quarta-feira, 3 de março de 2021


 

LÁGRIMAS VERDES I – 16 JAN 2021

 

Tu és o meu dióxido de carbono,

a ti respiro em vez de oxigênio,

és todo o necessário nitrogênio,

por minhas raízes teu amor eu como.

Tu és a clorofila que a mim somo,

cada átomo a nutrir-me do hidrogênio,

tens a força febril do tungstênio,

a fotossíntese que me acalenta o sono.

Pois tudo és para mim, meu corpo inteiro,

o meu processo de assimilação,

de ti provém toda a alimentação,

és meu jardim e meu fértil canteiro,

eu não existo sem o teu carinho,

a água e a luz que depões no meu caminho!

 

LÁGRIMAS VERDES II

 

De ti dependo em todos os momentos,

a luz solar que me dá crescimento,

a luz lunar que me inspira sentimento,

a luz terrestre de meus padecimentos.

E se em mágoa me dás alguns tormentos,

eu a transformo em novo pensamento;

e se em alegria me dás pressentimento,

eu o transformo em feéricos eventos.

Sem haver mágoa, não haverá alegria

e sem pressentimento, segurança:

a vida toda é uma vasta sinfonia,

em que se entrecruzam fragmentos

caleidoscópicos em verdes de esperança,

nessas lágrimas que brotam dos portentos...

 

LÁGRIMAS VERDES III

 

É verde a lágrima que chora o vegetal,

seu sangue a linfa meio esbranquiçada

e meio creme, às vezes condensada

na seiva branca da borracha natural.

E como chora a planta qual jogral,

choro eu o meu sonho avermelhado,

pelo teu sonho após ser abençoado,

nem dor nem pena me causa qualquer mal.

Pois tu és do ser inteiro o combustível,

eu só vivo de ti, do teu dióxido,

que verdes choras em tua respiração.

Um alimento para mim inexaurível,

unguento puro sem qualquer traço de tóxico,

lagrimas verdes a me pingar no coração.

 

ÔNFALE  I   (25 AGO 79)

 

Na vaga sedução, meus desenganos,

quais lantejoulas mortas, sem centelhas,

quebradas, negras, esperanças velhas,

rituais que o tempo remarcou profanos,

na vaga sedução, ideais arcanos,

mil ouropéis de jaça e mel de abelhas,

cristais partidos, corações sem telhas,

as chagas ostentando seus mil danos,

 

humanos sonhos, temendo ser divinos,

odor da noite em cantos matutinos,

de faunos degradados, babuínos,

na expressão morta da ilusão perdida,

abóbora em caleça travestida,

num desafio,  tornaram-se destinos.

 

ÔNFALE II  (2007)

 

Por certo, não saiu como eu queria

esta impensável e estranha relação:

desde o começo, eu te dei o coração,

enquanto o coração teu pretendia

dentro de mim.   A tua palavra ouvia

dizendo-se disposta à enfrentação

de tudo e todos, concreta essa ilusão

que te afastar de mim não permitia.

 

Mas nunca ouvi, nesse tremendo rolo

de tantas emoções, tanta ternura,

uma resposta, afinal, para minhas preces:

que fosses minha, num total consolo,

sem mais reservas, totalmente pura,

como eu teria querido me quisesses...

 

ÔNFALE III  (22/2/2009)

 

Que te direi agora, oh redolente

estrela de minha vida, que deixaste

de brilhar para mim qual reluzias?

Ou teu ocaso é apenas aparente?

Já não aguardo o retornar dolente...

Essa ilusão bem firme me apagaste,

nessa certeza das frases que dizias...

Por que ainda me buscas tão frequente?

 

Por que esperar que eu diga que te amo,

quando afirmas ter um outro sentimento

e que nunca me darás o coração?

Como é inconstante a mulher por que reclamo

e não consigo retirar do pensamento,

por mais que saiba não possuir razão!...

 

ÔNFALE IV – 17 jan 2021

 

Nada me deves.  O quanto tenho feito

foi por amor que fiz, tão só e sem defeito:

de mim mereces completo e estranho preito

porque te amo.  Tão só porque te amo.

Nada me deves.  O quanto pude dar-te,

daria novamente, parte a parte,

por te fazer feliz, só para honrar-te,

porque te amo.  E apenas por ti clamo.

 

Assim, nada me deves.  E até devo,

pelo prazer de um dia haver servido,

na servidão de meu amor ferido.

Assim, nada me deves.  Eu só te escrevo,

mais dedicado do que devia a Deus,

que o coração e a mente já são teus.

 

ÔNFALE V

 

Muitos anos atrás, tu me sorriste

e a tampa do sarcófago se ergueu.

Bem de repente, um sonho em mim cresceu

e das tiras da mortalha me despiste.

