quinta-feira, 15 de outubro de 2020

 

 

retirada I – 13 jun 2019

eu me entreguei a ti, sem mais reservas,

de pés e mãos atados, tão confiante

de conquistar tua mente delirante

e usufruir dos tesouros que conservas...

 

eu me entreguei a ti, amor sem medo,

disposto a tudo fazer abertamente,

sem me importar com as vozes dessa gente

que nunca mesmo me aceitou no enredo

 

de seus rituais – inúteis e banais.

eu te busquei completo e não quiseste,

não conseguiste me querer assim.

 

eu vejo bem não ter graças sociais,

mas sei, depois de tudo o que fizeste,

que agora é tempo de voltar pra mim...

 

retirada II

 

é como droga esse amor que me tocou:

formou em meus neurônios seus liames,

continuamente a fazer os seus reclames,

a cada vez que a mente os rejeitou.

 

bem sei que amor endorfina provocou

de modo igual a narcótico em enxames,

existem pontos de contato nele imanes

e seu constante ativamento me marcou.

 

porém de amor não há farmacopeia,

quando negado, força a retirada

e nele surgem sintomas semelhantes.

 

náufrago fico então nessa odisseia,

sem minhalma desejar ser resgatada,

por mais que as ondas sejam inquietantes.

 

retirada III

 

não é que me deixasses, claro está;

juntos ficamos já por tempo demorado,

mas há alguns anos não sou mais abraçado

por ti na entrega que mais perfeita vá.

 

algum carinho teu beijo sempre dá,

mas no conjunto estou desapontado,

com frequência me repele o teu agrado,

sinto-me longe, embora estejas cá.

 

nem é que amor me tenha desertado,

está presente sempre e forte ainda;

de certo modo, do teu tenho certeza,

 

mas não penetro em ti qual no passado,

tua mente a divagar, angústia infinda,

de que não posso apagar toda a vileza...

 

retirada IV

 

por certo é que me esforço na conserva

desta minha entrega, mesmo sendo repelido,

guardo meu lado da ponte bem mantido,

porém tuas cordas são apenas fios de erva.

 

e ainda te vejo, então, das dores serva,

parte do corpo, sem dúvidas sofrido,

parte da alma em nutrir subentendido,

teus demônios a fazer que sempre ferva.

 

porém me encontro a teu lado, ainda fiel,

sempre buscando dar-te minha energia

ou meu consolo ao deparar-te assim,

 

mas a balança não passa de ouropel,

metade é bronze, metade é fantasia

e sei que é tempo de voltar pra mim...

 

RETORNO À ARMADILHA I – 14 JUN 19

 

No meio do relvado encontra-se  a armadilha.

Sorrateira e capciosa então nos captura.

Não há como escapar, salvo na pura agrura

De roer a própria pata firmada nessa quilha.

 

Achamos a arapuca que de um amor é filha

E como ao animal, a sua pressão perdura,

Sem que algo de real consiga-se de cura,

Quem ama assim percebe que à própria alma encilha.

 

Só se pode libertar quem sua alma roerá,

Do sonho ali deixando um trapo bem sangrento,

Que morra essa quimera, perdido o seu alento,

 

Liberto o corpo então que para o alhures vá,

Farrapo ainda a pingar do antigo sentimento,

Deixado na armadilha, em que ainda gemerá.

 

RETORNO À ARMADILHA II

 

E essa mão da alma que abandonada fora,

Do meio do relvado prossegue o seu chamado,

Por mais longe o caminho, seu grito soará,

É um amor de rubi, a hemorragia de outrora.

 

De fato, a sensação jamais se irá embora,

Que amor despedaçado enfim rebrotará,

quando ao local do crime essa alma voltará,

a parte recobrando no estertor de agora.

 

Em nosso mundo estático existe um carrossel,

Pequenos cavalinhos, elefantes de madeira

E a música estridente que ali nos acompanha.

 

De modo igual amor, latão feito ouropel,

De novo nos assalta com precisão certeira:

Aberta está a armadilha e de novo nos apanha!

 

RETORNO À ARMADILHA III

 

Tem sido sempre assim, caso pensemos bem:

Enquanto não te vi, foi como não vivera,

Despertei de repente e quase compreendera

O sentido da vida ao te perder também!...

