sexta-feira, 27 de agosto de 2021


 

 

SAUDADE TRISTE I – 13 AGO 21

 

Não voltarei à escola do passado,

de fantasmas pululam os corredores,

fantasmas mortos em vagos estertores,

fantasmas vivos de olhar atribulado;

seja de noite, o corredor desocupado,

seja de dia, completos os tensores,

ninguém caminha mais por seus pendores,

apenas eu ali me encontro desolado.


 (Na ilustração, Renata Sorrah, que nunca esteve nessa escola).


O corredor só corre no meu peito,

cada sala de aula na minha alma,

na mente a sala que foi do diretor,

tanta coisa que se agrega sem direito,

a própria alma enleada nessa calma,

desatinada em seus versos sem amor.

 

SAUDADE TRISTE II

 

Esses fantasmas são todos pigmeus,

apenas eu nesse tempo era gigante,

ainda correm, a me levar por diante,

na maioria são ainda amigos meus,

porém cresceram, com o favor de Deus,

muitos talvez se perderam no inconstante;

quando os encontro, que coisa interessante!

São os gigantes a acenar-me adeus!...

 

Eu encolhi no mundo verdadeiro,

ainda me iludo ter igual tamanho

nesse meu mundo erguido no interior,

que ainda comando com passo altaneiro,

para o cantar dos hinos nãoi me acanho,

meu patriotismo a conservar igual valor.

 

SAUDADE TRISTE III

 

Nem ao palco voltarei de cada peça;

todos os anos, uma ao menos eu montava,

com os alunos horas a fio ensaiava,

pais e amigos a plateia que ali ingressa ;

mesmo o coral que já regi à beça

hoje somente na lembrança é que cantava,

as gravações e cada slide que juntava

foram queimados e é melhor que tudo esqueça.

 

Nada mais resta senão tais pigmeus,

ainda alegres nos corredores da memória,

tem outro aspecto essa escola do passado;

nem sequer ali habitam sonhos meus,

o meu fantasma já se desfez na história:

por onde anda cada adulto atribulado?

 

FESTEJO TRISTE I – 14 AGO 21

 

Recordo o tempo em que uma balada

era um canto de amor e de ternura,

idílico esse sonho em forma pura,

que a alma inteira beijava de encantada.

Ou numa gesta guerreira revelada

a morte de um herói em saga obscura,

gravada enquanto o canto apenas dura,

nesse fracasso da memória destroçada.

 

Hoje “balada” se tornou tão diferente!

Nada mais que a boemia inconsequente,

já não lhe sobra um fiapo de poesia,

nesse alegre desespero sem coragem,

no ritmo incolor, rumor selvagem,

em que a balada perdeu toda a harmonia.

 

FESTEJO TRISTE II

 

Espúria essa canção da breve gente,

que parece pressentir rápida morte,

que se debate, sem tomar consorte,

que se mistura em paixão pouco aparente.

Nesse sutil amargor, é tão frequente,

a ânsia de uma troca, o duro corte

de um corpo por outro, nesse aborte

de qualquer relação mais permanente.

 

É a velha dança secular, mas interrupta,

perdido o olhar na nova geração,

nesse gozo de farmácia do presente,

em cada cópula consumada abrupta,

algo retiram do próprio coração,

sem que o prazer de fato se apresente.

 

FESTEJO TRISTE III

 

Pendula o pêndulo ao perpassar do êmbolo,

rota o rotor do tempo e se aligeira,

estira a rotação, move-se a esteira,

no compassado carnal de cada pêndulo.

Amendula-se essa amêndoa em que me amêndolo,

lunática essa lua que guardo na algibeira,

a noite é longa e se anoitece inteira,

no signo sonhado de um só símbolo.

 

Se te parece aqui um teor nefelibático, (*)

tange as cadeias deste encadeiamento;

não duvides da dúvida um momento,

que é afanoso esse apanágio apático

de buscar qualquer sentido em abortação

em cada agônica agonia sem paixão.

