quarta-feira, 27 de março de 2024


 

 

VLADKO E LODNISSA XI – 19 jan 2023

 (A CAPELA DOS OSSOS)


Mas quando Vladko viu o outro dia amanhecer

olhou em volta o observou maravilhado

que o terreno inteiro parecia estar plantado

com mudas de videira já a enverdecer

e em breve tempo tudo estava já a crescer,

no sétimo dia, cada cacho havia brotado,

numa cesta os cachos maduros já tinha colocado,

fazendo prece sincera para à fada agradecer.

 

Logo a seguir levou a cesta ao rei,

que mal podia em seu feito acreditar

e foi depressa conferir o parreiral.

“Em sua boda penso até consentirei...”

Mas o conde foi de novo sua mente envenenar:

“São uvas mágicas e causarão seu mal!”

“Marque-lhe uma prova ainda mais dificultosa,

antes de sua palavra lhe comprometer...”

“Mas, meu amigo, o que poderia lhe dizer...?”

“Determine-lhe uma tarefa de fato portentosa,

que ele construa uma capela bem suntuosa,

só com dentes de javali as paredes a erguer,

sem pedras ou tijolos de permeio intrometer...

Só lhe dê um mês para tarefa assim grandiosa!”

 

De novo o rei aceitou seu mau conselho,

deixando a filha mais uma vez desesperada

e o pobre rapaz na maior infelicidade,

mesmo a rainha discutir com seu rei velho,

porém sua cruel resolução fora tomada

e de forma alguma abrandaria a sua maldade!

“Majestade, sua ordem, se puder, eu cumprirei,

mas os javalis vivem na margem superior do rio,

preciso de um barco e de remadores um trio,

só assim junto às nascentes do rio eu chegarei.”

“Refreia tua ousadia, nenhum barco te darei,

se depender de mim, podes nadar por dias a fio,

tens tua magia, não precisas de navio,

se não o fizeres, a tua cabeça eu cortarei!”

 

Mas nessa noite, sem seu pai saber,

a princesa levou Vladko até uma enseada,

em que pequeno bote encontrou ancorado.

“Meu querido, vai e cumpre o teu dever,

é só de ti que estou enamorada,

o teu sucesso rogo que seja alcançado!”

Vladko despediu-se da princesa

e saiu remando vigorosamente;

sozinho, um mês levaria até a nascente,

não teria tempo para realizar essa proeza!

Mas não desanimou e com presteza

e com denodo subiu pela corrente,

sem ter qualquer esperança, realmente,

mas se esforçando com a máxima nobreza!

 

O Conde delatou Lodnissa a seu pai,

que mandou trancá-la em seu apartamento.

“Se decapitares Vladko, eu também me matarei!”

Mas nem assim ao rei convencer vai.

bem ao contrário: “Onde o teu devotamento,

quando dizias: ‘Só a ti, meu pai, eu amarei?’”

 

VLADKO E LODNISSA XII – 20 jan 2023

 

“Meu pai era um homem justo e bom,

Seria incapaz de tal iniquidade!”

“E minha filha era obediente de verdade,

mas me traiu, quando deu esse dom

ao tal pastor, agindo de mau tom!”

Mas a fada-madrinha se ofendeu com tal maldade

e a combateu num gesto de bondade

sua vara de condão sibilando agudo som

 

que fez o bote aumentar imensamente

e o dotou de vinte remadores.

“São invisíveis, mas esconde teus temores,

eles saberão o que fazer perfeitamente:

minha afilhada quer-se casar contigo

pois de ti afastarei qualquer perigo!”

A fada ante seus olhos desapareceu,

mas logo Vladko o altiplano alcançou

e de um bando de javalis se aproximou,

cada um deles um dos invisíveis abateu

e logo as presas cada fera ali perdeu,

que em sacos rapidamente se guardou,

porém o maior dos machos desconfiou,

deu meia-volta e no mato se escondeu.

 

Espada em punho, Vladko então o perseguiu

e de repente enxergou mil esqueletos

de javalis, numa clareira acumulados;

o marrão para mais além então fugiu,

ali estavam em cemitérios bem secretos,

gerações de ossos de javalis ali amontoados!

A seguir os invisíveis, prontamente

foram puxando as caveiras para fora

e suas presas arrancando sem demora,

vinte sacos a encher inteiramente!

