segunda-feira, 26 de outubro de 2020


 

 

reverso I – 17 jul 2019

 

momentos oscilantes propicias...

nunca sei onde estou, o que fazer,

que atitude tomar, como empreender

o assédio a esse castelo, em que vazias

 

são as ameias, torretas, barbacãs,

quais órbitas silentes, cujo olhar

apenas se suspeita, sem pensar

que é um relicário vestido em preces vãs.

 

mas de repente, tudo se ilumina!...

os arautos proclamam as promessas

que me fervilham exuis no coração...

 

e então, tudo falece e me arruína!...

que coisa estranha... quando amor confessas,

esse é o momento de deixar-me, então?

 

reverso II

 

na verdade, o que protege uma muralha

são os “merlões” e não as suas ameias,

os quadrados que se avistam nessas teias,

enquanto “ameia” denomina cada falha

 

que intermedia a proteção da malha,

atrás da qual arqueiros, em cadeias,

se posicionam a evitar farpas alheias

e por ameias cada flecha então se espalha,

 

lançada ao inimigo que o castelo

sitia na intenção dessas conquistas,

mas a visível proteção são os merlões.

 

de forma igual a ameias o olhar belo,

os merlões sendo as pálpebras que habitas,

na ocultação de tuas próprias emoções.

 

reverso III

 

e quando a paz eventual tu me anuncias,

as seteiras se iluminam de rojões,

archotes e torchais em mil clarões,

como o sorriso dos lábios que me envias.

 

então o arauto sobe até os bastiões

e manifesta os sonhos em que vias

minha própria alma recebida em alegrias,

temporárias, quiçá, dos corações.

 

mas por qualquer motivo ou sobressalto

cessam as luzes com suas vibrações:

perante o fosso me percebo só,

 

no incompreensivel oscilar desse ressalto,

guarda o castelo egoístas sensações,

erguendo a ponte levadiça sem mais dó.

 

ESCULCA I – 18 jul 2019 (*)

(*) Sentinela, batedor, guarda avançado.

 

Segundo me parece, degradou-se

em seda e vidro o relacionamento:

apenas esplendeu, por um momento,

mas a seguir de novo transformou-se,

 

na estranha relação cristalizou-se,

de enfrentar cada dia um sentimento

completamente novo: a cada evento

uma nova mulher manifestou-se.

 

Mas a tudo que perpassa, sou constante:

não modifico sequer por um milímetro

a minha firme posição de lutador.

 

Aguardo e espero a musa delirante:

meu coração tornou-se num voltímetro,

a controlar os impulsos desse amor...

 

ESCULCA II

 

Assim eu meço tal temperatura:

até que ponto chega a eletrizante

energia dispersada a cada instante,

no entremeio da transmissão impura.

 

Algumas vezes, há maior fartura

e comigo se reparte, de esfuziante,

a mesma sensação que levo adiante

no coração, que em mim perpétua dura.

 

Mas outras vezes, há tal oscilação

que nem Tesla poderia controlar (*)

uma corrente contínua tem lugar,

 

sem que se alterne entre nós essa emoção,

que deveria tornar-se um vaivém,

quando a corrente alternada se sustém.

(*) Nikola Tesla, 1856-1943, inventor da corrente alternada.

 

ESCULCA III

 

Porém não nego que já me acostumei,

e minha fonte de energia acendo,

como posso conservá-la bem compreendo,

que o verdadeiro amor fui eu que dei;

 

e quando oscila em fluorescente lei,

de cada polo a luz a ter adendo,

o comutador perfeitamente entendo:

como mantê-lo firme eu saberei.

 

Assim à musa minha própria luz envio,

nos momentos de apagão involuntário

ou mesmo quando delibera a oscilação

 

e na minha persistência então confio,

pois meu amor é sempre voluntário

e assim aquece o seu rubro coração!

 

ESTALO I – 19 jul 19

 

Não esperava tentasses me enganar

em uma coisa tão tola e corriqueira:

uma coisinha boba, uma besteira,

por não quereres um sonho me contar...

 

O problema é que em coisas tão pequenas

observamos às grandes reação;

te achava tão sincera em relação

ao que entre nós surgiu; que apenas

 

me mentisses ao mentires a ti mesma.

Agora surge a fenda cristalina...

Eu sei te arrependeste e me disseste

 

que não confiasse em ti naquela cisma:

capricho apenas; mas não devias, menina,

pois me mentiste e um beijo nem me deste.

 

ESTALO II

 

Quem sabe, então, o capricho seja  meu,

pois me deste o coração e quis tua mente,

nela saber o que perpassa diariamente,

no ciúme tolo do que em sonho aconteceu.

 

Pois reconheço, se tens um sonho, é teu

e nem o podes partilhar tão facilmente,

mas é minha própria incerteza, claramente

que nesse teu negar motivos leu,

 

para ocultar de mim outro interesse,

seja por quem tinhas amado no passado,

seja por quem talvez te espere no futuro,

 

seja por quem no presente ainda aparece

e dispersar te busca de meu lado,

para prender-te em seu abraço impuro!

