sábado, 3 de dezembro de 2022


 

 

LADRÕES DE SESTA I -- 22 DEZ 2017

 (Diane Keaton & Woody Allen)


Quando ao crepúsculo, em límpido letargo,

       as sombras descem em sua pura languidez,

       do que se fez e de quanto não se fez

chega a memória como atroz embargo.

 

Recordar o passado é duro encargo,

       melancolia cortante em seu jaez,

       a modorra a perturbar-nos por sua vez,

os sonhos maus chegando a passo largo.

 

Numa tocaia à espreita, em emboscada,

       escondida no bochorno da modorra,

quando o calor não nos permite nada.

 

E esses duendes do passado se alimentam

       e nos agarram por mais que a gente corra

e novamente a nos sugar o sonho intentam...

 

LADRÕES DE SESTA II

 

O que a gente preferia é um sonho erótico:

       mesmo os parceiros sendo evanescentes,

       no devaneio sempre estarão presentes,

do imaginar em seu poder despótico...

 

Já o sonho do sono é estrambótico,

       de nós zomba nos instantes mais prementes;

       algo nos faz despertar semi-inconscientes,

só um fantasma ainda habitando o nervo ótico...

 

Mas é tão raro conseguir-se retomar

       ao sonho bom depois que se findou;

retorna o sono, mas sem ser o sono REM

 

ou então outra quimera a nos brindar,

       bem diferente da que se procurou,

em nova traça a zombar de nós também...

 

LADRÕES DE SESTA III

 

Porém na sesta algum controle existe,

       são imagens a correr em devaneio,

       talvez do livro que inda há pouco eu leio,

talvez de um abantesma que se inquiste...

 

Mas é possível causar o seu despiste,

       outro fantasma a buscar em nosso seio,

       até um mais forte surgir-nos de permeio,

a quem nossa defesa não resiste...

 

É nesse instante que nos vem o sonho mau,

       uma lembrança de qualquer humilhação,

algum lamento pelo que nunca se fez...

 

E nos desperta qual golpe de um pau,

       nesse delírio de conturbação,

clara deixando a lembrança de sua grês...

 

LADRÕES DE SESTA IV

 

Pois mesmo quando vai depressa embora,

       deixa em nós suas garras e gavinhas:

       perdes o sono que anteriormente tinhas,

por mais que a languidez em ti se ancora...

 

Mas a canícula ainda forte lá fora,

       ali ficas repetindo as ladainhas,

       ou contando carneirinhos, longas linhas

mais de churrasco que da lã de outrora...

 

E nessas tardes quentes do verão

       é bem mais fácil conservar a percepção

do rebanho das gotas de suor,

 

a escorrer em lenta perspiração,

       lançada a sesta a qualquer outro rincão,

mesmo que o corpo esteja sem vigor...

 

TECNOLOGIA I -- 23 DEZ 2017

 

Com a impressora solidifico o medo

e assim posso guardá-lo em prateleira;

não mais me assalta em hora passageira,

posso afastá-lo com a pressão de um dedo.

 

Afinal, se a digital guarda um segredo

e hoje até para eleição se a quer inteira.

deve ser muito mais forte que se queira

e com leve pressão ao medo enredo...

 

Nos maranhos dos laços das papilas,

posso esse medo manter a meu alcance

e submetê-lo com pequeno toque...

 

E meus temores de 3D em longas filas

contemplarei sem que o olhar se canse,

até podendo-lhes fazer algum retoque...

 

TECNOLOGIA II

 

Pois comprarei uma impressora de 3D,

depois mandar escanear meu coração

e num átimo imprimir à perfeição

o meu amor, que no peito não se vê...

 

Pois certamente haverá algum portão

para acessar qualquer espaço em que se dê

dos abstratos a presença e que se lê

para enfim viralizar essa emoção...

 

Porque, afinal, é uma questão de fé

a existência do amor e da saudade.

Quem guardar pode em sua mão felicidade?

 

Onde a inveja possui de fato a sé?

Será possível trolar toda a vaidade

que impura paira sobre a sociedade?

 

TECNOLOGIA III

 

Se nossa fé é a crença no impossível,

será que posso digitar um santo

a quem já enviei preces e pranto?

E que aspecto teria, se possível?

 

Não esse gesso fabricado em inexaurível

artesanato que se acha em cada canto.