Sem falar, empurraram Vladko delicadamente

até o barco e o reocuparam nessa hora,

à capital chegando antes da aurora,

começando a erguer uma capela imponente.

 

Moeram as presas tiradas dos javalis

e as misturaram com cal e cimento,

suas paredes subindo bem depressa;

talharam troncos com serras e buris

que dispuseram no teto num perfeito assento,

com folhas de bronze cobrindo toda a peça.

Nessa manhã, quando se ergueu o rei,

Vladko já estava no pátio a esperar

E o convidou a fim de o acompanhar:

“A capela que me pediu lhe mostrarei!”

Disse a rainha: “Eu o acompanharei!”

E a princesa foi igualmente observar,

mais o Conde Bopp, sem querer acreditar:

“Mas onde as presas de javali encontrarei?”

 

Vladko mostrou que algumas sobressaiam,

das paredes, tal qual o rei pedira.

“Vossa Majestade me proibiu de utilizar

pedra ou tijolos, mas as presas serviriam,

além de ossos. “O senhor não me proibira

de cal, madeira ou cimento aqui empregar...”

segunda-feira, 25 de março de 2024


 

 

AMOR CONFESSO I – 22 MARÇO 2024

(MYLÈNE DEMONGEOT, apogeu francês)

 

Sempre entendi para mim que uma mulher

quisesse dar e receber carinho,

que um ‘Eu te amo!’ seria um rosmaninho

na boca desse alguém que ela mais quer,

que amor não é uma flor de malmequer,

despetalada com um medo pequeninho,

qual profecias guardasse no seu ninho

de pétalas que se arranca, sem sequer

imaginar o mal feito a essa planta,

deixando apenas seu régio meristema,

depois jogado ao solo casualmente,

qualquer que fosse o resultado com que imanta

a nossa alma tão egoísta e tão pequena,

com seu número assim casual e indiferente...

 

AMOR CONFESSO II

 

Sempre entendi que amor é demonstrado

por palavras e ações e não presentes,

que ‘eu te amos’ proferidos tão frequentes

só aumentariam do amor seu véu alado,

que mesmo amor que se encontre desbotado,

ao ser assim manifestado em diariamentes,

realmente novo ardor nos subjacentes

sentimentos faria amor mais acentuado

e que esse amor às claras repetido

teria as pétalas e as raízes restaurado,

igual que água em sangue transformado

ou como a flor nesse chispar contido

reverdescesse e o caule levantasse,

erguendo ao sol a corola que ostentasse.

 

AMOR CONFESSO III

 

Mesmo em desânimo, sempre reafirmei,

ainda perante aparente indiferença,

meus ‘eu te amos’ na expressão mais densa

e de seus olhos a expressão roubei;

múltiplas vezes tal fervor não encontrei,

perdida a íris na esclerótica da descrença,

para a expressão de amor, por mais intensa

ser respondida simplesmente por ‘eu sei’!

E ao investigar meu desapontamento,

eu persisti o meu amor a demonstrar,

mesmo sem ver que seu amor fortificava

e descobri, sem maior surpreendimento,

o quão era importante isso afirmar,

pois meu amor, seguro e terno, confirmava!

 

AMOR NÃO MANIFESTO I – 23 MAR 24

 

“‘Eu te amo!’” – me dizem – “que coisa mais batida!”

“Foi empregado de forma tão variada,

que de sentido se tornou toda esvaziada,

por que se usar expressão tão repetida?

Nesse ‘eu te amo’ a emoção não está contida,

é em sua demonstração mais conservada,

a intimidade assim sendo preservada,

como se a nota ao se tocar fosse perdida.”

Seria assim um amor tão diluído

nessas diárias mazelas de uma vida,

no marchetar inserido em tais matizes,

que se afirmar um amor tão desabrido

nos afastasse de sua emoção contida

e algo se perdesse em tais deslizes...?