 

ESTALO III

 

Mas deduzir qual seja a alternativa

é assaz difícil... Meus próprios sentimentos

interferem em tais desvendamentos,

a murmurar-me, com falsa voz nociva,

 

degradando este amor que me cativa

e que perdura desde seus deslumbramentos,

que na alma alicerçou seus fundamentos

e me conserva na esteira de minha diva.

 

Que uma mentira, às vezes, é carinho,

um tapa leve no rosto, sem magoar,

talvez sendo adicional prova de amor;

 

e desse modo, deixei de ser mesquinho

e nessa fenda cristalina vou buscar

algum diamante que incremente meu ardor.

 

BATISMO I – 20 jul 19

 

Ela quer se fazer de imaculada...

Inda vai hesitar, talvez por anos:

Precisa se limpar dos desenganos,

Mostrando pouco a pouco um quase-nada;

 

Fugindo temerosa, em seus afanos,

Essa alma gentil e atribulada,

Que permanece ainda avassalada,

Por sentimentos de seus antigos danos,

 

Que se combatem em seu coração.

É tão difícil, afinal, pular no escuro!

Talvez, por isso, aceite a hesitação

 

Desta mulher, enfim, que lentamente,

Irá aceitar o meu amor presente,

Para um dia me mostrar amor futuro...

 

BATISMO II

 

Descrevo aqui esse evento corriqueiro

Que a tanto homem na vida já assombrou,

Quando um amor primeiro o rejeitou,

Por mais que o seu fosse puro e verdadeiro.

 

Por muitos meses persiste tal lanceiro

Na justa antiga em que antanho retornou,

Essa conquista que ao passado já falhou

A tanto ancestral seu de aventureiro

 

Caráter, que inimigos dominasse,

Mas sem poder dominar a dama antiga,

Em sua recusa do preito enamorado,

 

que todavia, insistente, perdurasse,

a enovelar-se, com fervor de auriga,

no véu da dama que já tanto o tem magoado.

 

BATISMO III

 

Pois se designa um batismo ser de fogo

A primeira intervenção em algum combate,

Sem água do Jordão em tal embate,

Sem unção milenar para tal jogo.

 

Assim, nesse insistir de antigo rogo,

Há um batismo também, que nos abate,

Se não fizer sobreviver perpétuo engate

Na pia batismal que um beijo, logo,

 

Transforma em peregrina água lustral,

Quando nos chega momento inesperado,

Quando já quase se houvera desistido

 

E a doçura desse beijo virginal

Nos torna para sempre consagrado,

Em tal vitória de um coração vencido...

 

MULTÍPLICE I -- 21 julho 2019

 

Para isso me serviste, mulher com que sonhei:

Para escrever meus versos; de ti nunca terei

Senão vagas promessas e pronta retirada,

Momentos só de sonhos, momentos só de nada.

 

Todavia, estas linhas podem fazer um bem

A milhares de outras que, como tu, descreem;

Milhões de solitárias por esse mundo afora...

Embora me desprezes neste momento, agora

 

Em que reluz em ti um novo sentimento

Indiferente e cru às horas de portento...

E as frases que redijo são novas; todavia

 

Foste tu que as criaste, num golpe de magia,

Para dar a outras tantas momentos de ilusão,

Consolo, um triste alívio e vaga exaltação...

 

MULTÍPLICE II

 

É só por isso então que os versos teus digito,

Não que deseje aqui eternizar meu nome,

Não é vaidade que o coração consome,

Porém impulsionar lançado até o infinito.

 

Porque estas frases com que amor concito

Se destinam somente a saciar alheia fome,

Melancolia e rancor que ali então se dome,

Pouco importando local e época que habito.

 

Não tenho ânsia de fama e nem de glória;

De fato em outros versos frequente registrei,

Precisamente, toda a aridez dessa ambição,

 

Mas que as palavras se fundam em cibória,

No pão e vinho do amor com que mandei

Pedaços de mim mesmo a cada coração.

 

MULTÍPLICE III

 

Muitas vezes pareceu-me que um soneto

Terá destino certo.  Uma alma só, talvez,

Ou para algum milhar esse poema fez

Rebrotar um sorriso quiçá muito discreto,

 

Ou um esgar de pena por coração inquieto

Que seu tempo gastou neste gravar em grês,

A captar palavras do éter, mês a mês,

Sem ao menos se sentir senhor de tal afeto.

 

Porém se uma só mente os versos receber

E sentir misticamente para si serem escritos,

Acabei de cumprir minha missão na Terra,

 

Sem ter nascido em vão.  Se acaso acontecer

Que sejam muitos seres libertos de conflitos,

Por um momento só, minha vida aqui se encerra.

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