sexta-feira, 15 de março de 2024


 

 

RECONHECIMENTO I – 12 MAR 24

(Anne Heche / Harrison Ford)

 

Tudo o que sou e sinto atribuo a essa mulher,

que me olha de longe e que me olha de perto,

a falhar seu olhar, meu viver é um deserto,

quanto encontro na vida é quanto ela me quer.

 

Meus momentos de orgulho, raros como qualquer

instantes de humildade, dependem do concerto

dos olhos sobre mim, de seu olhar aberto,

no negar de seu brilho, resta uma luz sequer.

 

Em tudo eu lhe reajo, mas não sou seu fantoche,

tenho minhas reações e no final, se cedo,

é de caso pensado, não por obrigação,

pois quanto ela me exige, compõe-se nesse broche

de emoções escolhidas, abertas sem segredo,

que meu real desejo é mostrar-lhe devoção.

 

RECONHECIMENTO II

 

Cada arrepio que sinto, cada piscar de olhos

depende justamente do estado dos cuidados,

de cada escrúpulo em meus instante perturbados,

meus olhos secos por entre meus antolhos,

 

percebem só em si, desviados dos escolhos,

cada brisa de nobreza, quaisquer sons mais delicados,

cada ansiedade leve, momentos malogrados,

cada arco-íris da alma contido nos refolhos

 

deste meu coração, que se lastima tanto,

sem sequer compreender essa total brancura

com que expõe para mim expostos sentimentos,

pois não se esconde nunca na fábula do pranto,

porém quando se exprime é com firmes acentos,

envoltos no amargor da gélida doçura.

 

RECONHECIMENTO III

 

Dizem que a alma surge perante o nascimento,

somente o espírito a provir desse além-céu,

crescendo pouco a pouco, no soerguer do véu

de cada situação envolta em sentimento.

 

Minha alma, penso eu, somente teve assento

no nascer desse amor, vasto mundéu,

que o peito me atingiu no fragor de um escarcéu,

meu espírito a enfrentar a partir desse momento.

 

Assim lhe devo tudo, cada moção da sorte,

cada momento feliz, cada infelicidade,

cada dúvida mordaz, tudo dela faz parte

e se algo buscasse afastar com algum corte,

minha alma aleijaria em total mendicidade,

barroco o coração, sem mais pendor nem arte.

 

FRUGALIDADE I – 13 MAR 24

 

Cantar um rouxinol é coisa antiga,

muito mais europeia do que nossa;

algum dia talvez eu mesmo possa

escutar um rouxinol entoando a giga.

 

Quiçá caminhos da Europa então eu siga,

a buscar de meus avós a antiga fossa;

bem mais fácil aqui se escutar a troça

de um corvo negro empoleirado numa viga.

 

Porque, no fundo, escutar um rouxinol

é mais coisa de um arcano menestrel,

cujo alaúde empunhasse no final

para imitar esse canto qual farol,

enquanto em minha vida sem quartel

eu sempre estive bem mais para um jogral.

 

FRUGALIDADE II

 

A energia se esvai enquanto espero,

nessa corrente mansa da entropia, (*)

enquanto espero em vão mais energia,

enquanto a distropia mais eu quero.

(*) dispersão/concentração da energia.

 

Em tal espera só encontro disforia, (*)

o oposto da alegria que não gero,

toda promessa não mais que lero-lero,

só em som real encontra-se a eufonia.

(*) melancolia, tristeza // som agradável.

 

E enquanto espero por mais alegria,

sou alegre por dentro, meu sistema

hormonal está bem equilibrado;

entre momentos de melancolia,

por incômodos reais que mais eu tema,

vendo a ironia de todo o meu passado.

 

FRUGALIDADE III

 

O mundo mágico da tecnolgia

rouba os caminhos da imaginação,

surgem as coisas, qual golpe de mão,

sem deixar mais lugar à fantasia.

 

Há tantas coisas que se imaginaria

impossíveis só meio século de antemão

de que agora já se assiste a aplicação,

nessa ciência que no presente guia

 

a portais nunca dantes sugeridos,

quando deixada a extravasar a mente,

não ficam mais em hipótese vazia,

mas logo surgem planos, concebidos,

postos em prática no impossivelmente

dessa ciência que hoje zomba da magia.

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