 

AMOR NÃO MANIFESTO II

 

Mas amor não se perde ao proclamar,

qual não se gasta em demonstrar carinho,

não resulta em coração mais pequeninho,

nem menos denso é esse amor a revelar;

até julguei que no fundo desse olhar

haja um temor de perder-se no caminho,

por emitir frases de amor tão comezinho

e que da boca o mais terno palpitar,

frase após frase a enfim fosse enrugar,

como se fazem as rugas de expressão

e que ‘eu te amo’ melhor fora evitar,

conservando por mais tempo a juventude,

cada ‘eu te amo’ um desgaste da paixão

por mais sincera em sensação bem rude...

 

AMOR NÃO MANIFESTO III

 

Se fosse assim, eu não me importaria,

caso ‘eu te amo’ sugasse o meu vigor

e repetiria com o máximo estridor:

dizer ‘eu te amo’ amor não gastaria,

por dizer ‘eu te amo’ amor não perderia,

não está na frase o verdadeiro ardor,

porém na alma que inveja o seu sabor,

que mais forte ficará com tal surpresa,

tal qual  o fôlego se renova tão frequente

para o pulmão – e dessa frase o seu frescor

 diariamente irá ampliar a minha certeza...

 

COLHEITA DE AMOR I – 24 MAR 24

 

Eu vejo a rosa sentada no jardim

e de possuí-la me encho de desejo,

mas seus espinhos igualmente vejo:

é perigoso tentar colhê-la assim!

O que haverá caso estenda a mão enfim

para essa haste no mais egoísta beijo?

Enquanto isso, qual beija-flor adejo,

batendo as asas num duvidar de querubim,

pois afinal, a rosa rubra e cintilante

conserva o seu vigor presa no pé,

se for quebrá-la, em breve murchará

e para onde levarei sua cor flamante,

mesmo sabendo que há de murchar até

e sobre o solo enfim despencará...?

 

COLHEITA DE AMOR II

 

Possui um tempo de vida a meiga rosa,

não a colhi quando era um só botão,

passei de largo, sem cuidar sua brotação,

sem perceber até que ponto era formosa...

E se a tocasse, teria sido dadivosa?

Nas suas pétalas da primeira floração

ainda não crescera em seu pendão...

Até que ponto seria minha tão viçosa?

De qualquer modo, ao passar pelo canteiro,

vi finalmente dessa rosa o esplendor,

mesmo perdido seu inicial frescor,

a me saudar em tom alvissareiro...

Mas foi a visão, enfim, que me aceitou

e de meu caule finalmente me apartou...

 

COLHEITA DE AMOR III

 

O que acontece, se a tomar nos dedos,

neste momento de final aceitação,

por quanto tempo guardará sua floração,

antes que as pétalas percam seus segredos?

Que me haverá à luz de tantos medos,

por que meus braços sentem tanta retração

e só se elança para ela o coração?...

Os seus perfumes já não são mais ledos?

Mas nela vejo o suprassumo da mulher,

mesmo que não se encolha nos meus braços:

também o tempo marcou o jardineiro...

mas se em redoma se replantar quiser,

eu cuidarei prestimoso de seus traços,

só lastimando não a ter visto primeiro!

domingo, 24 de março de 2024


 

 

VLADKO E LODNISSA IX – 17 jan 2023

 

Foi pura sorte, que tinha só uma bala,

mas entrou direta no olho do carneiro,

que estrebuchou, morrendo bem ligeiro,

Vladko pensou: Todo fanfarrão se abala,

Mas o modesto a sua prosápia cala!

O melhor mesmo é que o velo está inteiro!

Animado, o carneou como um bom açougueiro

e o cadáver lançou no fundo de uma vala.

 

Enrolou o velo com todo o cuidado

e o carregou nos ombros até o castelo:

“Senhor meu rei, cá está o dote da princesa!”

Por toda a corte foi ali aclamado:

Meu noivo é corajoso, além de belo!

Pensou Lodnissa, com orgulho e gentileza.

Mas o conde não se deu por satisfeito:

“Para um pastor, enfrentar algum carneiro

é muito fácil, majestade. Faça um teste derradeiro,

alguma coisa de bem maior efeito...”

E cochichou-lhe ao ouvido em seu proveito,

que um genro não aceitasse bem ligeiro;

ele aceitou o ardil do trapaceiro,

obrigando Vladko a justificar o seu direito.

 

“Deves plantar em meu pomar uma videira

e ao sétimo dia suas uvas me trazer,

caso contrário, mando cortar a tua cabeça!”