(*) Versos baseados apenas no som das palavras.

 

PESCA TRISTE I – 15 AGO 21

 

Com um sopro de alma eu buscarei

cada estrela com a curva de um anzol

e puxarei cada pequeno sol,

que em meu samburá eu lançarei;

tal pescaria estranha eu cumprirei,

enquanto não desponta o arrebol,

na minha cesta cada astro de escol,

que para mim tão só conservarei.

Cinquenta estrelas quais flocos de neve,

que soprarei até o recôndito do lar,

em minhas paredes uma a uma a pendurar;

com os suspiros da alma, nada move,

ficam seguras e luzentes para mim,

breve afeição a demonstrar-me assim.

 

PESCA TRISTE II

 

Durante o dia inteiro eu sugarei

cada estrelinha qual cerosa vela,

somente a pendular tal qual estela

dedicada a qualquer deus que não verei.

Não que em momento sequer adorarei

sejam os sóis, seja a imagem bela

de alguma deusa maternal que vela

com os seus beijos os destinos de algum rei.

Que rei não sou.  Nem em astros acredito.

Não me parece que deuses representem

ou se destinem a prestar-lhes algum culto;

tão apenas colecionarei cada inaudito

baluarte de prata enquanto assistem

em minhas paredes a me negar indulto.

 

PESCA TRISTE III

 

Chegada a noite, então acenderei

cada estelar que havia antes pescado,

cada quarto por sua vez iluminado,

eletricidade assim não gastarei.

Mas no momento em que à rua sairei,

perceberei estar o céu desalentado

e mesmo a Lua com um jeito despeitado,

porque suas aias na véspera eu roubei.

Então, que posso fazer em tal momento?

Mesmo no brilho multicor de meu egoismo,

senão de novo assoprar o meu caniço

e cada estrela colocar em movimento,

para que ocupe o seu lugar em narcisismo

e ao firmamento devolva o inteiro viço!

 

CRIAÇÃO TRISTE I – 16 AGO 21

 

O ser humano é que montou o Universo,

diz tresloucado adágio bem antigo;

o primitivo vê a senda em seu jazigo:

o mundo é assim, um matagal converso

em alguns bosques, ali vejo meu reverso,

em cada cada em tocaia um inimigo,

nada espero a meu redor de amigo,

pequena Terra, um círculo meu berço.

 

Então um dia, alguém sobe a montanha

e o mundo vasto cria em imaginação,

bem mais além corre a linha do horizonte;

e quando a casa numa furna amanha,

olha até o vale, cheio de inquietação:

Como eu criei esse mundo ali defronte?

 

CRIAÇÃO TRISTE II

 

Eventualmente, fiz a Terra montanhosa:

tantos limites marquei hoje para mim,

menos perigo a me assaltar assim;

fica sua aldeia, aos poucos, populosa,

surgem cidades além dessa rochosa

muralha e outros vales cria, enfim,

um jovem volta a proclamar, por fim,

que a Terra é plana e a Água é caudalosa.

 

Decerto os velhos nada disso aceitarão,

mas o conceito aos poucos se imporá:

que a Terra é plana no final se aceita;

o céu em círculo então conceberão,

o Sol potente que à aldeia servirá:

por gerações a planura se indireita.

 

CRIAÇÃO TRISTE III

 

Após séculos, se imagina a redondeza,

aos marinheiros é arcano tal segredo;

alguém existe que conteste o engano ledo

e a Terra perde de novo a sua firmeza...

E por aí vai.  Derrete-se a certeza,

bem mais complexo o mundo faz-se cedo

e até hoje não se desvenda o enredo,

a mente humana sempre empós a sutileza.

 

Há pouco tempo se crê em micro-vida,

menos ainda surge a crença nos fractais,

em universos quânticos e nas “Cordas”,

sempre o mais simples levado de vencida,

no multiplex dos mundos siderais,

quanto mais longe de teu sono acordas.

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