceita,

Os carinhos a receber que mais a prendam,

Que a caça terminou, chegou a bonança

E o coração nesse abraço então se ajeita...

 

JUSTIÇA NA INIBIÇÃO I – 21 AGO 22

 

Do coração o olhar é desconfiado,

Tanto assim que se esconde sob o esterno,

Que é da gaiola das costelas subalterno,

Vibra constante num sonho de acordado;

O coração não se pretende revelado

A qualquer observador do mundo externo,

Quer conservar-se como o ideal superno,

Do merecedor que por fim for encontrado...

 

Mas é preciso recordar que o coração

Não é apenas o receptáculo do amor,

Pois nele existem emoções em turbilhão;

Por isso, é justo que se oculte assim,

Que não seja perfurado o seu calor

E em frialdade se esvazie até o fim...

 

JUSTIÇA NA INIBIÇÃO II

 

O olhar da mente é menos desconfiado,

Pois não se deixa facilmente penetrar,

Os seus neurônios não cessam de avaliar

Até que ponto possa ser desamparado,

Porém o cérebro, por mais seja afiado,

Se banha em hormônios de forma singular;

É no sangue do peito que vem-se irrigar

E o coração sobre ele é entronizado...

 

Por mais controle a julgar ter sobre o neural,

O coração lhe cortará a respiração,

Porém o cérebro não controla as suas batidas

E é o sistema simpático,  afinal,

Que as artérias impele em sua circulação,

Que os pensamentos deixariam esquecidas.

 

JUSTIÇA NA INIBIÇÃO III

 

O olhar do fígado será mais que o pensamento,

Nem desconfiado, nem propenso a acreditar,

O corpo inteiro eternamente a observar,

Sem se deixar levar por sentimento;

É o alquimista de maior portento,

Em seus cadinhos toda a linfa a misturar,

Não se acha sujeito ao copular,

Trata o organismo com firme julgamento.

 

E se não fossem as enzimas que controla,

Mente alguma o mundo externo abrangeria,

Nem o coração qualquer amor produziria,

É o seu olhar que o mundo abarca e assola

E é nessa tríade constante o que concita,

No olhar prudente com que o mundo fita.

 

JUSTIÇA NA INIBIÇÃO IV

 

E por mais que se pense que o sexual

Controla impulsos para a reprodução,

É dominado com prudência e a sensação

Parece apenas dominar o ser sensual;

E por mais que se creia o cerebral

Como senhor do movimento e da noção,

Também ele é mantido em contenção,

Seus feromônios têm caráter consensual...

 

Lá está o fígado a imaginar o que é melhor

Para o organismo todo em tal momento,

Se em outro corpo ache congraçamento

Ou suas ações limite em grau menor,

Enquanto mede a duração de cada afeto

Essa trindade a dominar-nos por completo.

 

REMORSO EM INIBIÇÃO I – 22 AGO 22

 

Quando dois se amam, quase sempre

A sua felicidade tem um preço,

A mágoa de um terceiro sem acesso,

Atribulado seu coração e o ventre;

Que já feri a outros não me esqueço

E que ferida de outrem em mim se adentre,

Se de um devaneio que me achava entre

Me acordo e de meu sonho à terra desço.

 

É quando vêm à tona minhas tristezas,

Sobre as coisas que se fez sem nem pensar,

Sobre as mágoas que a gente foi causar,

Embora logo as superem as certezas,

Das consequências que a vida provocou

E nos levaram a machucar quem nos amou.

 

REMORSO EM INIBIÇÃO II

 

Em cada canto da sala existe um deus,

Bem pequenino, que me olha de soslaio,

Sua divindade se esvai assim que saio,

Frágeis e vácuos esses poderes seus...

São emoções desses pecados meus,

Em mim montados como em cavalo baio,

Sob o seu peso certas vezes caio,

Em cada canto só haitam fariseus...

 

Que por momentos me conseguem dominar,

Meu verdadeiro antanho a disfarçar,

Nesses ludíbrios que chamam de passado,

Mas se desfazem por falta de atenção

E só no lusco-fusco, em confusão,

Que me conquistam por instante atribulado.

 

REMORSO EM INIBIÇÃO III

 

É impossível se evitar toda a tristeza

Que aos demais se causa diariamente,

Pequenos atos a atribular frequente,

Mesmo na busca menor da pequeneza;

A gente os lesa sem qualquer nobreza,

Nosso agir bem jamais é permanente,

As circunstâncias têm poder premente,

O mal reside nos páramos da incerteza.

 

O carinho por outrem demonstrado

Não pode ser parelho distribuído

E nem sequer pelo máximo do amor,

Sempre há momentos de dolo amarfanhado,

Que alguém que amamos por nós será ferido,

Por qualquer ato impensado e sem valor.

 

REMORSO EM INIBIÇÃO IV

 

Assim nos cantos das salas da lembrança,

Se ocultam sempre memórias sorrateiras,

Aquelas culpas insondáveis e ligeiras

Colecionadas desde os tempos de criança,

Mas se sairmos dessas peças sem bonança,

Para recordações mais prazenteiras,

Escorrem os remorsos por ladeiras,

Pesados são, bem mais do que a esperança.

 

E no final de tudo, o que acontece

É o nosso amor pelo eu nosso que passou,

Nessa memória que então se acalentou,

Mas lá ficou um outro eu que já se esquece,

Que se esfriou nessas chamas sem pudor

Só dois de nós a partilhar de pleno amor!

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