 

De novo nos achamos e então surpresa vem;

Saber que estranhamente o tempo não correra:

Dos dias afastados lembrança até perdera,

Ficando permanente a certeza que se atém,

 

De novo confirmada e outra vez, de novo,

Que a cada encontro nosso o encanto ressurgia

Os laços entre nós completos renovando...

 

Mas como relutamos!  Sem crer poder que um dia,

Pudesse rebrotar, em singular renovo,

O mesmo velho amor que estava ali espreitando!...

 

ANESTÉTICO I – 15 JUN 2019

 

Os dias vão passando em horas vãs, desnudas,

vazias de sentido, molduras só de espera,

traços de união somente, inquietações agudas,

enquanto não se cumpre, enquanto não se altera

de minha irrealidade essa aguardança morta;

percebo tudo em torno qual nunca houvera visto,

não reconheço nada, a mente não comporta

e toma como estranhos os gestos que me assisto

a praticar, quais fossem atos internos de um romance,

as cenas de uma peça, um filme que passasse,

porém que contemplasse com pura indiferença,

enquanto a vida fica, suspeita num relance,

suspensa de teus olhos, tal como se contasse

uma história mal feita e envolta de descrença...

 

ANESTÉTICO II

 

Pois não é a tua ausência que me adormenta a alma,

é antes tua presença que assim me anestesia,

que ao ver-te além, tão perto, a mente desvalia,

sem unção que renove o bálsamo que embalma

e que ainda me embalsama na desnutrida calma,

sem que um só escaravelho, amuleto em mim teria,

por entre as faixas gris, que o linho abraçaria,

não os membros do corpo, as claves de minhalma

e olho para ti com meu olhar brilhante,

contudo só observo algo baço na retina,

momento introspectivo, sem nada a reluzir

e permaneço inerme, até voltar o instante

em que noto o retorno da alma de menina,

que apenas se afastou, porém sem me fugir...

 

ANESTÉTICO III

 

Por isso é que nos versos eu busco anestesia,

de um modo diferente, que em nada me adormece;

sonetos para mim se tornam pura prece,

a dor fica apagada no verbo que a feria,

mas realmente é nela que a ânsia persistia

de ver essa alvorada que nos seus olhos desce

e então breve sorriso, por mim que nunca cesse,

justamente por saber quão pouco duraria;

ali surge o renovo, sabor de pão-de-mel,

a breve pluma alada de um dente-de-leão,

que a gente sopraria nos tempos de menino,

esperando que evole e, enfim, ache quartel

nos lábios desejados, concreta essa ilusão,

ainda anestesiada em puro desatino...

 

QUAL  VIOLINISTA I – 16 JUN 2019

 

Por isso é que te afastas; porque pensas

que no instante em que teu corpo deres

teu mistério esfalece, sem que esperes

conservar por mais tempo as cordas tensas

 

do violino  que plange minha ternura

e entregue o corpo, em branda languidez,

não mais me deste, em meiga placidez;

porque não mais consigo te ler a partitura!

 

E a esse arco viril, que nas mãos tomas,

recusas o estojo; e então retomas,

em stacatto, teu sonho de martírio...

 

Não é assim comigo,  eu quero mais,

muito mais que teus órgãos genitais,

embora os queira também, no meu delírio!

 

QUAL  VIOLINISTA II

 

Mulheres  berço são da transmissão da raça,

seu corpo evoluiu para a máxima atração,

não só de feromônios se faz a sedução,

não são como animais do cio à caça!...

 

De certo modo, o imaginar perpassa

que antigamente houvesse até estação

de um aprestar-se para a reprodução

e só então aceitassem, sem mais  jaça,

 

a presença eventual do macho humano...

mas é forçoso para nós reconhecer

que o menstruar ocorre a cada mês!

 

E desse modo, entre nós, sem mais engano,

pode a mulher, mensalmente, receber

um fecundar maduro aos óvulos que então fez.

 

QUAL  VIOLINISTA III

 

Mas na mulher existe muito mais

que essa atração da fisicalidade;

ela é a fonte do carinho, na verdade,

companheirismo e compreensão tem naturais.

 

Para os nenês são qualidades essenciais,

mas que transfere, com facilidade

para um homem que a corteje em qualidade

e saiba ler suas escalas  musicais...

 

Por isso, eu quero muito mais que o estojo:

meu arco quer o apoio de tuas cordas

e partilhar volutas gentis de dons vocais

 

e com minhas mãos acariciar o bojo

do instrumento musical com que as abordas

para um dueto que não termine mais!...


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