ORBE AMOROSO I – 21
AGO 21
(Anne Baxter e Yul Brynner, "Os Dez Mandamentos").
O estranho mundo que
engloba uma paixão
é um universo
plenamente arborizado,
um vasto bosque que
jamais foi incendiado,
tem habitantes, mas
que ignotos são.
Pensas saber, mas
cuja exploração
requer coragem e
grande habilidade,
iniciativa plena
exigindo na verdade,
nele se ingressa tão
só pela ilusão.
Nenhum produto de
tua imaginação,
é bem real e por
palavras conformado,
palavras simples
como o ar que dorme ao lado,
sem aguilhão em si
mesmas, sem razão,
porém que aos poucos
se vão insinuando,
teu coração alfim
inteiro dominando.
ORBE AMOROSO II
Não é um mundo que
se busque geralmente;
julgam incautos ser
tudo diferente
e quando o amor lhes
surge pela frente;
ingressam nele, sem
pensar em precaução.
Nos dias seguintes
eles sempre buscarão,
desprovidos de
receio e de intenção,
amor mais simples,
brinquedo sem paixão,
que acreditem poder
deixar bem facilmente.
Mas no momento que
se ingressa na floresta,
não se sai dela
assim tão casualmente,
cada renque de
carvalhos labirinto...
Nele se dança qual
em alegre festa,
mas o cenário se
transmuta impertinente
nesse fugaz desejo
que igual sinto.
ORBE AMOROSO III
Pois na hora de
sair, não há caminho,
não foi marcado por
migalhas de pão,
que os habitantes
devoraram na ocasião,
sem por João e Maria
ter carinho.
E quem entrou
confiante em seu mesquinho
orgulho, se descobre
em tal prisão,
não há um mapa que
se encontre à mão,
que amor te amarra
com sarças e espinho.
Fechado está assim
todo o exterior,
é obrigatório
permanecer na mata,
mas que alegrias se
encontram nas clareiras!
Pois a prisão de
amor se quer eterna,
que nenhum laço de
seu grilhão desata
e mente e alma ainda
domine por inteiras!
RAIO AMOROSO I – 22 AGO 2021
Mas quando um raio tomba sobre a mata
e ali inicia queimada em vastidão,
para que ponto os amantes fugirão,
qual a passagem que aberta se desata?
De que forma os dois sobrevivem à sucata?
Pela mesma senda estreita escaparão?
Mas em geral se perderão na vastidão,
serapilheira diversa cruzando nessa data.
Trilha se abre aos passos assolados
e cada um irá seguir a sua vereda,
pois conflagrado foi todo o encantamento.
Nada mais une os tristes namorados,
se ao próprio raio então cada qual ceda,
enfim buscando um novo assentamento.
RAIO AMOROSO II
Será melhor na prisão permanecer,
arbórea e bela no musgo da emoção,
ou esperar de um relâmpago a ocasião
e desse ergástulo de amor se desfazer?
Porque a prisão nao se pode externa ver,
vive dentro do peito em ilusão,
desafiando os ditames da razão,
por isso dela tão difícil se perder.
Quem se deixou prender nessa floresta,
mal e mal se dá conta que é no peito
que cada árvore cresce e brota sem defeito,
qual em gaiola de canção de gesta
e não de giesta, arbusto tão gentil,
as grades feitas de seus odores mil.
RAIO AMOROSO III
Porque a razão principal dessa prisão
é que queremos lhe demonstrar fervor,
cada grade aureolada em tal vigor
quanto o sangue que nos corre na paixão,
feita de artérias do próprio coração,
feita de veias já de menor pendor,
de capilares de fragilimo teor,
feita do aroma grisáceo da ilusão,
pois quando amamos, a nós mesmos amamos
e por sermos amados mais ansiamos,
quem ama... ama ainda mais o próprio amor
e assim a tal prisão nos entregamos,
no calabouço que para nós armamos,
vendendo a vida por seu ideal calor.