Minha múmia te sorriu e produziste

essa magia que dentro em mim nasceu,

como se eu fosse o sábio... E me aqueceu

o teu orgulho e o louvor que me supriste.

 

Cheguei até a presumir que ajuda

era eu que te dava, em meu conselho,

sabedoria de um gasto coração...

Mas não consinto mais que assim me iluda

a minha vaidade.  Pois basta ver no espelho

que me tocaste com varinha de condão.

 

ÔNFALE VI

 

Com tua varinha, marcaste-me o umbigo,

esse sinal de pertencença à raça,

que geração pós geração perpassa,

pelo qual aos ancestrais me unir consigo.

Indica o sacro ponto por que abrigo

calor e alimento, em santa graça

é transmitido em transitória jaça,

no momento de expulsão do ventre amigo.

 

Quando essa luz do mundo me ofuscou

e para respirar, projetei pranto,

pois decerto preferia ter ficado

onde me achava, onde me acalentou

o recipiente escuro, íntimo canto,

que nunca mais poderá ser recobrado!

 

ÔNFALE VII – 18 jan 2021

 

Por onfaloscopia alguns referem

essa inefável meditação budista

em que é apenas é umbigo que se avista,

sem reparar nos impulsos que nos ferem.

Sem permitir que as emoções alterem,

por que os desejos do mundo se conquista,

por que o Nirvana se ache em nosa pista,

quanto as Srutis (revelações) nos derem.

 

Tal contemplar do umbigo é criticado,

como sendo nada mais que um escapismo,

o alimento a nos ser dado na indolência.

Mas pelo umbigo o ventre é retomado

e entre os pais e o ancestral abismo,

mil gerações redescobertas com prudência.

 

ÔNFALE VIII

 

Milhões de umbigos em mística serpente,

que nos conduz ao ritualismo de Eva;

e que zombar da mãe primeva não se atreva

qualquer que traga em si a vida ingente.

Na alegoria o primordial se assente,

até a primeira horda que nos leva

até a diversidade de algum Deva,

em que a índole do Asura não se alente.

 

E pela grande serpente, a Kundalini

encontramos os terríveis ancestrais,

até não mais haver o nosso umbigo.

Mas que o alburno e a albumina ative,

dentro do ovo, sem liames maternais,

tal ser estranho, que de mãe não teve abrigo.

 

ÔNFALE IX

 

Mas a serpente regressa bem mais fundo,

sem ter umbílico, por laço Permiano,

até o ponto em que sequer se encontre plano,

sem divisão sexual, lá no profundo

do pântano inicial, do barro imundo,

formado ali esse primeiro grano,

em que o dedo de Deus, num sonho arcano,

formou a vida como um ser rotundo

 

a dividir-se por cissiparidade

e em sua economia, a Natureza,

em cada feto ainda age, certamente:

cada célula a se mutar em variedade,

que chamaremos um dia de beleza,

nesse caminho que há de abrir-se transparente.

 

ÔNFALE X – 19 jan 21

 

Foi desta forma que a varinha me tocou,

justamente sobre o estigma mais humano,

talvez sagrado, talvez tão só profano,

mas que em cada nenê se remarcou.

Ao penetrar em mim, me fecundou,

com um sorriso de pompa soberano,

inspiração trazendo sem engano

e desde então, jamais me abandonou.

 

E foi assim que subi de meu jazigo,

há longo tempo o tampo já quebrado

desse sarcófago em que me achava só,

para missão renovada sem perigo,

dormente e seco, em nada relembrado

se fui humilde escravo ou faraó...

 

ÔNFALE XI

 

Portanto, nada deves.  Porém eu,

em tal ressurreição que se aligeira,

ganhei minha vida de forma sobranceira,

achando em mim o que antes se perdeu.

E mesmo que não encontre nada meu,

nesse fanal de luz, clara e brejeira,

sou servo teu por essa vida inteira,

que não havia e que de ti verteu.

 

Nada há mais estranho que um condão

capaz de umedecer toda a secura

da carne morta e da mente já desfeita,

no palpitar de um novo coração,

magicamente tocado por ternura,

quando uma fada junto a mim se deita!

 

ÔNFALE XII

 

Teu coração é certo que me deste,

porém não nesse contato delirante;

de certa musa que viesse a ser amante

de um pobre humano em pastiçal agreste.

Mais do que amante o que me concedeste,

no toque místico sobre ônfale vibrante,

foi nova vida e sangue apaziguante,

a mãe dos versos que depois me leste.

 

Por este umbigo aberto ao desatino

entram memórias de antigas impressões,

tempos primevos de vastas sensações,

muitas mais que desfrutei desde menino,

a raça inteira a martelar minha sina

missão da fada que ao tempo me destina!


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