Lodnissa protestou, firme e altaneira:

“Isso é injustiça que não pode um rei fazer!

Por que deseja que meu noivo assim padeça?”

“Por muito tempo aceitei tua condição,

agora é o tempo de aceitares a minha!”

Indignada demonstrou-se a sua rainha:

“O rei seu eu e esta é minha decisão!

É inútil me fazeres qualquer petição

e não pretendo escutar tua ladainha!”

Chorou Lodnissa quantas lágrimas que tinha,

mas sem seu pai demover da posição!

 

Vladko então despediu-se da princesa.

“Não se atreva a sair de meu país!”

“Senhor meu rei, vou procurar a solução!”

Seus pais mostraram a maior tristeza:

“É seu castigo por atrevimentos vís!

Jamais um pobre poder subir de situação!”

Vladko ao ver-se deste modo condenado,

saiu de casa, vagueando em desatino.

Pôs-se a chorar, coisa que desde menino

já não fazia, a tal ponto desolado!

Enxugando as vistas, olhou para um lado,

mulher belíssima avistando ao sol a pino.

“Por que choras, pastor, por teu destino?”

“Não, minha senhora, estou a ele conformado.”

 

“Eu choro apenas, porque jamais poderei ter

o amor de minha princesa bem-amada

e pior ainda, por saber ser destinada

a se casar com quem não a pode merecer,

mesmo sabendo ser a mim que ela deseja,

mas por orgulho, o rei seu pai não nos enseja!”

 

VLADKO E LODNISSA X – 18 jan 2023

 

“Choro ainda mais, por saber que está sofrendo:

ficasse ela feliz, eu nem me importaria

por morrer, mas sei minha morte a tornaria

muito infeliz! Isto é que está me remoendo...”

“Pois muito bem, caro Vladko, está mesmo padecendo,

mas neste transe ajudá-la eu poderia,

por amor dela, sua dor aliviaria,

eu sou sua fada-madrinha e sempre a estive protegendo.”

 

“Tome esta bolsa, que contém cepa de parreira

e mais um galho abençoado de alecrim,

plantarás ambos onde quiseres ter a vinha

e então te deitarás junto a essa jeira:

dentro de uma semana crescerá a videira assim,

e colherás as uvas a pender de sua gavinha.”

Mas é importante que lhe dês este alimento

como adubo e esta água tal como te pedir;

sendo assim, a tua missão irás cumprir,

se te submeteres a meu completo julgamento.

Ficou o rei surpreendido, mas a contento

marcou o lugar, sua falsidade ainda a fingir,

vendo que Vladko não tinha intenção de lhe fugir,

marcando um lugar de estéril provimento.

 

Vladko plantou a cepa após carpir o chão,

junto à raiz pôs o raminho de alecrim,

com a comida a adubou e com a água que levava,

sem esperança real de alcançar satisfação,

mas ao lado se deitou e então dormiu assim

e em poucas horas  já a parreira germinava.

Mas enquanto essa semana se passava,

o Conde Bopp tentou a princesa seduzir,

sem o menor resultado conseguir,

tampouco a rainha qualquer atenção lhe dava,

mas com o rei constantemente conversava

e espertamente o conseguia conduzir:

“Melhor genro serei eu, sem o iludir,

além de nobre e rico, já enfrentei batalha brava.”

 

“E como eu sou estrangeiro, não despertarei rancor

entre os nobres do país por terem sido preteridos,

de meu valor serão mui facilmente convencidos,

com gentileza logo conquistarei o seu favor,

os objetivos de Vossa Majestade serão fácil cumpridos,

sem a menor chance de os realizar algum pastor!”

O que o rei mais lamentava era ter perdido

todos os filhos em lutas e combates

e já sentindo da velhice os seus embates,

via no conde um novo filho preferido

e este o convenceu de que Vladko só havia vencido

por feitiçaria ou demoníacos engates:

“O conveniente é que quanto antes o mates,

antes que o trono que ele quer seja obtido.”

 

“Já que por magia conquistou sua bela filha,

mesmo que ame seu pai, fará o que ele quer

e logo os dois provocarão sua pior sorte,

para garantir a coroação em breve trilha:

Lodnissa o obedecerá no que quiser

e bem depressa apressarão mesmo sua morte!”