sábado, 6 de agosto de 2022


 

 

LUA FEITICEIRA I  (5/1/2009)

(Anita Ekberg. Pensei que a cadeira

de vime fosse uma meia-lua...)

 

quando meu corpo se for, crescerei flores

ou cenouras, quem sabe, ou então figueiras

e não serei lembrado, mas as jeiras

da terra a que pertenço outros amores

 

irão gerar (ou talvez, outros horrores,

no derramar do sangue), mas certeiras

essas partículas de mim, alvissareiras,

irão participar de outros fragores,

 

desde que não me enfiem em gaveta,

consoante o horrendo costume dessa gente,

que prefere criar múmias em caixões,

 

para esconder de si a visão secreta

de que melhor é ser legume indiferente

do que ossos empilhados aos montões.

 

LUA FEITICEIRA II

 

o tempo passa e as coisas permanecem,

no mesmo ponto de antes, a não ser

que um fato natural nos surpreender

venha de chofre.  é então que desfalecem

 

todos os tédios... os males já se esquecem

que antes afligiam e o aborrecer

se esvai depressa...  assim, nosso viver

se estraçalha e as aflições se compadecem...

 

mas há outra maneira de mudar

nosso destino do mesmo ramerrão:

esta é fazer com que as coisas aconteçam.

 

somente ao proagir se irá tornar

em concreta a fugaz abstração

em que os sonhos finalmente coalesçam.

 

LUA FEITICEIRA III

 

não sei bem onde estás.  sei o que fazes,

que, às vezes, tu me contas... quando queres;

a que lugares foste, teus quereres,

as coisas boas ou más com que te cases.

 

não sei sequer o leito em que hoje jazes,

só sei não ser o meu.   os teus fazeres

a ti pertencem...  a mim, os perceberes

de que tua vida gira em estranhas bases.

 

mesmo que minha gire em torno a ti,

rangendo os dentes perante tuas ausências,

sorriso aberto a cada vez que voltas,

 

sonhando em vão que estejas sempre aqui,

tu, dama altiva, de tantas impudências,

que um dia me domaste e não me soltas.

 

LUA FEITICEIRA IV – 13 FEV 2021

 

talvez entendas melhor, se te disser

que sou escravo teu e fui roubado:

do nimbo de mim mesmo arrebatado,

sem aguardar por outro amor sequer.

 

talvez entendas bem, caso eu quiser

buscar em outra o mesmo ideal sagrado,

mas por mais que me esforce, atarantado,

percebo ser só teu o meu querer.

 

não te menti, afinal.  naquele dia

pensei que tudo estivesse já acabado:

morto esse anseio que me atormentava.

 

mas te escutei de novo, mulher, em noite fria

e pressenti tudo haver recomeçado,

naquela vez em que mais livre me julgava.

 

LUA FEITICEIRA V

 

só por pensar que livre me tornara

a ti me expus de novo, tolamente,

caindo nos teus braços facilmente,

por mais que livre me tornar pensara...

 

sem relembrar o que me atormentara,

na triste exposição do antigamente,

na exposição de novo tão frequente,

novo tormento que então já relembrara;

 

e só então percebi como mentira

quando fiz da liberdade afirmação,

para mim mesmo agindo em falsidade,

 

porque esse amor que pensei não mais nutrira

feroz voltou para minha escravidão,

na afirmação portentosa da verdade!...

 

LUA FEITICEIRA VI

 

essa verdade é que o domínio é forte,

tanto mais forte quanto mais se quer

ser dominado por qualquer mulher,

a quem já de antemão cedeu-me a sorte;

 

domínios há de mais pequeno porte

e assim julguei, sob um luar qualquer

seria este domínio fraco em seu mistér,

bem facilmente submetido ao corte

 

e me afastei, deixando que te fosses

para esses estranhos lugares a que vais,

nessas brumas de fugaz intermitência,

 

que por amargas que fossem ou por doces,

não me dariam ocasião jamais,

para deixar-te com pouca ou mais potência.

 

LUA FEITICEIRA VII – l4 fev 2021

 

eu percebi de novo, nos castanhos

olhares de teu brilho singular

o anseio da mulher pelo seu lar,

o anseio de por homem ter amanhos,

 

na sedução inocente dos estranhos,

na firme escravidão do seu amar,

nessa frieza por quem não quer beijar,

na fingidez aparente dos acanhos;

 

eu percebi, decerto, nesses olhos,

que no passado tinham sido meus,

as muitas almas que te compartilham

 

e me lancei ao fundo dos refolhos,

na multidao de sombras em seus breus,

que dessa intermitência nem perfilham.

 

LUA FEITICEIRA VIII

 

talvez entendas melhor a confissão,

se iluminada por treva de luar,

nuvem que nuvem provocando seu piscar,

intermitência a te nutrir no coração;

 

e assim te falo em minha sujeição,

mulher da lua, como ouço falar,

de quem nunca se sabe o que esperar,

em teu brilho transitório e sem razão.

 

dizem que a lua muda porque a terra

é ciumenta de seu amor ao sol

e se intromete para a ensombrecer;

 

mas nesse caso, qual sombra que te encerra,

quando procuro em ti amor-farol

e no minguante te sinto desfazer?