ATEU DESAMOROSO I – 23 AGO 2021
Cada ateu nos países do Ocidente
é um crente que ficou desapontado:
foi ensinado haver um Servo Onipotente,
pediu serviço. Não
obedeceu o seu criado.
Com Papai Noel também foi enganado
e descobriu ser tal lenda improcedente;
tendo o Papai do Céu ao Noel identificado,
se um não existe, o outro é impermanente.
“Pedi e recebereis; buscai e achareis,
batei e abrir-se-vos-á.”
Mas é de fato?
E quantas vezes pediu sem receber?
Quantas desculpas ao pobre então dareis?
Foi falta de fé ou falta de recato!
Deus é Quem sabe o que te deve conceder!
ATEU DESAMOROSO II
E realmente é assim, mas a questão
é que Deus é totalmente atemporal,
entronizado muito além do Bem e Mal,
tudo que ocorre já sabe de antemão.
Nós que buscamos reduzi-Lo, sem noção,
a nossos termos de condição casual:
primeiro a prece; depois do seu final
é que o Senhor nos dará aceitação.
Deus não partilha de nossa contingência,
Ele é infinito e nem ao menos é o Senhor
do Tempo, que está muito acima dele.
E só nos pode sorrir em sua leniência
e enviar – dentro do tempo – um Redentor
e o Santo Espírito, que o fado então nos sele.
ATEU DESAMOROSO III
Mas o infeliz se acha centro de seu mundo,
Deus imagina qual satélite a orbitar;
naturalmente, depois de suplicar,
sem nada receber, fica iracundo!...
Porque esse Deus do páramo profundo
não é um servente a quem possa comandar,
mas ao contrário, a Quem deva se curvar
e a Seu serviço se submeter, jocundo!
Claro que esse Servo Onipotente
o velho Nietzsche condenou à morte,
porque, de fato, jamais ele viveu!
Mas como é triste que tanto servo Seu,
Ao se queixar amargamente de sua sorte,
Prefira ao mundo declarar-se ateu!
OLHAR
DESAMOROSO I – 24 AGO 21
Hoje
operei o meu olho direito;
recomendaram-me
repouso absoluto:
a minha
poesia ficou assim de luto,
que à sua
pressão encontro-me sujeito.
A
rascunhar diariamente estou afeito,
muito difícil
abandonar esse conduto;
mesmo que
o olho achasse-se corrupto,
era um
canal por onde abrir-me o peito!
E com uma
lente de contato funcionava
para as
visões do meio do caminho,
coisas de
longe a ver perfeitamente.
Ou então
um par de óculos botava
e ao
computador controlava de mansinho,
com certo
esforço vendo tudo claramente...
OLHAR
DESAMOROSO II
Mas o
aspecto está agora diferente,
somente o
esquerdo me concede a vista;
e logo eu,
que sou um monarquista
e um
parlamentarista intransigente!
Afirmaram
que vá melhorar rapidamente;
por certo
ao longe o meu olhar avista,
quase tão
bem como quando sob a pista
da lente
de contato ali superjacente.
Cinquenta
e sete anos já de prática!
Foram as
lentes que me deram liberdade,
qual não
tive na infância e adolescência.
E agora
encaro a realidade fática
de ter de
óculos sofrer a inermidade,
claro
sinal de minha decadência!...
OLHAR
DESAMOROSO III
Há cerca
de três anos, em meu olho
direito certa mancha me surgiu;
metade do
campo assim ela cobriu,
para a
leitura um verdadeiro escolho.
E se me
submeti ao duro abrolho
da operação
que o oftalmo sugeriu,
e que esperava
notar que assim sumiu
essa
mancha que da vista cobre o fólio.
Contudo,
estou operado e ela ainda,
alegremente
perturba-me a visão,
por uma petéquia
aracnídea acompanhada.
Não me
parece que seja a espera finda,
que se
desmanche assim de sopetão,
minha
situação em pouco ou nada melhorada!