Seria um vulto recoberto por um manto,

pela 3D tornado agora bem tangível?

 

Naturalmente são fac-símile as imagens,

concretizadas por lêiser e impressora,

mas quem sabe surgirá qualquer magia

 

que as interligue com essas paragens

das emoções internas de quem chora

por ter somente tal tecnologia...

 

TECNOLOGIA IV

 

O problema é que depressa irá surgir

(Sempre aparece algum espertalhão),

um hacker digital e charlatão,

algum pobre coração sempre a iludir...

 

E as emoções que poderíamos assistir

concretizadas em científica noção

as verdadeiras nossas não serão,

porém de outras roubadas ao dormir...

 

De tal modo na impressora confiarei

que conserve bem segura no escritório

para só nela concretizar a minha paixão...

 

E numa caixa de bom-bons a enviarei,

seu invólucro de seda só ilusório,

falha deixando em meu próprio coração...

 

ATRÁS DA JANELA I -- 24 DEZ 17

 

O celular é uma porta para o mundo

e tantas coisas permite realizar;

aos solitários promete acompanhar

caso saibam controlar seu dom fecundo.

 

Mas o que vejo e me faz mesmo iracundo

é que as pessoas se permitem dominar;

muita gente já se deixou atropelar,

olhos grudados nesse painel rotundo.

 

Pois não olham sequer por onde vão,

facilmente deixando-se assaltar,

sem conversar nas rodas dos amigos.

 

E roubado o celular... que maldição!

Já coisa alguma conseguem realizar,

sem suas redes sociais de mil perigos.

 

ATRÁS DA JANELA II

 

Sua agressividade pensam garantida,

mesmo que mostrem qualquer fotografia,

imagem falsa que se colocaria,

já retocada a face antes possuída...

 

Tornou-se um vício a que se dá guarida,

uma artimanha em que a gente consentia,

que sem teclar viver não mais podia,

para seu tablet a alma já vendida...

 

Um meio-ambiente realmente endemoniado,

hoje o domínio de mil espertalhões

dados roubando dos mil inadvertidos

 

e que permite a qualquer um ser enganado,

como nunca as anteriores gerações,

facilmente a seu prejuízo seduzidos...

 

ATRÁS DA JANELA III

 

Porque, de fato, ninguém sabe realmente

quem a espia por detrás dessa janela,

um impostor se passando por donzela

e as tuas contas invadindo facilmente.

 

Essa mania tornou-se tão premente

pela ambição comercial oculta nela;

cada mensagem transmitida pela tela

causa despesa ao povo indiferente,

 

que a maior parte do tempo não precisa

desse intercâmbio, que deveria ser útil,

mas que de fato serve ao povo escravizar.

 

E os satélites congestiona na imprecisa

repetição de tanta coisa fútil,

sem coisa alguma, na verdade, melhorar.

 

ATRÁS DA JANELA IV

 

Sei muito bem estar sendo impopular,

mas bem podia haver racionamento;

só as mensagens de maior merecimento

deveriam transitar por celular.

 

À medicina e à segurança dedicar

o que fosse necessário no momento,

nas emergências o necessário assento

ou alguma forma de informações buscar.

 

Não um veículo para se fofoquear

ou para vigarices se empregar,

algum limite de mensagens, diariamente,

 

que se pudessem os negócios completar,

mas a vida a viver de anteriormente,

em que aos amigos se iria visitar...

 

ATRÁS DA JANELA V

 

Não sou contrário à comunicação,

o que me assombra é esse desperdício,

o que me abala é ver tornado em vício

o que criaram para nossa diversão.

 

E que serve hoje para a separação,

e que provoca, de fato, um malefício,

sem ser cumprido seu verdadeiro ofício

de à vida humana apenas confortar.

 

Foi transformada em banalização

essa janela, que realmente te limita,

levando a vida mais como um empréstimo,

 

sem buscares novos meios de atuação,

uma leitura ou um esporte que te incita

a retomar de cada dia o inteiro préstimo.

 

ATRÁS DA JANELA VI

 

Nisto que falo me mantenho coerente,

pois até hoje não comprei um celular,

por propaganda não me deixo manobrar,

procuro sempre controlar o meu presente.

 

E se comprasse algum desses, finalmente,

não deixaria esse deusinho me assombrar,

só o ligaria quando fosse precisar,

seria de fato o meu servo onipotente.