 

LUA FEITICEIRA IX

 

talvez entendas se eu falar de fases,

que meu perigo está na lua cheia,

a feiticeira que esquece de ser feia

e se apresenta de prata nas suas bases;

 

talvez entendas se eu falar de gases,

que meu perigo está na lua nova,

essa ausência infeliz, que põe à prova

esse amor anterior com que me abrases;

 

talvez entendas se te falo na crescente,

em que é tão fácil pendurar minha pele,

até que me devore totalmente;

 

talvez entendas se te falo na minguante,

na qual tua fuga pouco a pouco sele

o meu destino de solitário amante...

 

LUA FEITICEIRA X – 15 fevereiro 2021

 

talvez recordes que desde a antiguidade

outras eras de ti já se associaram

e essa lua enigmática e a buscaram,

como símbolo falaz de castidade;

 

como símbolo de impudicícia, na verdade,

desses hormônios que sempre a atormentaram

e para nova gravidez a assombraram,

mesmo tendo conservado a virgindade;

 

que se fez virgem tão só a lua vazia,

procurada no espaço inutilmente,

até um dia mostrar réstia de luz,

 

essa imensa vagina no céu fria,

que afeta os ventres de forma inconsciente

até que a alguma semente ela os seduz.

 

LUA FEITICEIRA XI

 

assim a lua se faz mais sedutora

quando mais mostra a palidez crescente

de seu crescente sobre o céu jacente

e o brilho das estrelas varre embora;

 

assim a lua se faz controladora

quando engravida prateada totalmente

e nessa turgidez de amor fremente

do ser amado se faz conquistadora...

 

ai, mulher, como a lua intermitente,

quantas habitam em teu corpo grácil,

quantas se acham dispostas a me amar?

 

ai, lua, como a mulher em luz dolente,

por que motivo é para ti tão fácil,

mais uma vez meu peito escravizar?

 

LUA FEITICEIRA XII

 

assim meu corpo secará um dia,

após nutrido pela luz do sol,

pela traição de buscar outro farol

na palidez dessa lua serodia

 

e ao se perder na terra em que jazia,

talvez dê nascimento a um girassol,

talvez ferva a giralua em seu crisol,

dessa eterna mutação em romaria!

 

e nascerão de mim muitas sementes,

pequenas luas de traição solar,

que apenas hélios as pode germinar,

 

durante a noite a rodilhar dolentes,

em sua paixão pelas telhas ao luar,

um novo crime de amor a desfrutar!

 

SANGUE PATERNO I – 16 FEV 21

 

De qualquer modo que Adão fosse dotado

ou desprovido do signo ventral,

teria Eva em seu ventre tal sinal

ou apenas liso o seu fosse mostrado?

 

Seria Eva ao Pai Adão ligada

por uma correia umbilical de abono,

enquanto Adão dormia no seu sono,

ao acordar-se, vendo-a ali deitada?

 

Então retornam as questões neste sentido:

se Adão possuía umbigo, o transmitiu?

E se não o tinha, acaso Eva um conseguiu?

Outro problema para mim não resolvido...

Talvez devera procurar um certo agouro

no Google ou quiçá na Wikipédia;

nunca lembrei de abrir a enciclopédia,

que me explicasse, talvez, esse desdouro...

Mas até lá, certeza só me vem

que algum umbigo ganhou esse Caim,

que decidiu matar Abel assim,

sem que o umbigo lhe servisse de algum bem!

 

SANGUE PATERNO II

 

Por esse umbigo se comunica o sangue

da mãe para seu filho ou a sua filha

e os cromossomas seguem a mesma trilha,

sem que sua genitora fique exangue.

 

O sangue é quente como uma tisana

e contém suas qualidades curativas,

para os nenês resistências mais ativas

e sua defesa primitiva ali se encana.

 

Ele é fervido no calor do coração,

como se veias fossem empilhadas,

para a virtude transmitir sendo queimadas,

um chá de sangue, portanto, essa infusão!

Brotam as folhas de cada pulmão,

pelos nervos do ventre remexidas

e pouco a pouco são fortalecidas

nessa chaleira a ferver no coração;

a bomba e a cuia passam pelo umbigo,

a mamadeira através do seio amigo,

pela placenta a nutrição se forma

e aritmética a vida se conforma!

 

SANGUE PATERNO III

 

Posso uma tromba torrencial sentir, 

atravessando os tempos e as idades,

os ramos todos das humanidades

unificados por idêntico nutrir.

 

E não apenas trazendo o alimento,

mas anticorpos das velhas defesas,

mais as origens de praxias e proezas,

sobrevivendo na mente e integumento.

 

Por ela desce a procissão do deeneá,

meio de Eva, de Adão meio genoma,

mas de Adão, Eva a genética retoma

e a criança por sua vulva escorrerá,

não foi criada só para a fêmea humana

essa invenção incrível que é a placenta;

cada mamifero suas crias alimenta,

até que a vida de um ancestral dimana

trazendo o aroma de mil antepassados,

todo o sabor dos incontáveis ancestrais,

não só humanos, mas também de muitos mais,

que pelos éons foram sendo descartados...

 

 

 

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