 

Mas até hoje não vi tal necessidade,

ainda prefiro até um banco caminhar,

fazer minhas compras e as contas a pagar,

 

pessoalmente, com plena liberdade,

sem ser exposto assim a uma artimanha,

ou ser roubado por alguém que me acompanha!

 

Magia de Natal 1 -- 25 Dez 2017

 

No mundo, antigamente, havia magia.

Era possível aos deuses invocar

Os aos demônios poder ameaçar,

Mediante o poder mágico que havia.

 

Com preces, sacrifício ou homilia

Se poderia aos deuses propiciar

Ou mediante talismãs se dominar

Um mau espírito que mal fazer queria.

 

Nem todos tinham, é claro, tal poder.

Eram os magos e também as feiticeiras

Que com demônios até mesmo consorciavam

 

E por meio de ritual, dor ou prazer,

Submetiam as criaturas sobranceiras

Que à sua própria vontade se curvavam.

 

Magia do Natal 2

 

Com uma vassoura facilmente se voava,

Dava uma bola de cristal longa visão,

Porvir e antanho se manifestarão,

Em búzio e cartas vaticínio se encontrava.

 

Mediante uma boneca por Vodu matava,

com Abre-te Sésamo cruzava-se portão,

Lâmpada Mágica ou por límpida poção,

Filtro de Amor perfeito se alcançava.

 

E havia Fadas e Faunos na paisagem,

Quaisquer maléficos, outros benevolentes,

Não nos feriam, a alma sendo pura;

 

Mesmo gigantes canibais de má visagem

Seriam banidos pelo poder dos crentes;

Ver uma Ninfa ou um Elfo se procura...

 

Magia do Natal 3

 

Era outro mundo, bem diverso deste agora.

Talvez houvesse menos segurança.

Ventos sopravam de Éolo na dança

Hélios brilhava para nós no outrora...

 

Num aeroplano hoje chegamos sem demora.

A eletricidade a toda casa alcança:

Luz, micro-ondas, água quente avança

E a geladeira funciona a qualquer hora...

 

Mas que magia existe nesses fatos?

E nem paramos no milagre a refletir,

Eletricidade, de fato, não se entende.

 

Mas há certeza ao se ligar esses contatos;

Faz-se monótono o computador a reluzir,

Um automóvel dirigir fácil se aprende.

 

Magia do Natal 4

 

Mas qual a graça da tecnologia?

Por imprevisto, nos cortam a água ou a luz,

Mas logo voltam, passada a breve cruz:

Perdeu-se o mágico que antes existia...

 

Já ninguém pensa que a fotografia

Ou o cinema ou um vídeo que seduz

Ou a gravação que à voz de um morto nos conduz

São maravilhas a nos compor o dia-a-dia.

 

Ninguém se espanta com o retrato dos avós

Nem com a reprodução de sinfonia,

Pavarotti a gente escuta em um Cedê.

 

Com celulares nunca ficamos sós,

Sem nem notar a ciência que trazia.

Coisas comuns -- se conhece e não se crê.

 

Magia do Natal 5

 

Hoje domina o Deus Civilização,

Pela Deusa Ciência acompanhado

E no intermédio, ainda atribulado

Permanece o nosso humano coração.

 

Mas à ciência ainda faz competição

Essa busca constante do sagrado:

Que a Santa Virgem perdoa o teu pecado,

Que qualquer santo atenda a tua oração.

 

Porque na falta dos deuses ou magia

Nada no mundo podemos controlar,

Que a Energia, de fato, nos sujeita,

 

Mas cada vez que algo a interromper,

Para algum santo é inútil apelar,

Como os antigos faziam em cada feita...

 

Magia de Natal 6

 

Com franqueza, até a gente preferia

Poder anjos ou demônios controlar,

Nossas ordens obrigados a aceitar,

Por um poder que a nós somente pertencia...

 

Dois mil anos atrás, nos explodia

Supernova que se pôde observar;

Três Magos se animaram a jornadear,

Para os Pastores só uma gruta os atraía...

 

Hoje o Natal é uma festa comercial,

Dedicada a esse bom Papai Noel:

Descrendo dele, quanto em Deus perdeu a Fé?

 

Que perdurasse essa Magia do Natal!

Para as crianças... Mas que esse pão-de-mel

A vida inteira se saboreasse até!...

 

William Lagos
Tradutor e Poeta –
lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com

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