terça-feira, 9 de março de 2021


 

 

O ENTERRO DO MINOTAURO I –25 FEV 2021

 

Eu nunca sei de fato, quando pego minha caneta,

o que irá brotar dessa manobra inquieta;

na verdade, apenas sei quando a obra se completa

até onde o labirinto irá ser deslocado.

 

Mas labirinto de versos é só um fantasma alado,

pois vejo são bem claros, sem nada de sagrado,

apenas o meu cérebro se vê despedaçado,

nas vastas descrições da memória mais secreta.

 

Agora o Labirinto de Cnossos se encontrou,

de fato existem múltiplas salas no porão,

quase todas com a mesma formação,

cuja função de confundir claramente demonstrou;

do Minotauro os ossos não foram descobertos,

os vastos subterrâneos estão de túmulos desertos...

 

O ENTERRO DO MINOTAURO II

 

Tal lenda helênica é das mais conhecidas

e se refere aos tempos de Micenas e Tirinto;

Cnossos é imensa e a capital pressinto

da civilização minóica em épocas perdidas.

 

Pelo vulcão de Santorini form todas destruídas,

mas os palácios Schliemann, com fervor distinto,

conseguiu desenterrar após Tróia e que me finto

justamente com Cnossos então serem atingidas.

 

De modo igual, podemos atribuir a Santorini

as pragas do Egito e os milagres portentosos

que seguiram os Hebreus nos eventos fabulosos

até a Terra Santa a que o povo se destine,

embora certamente não manasse leite ou mel

e que só foi conquistada após guerra sem quartel!

 

O ENTERRO DO MINOTAURO III

 

O mitastego Apollodoro narra a lenda original: (*)

que o rei Astérion ou Astérios entronizado

fora como o Minos, sem ser legalizado

e então a Posêidon lançou preces em caudal.

(*) Criador de mitos ou lendas; Minos era o título dos reis de Creta.

 

Que lhe mandasse um touro em forma de sinal

de que o deus o aprovava, a fim de ser sacrificado,

mas o animal era tão belo, que o rei teve o pecado

de adiar o sacrifício e a indecisão lhe trouxe mal.

 

Porque, como castigo, Posêidon fez se apaixonar

a sua mulher pelo touro... a bela Pasifaé,

que com Dédalo insistiu por muito tempo, até

que uma estátua de vaca lhe fosse edificar,

na qual entrou a rainha, vestida de nudez,

e ao touro se entregou, na maior desfaçatez!

 

O ENTERRO DO MINOTAURO IV

 

O resultado, porém, não foi de se esperar,

um filho ela gerou, com cabeça de touro

e corpo de homem, para seu desdouro

e Astérios ordenou a Dédalo engendrar

 

o imenso labirinto no porão, em que alijar

esse terrível filho, que sustentava o couro

com carne humana apenas; temível o tesouro,

e ali foi posto o monstro, que nem sabia falar...

 

enquanto em Pasifaé exerceu dura vingança:

mandou-a encerrar na vaca que a acolhera

e embaixo dela acendeu feroz fogueira,

mugindo a infeliz, que de gritar se cansa:

morreu cozida viva, como fruto da traição,

a vaca derretida após essa ocasião!...

 

O ENTERRO DO MINOTAURO V

 

Alguns anos depois, em um combate, Androgeu,

filho e herdeiro do Minos (que era o apelativo,

igual que Inca ou Faraó, que ao rei vivo

era dado) que em Atenas atacou o rei Egeu.

 

Destruiria a cidade, salvo um tributo seu

de seis ou sete casais do povo argivo

lhe mandasse anualmente para o fim nocivo

de alimentar o monstro que nas trevas recolheu!

 

A história de Teseu é bastante conhecida:

a Ariadne, filha do Minos, ele seduziu

e um novelo de lã a jovem lhe entregou;

ingressando na treva que ao monstro dá guarida,

com ele combateu e no final, feriu,

com uma tíbia humana e assim o executou.

 

O ENTERRO DO MINOTAURO VI

 

Outras versões existem e a mais bem conhecida

é a do poeta Ovídio, em suas Metamorfoses,

porém a descrição do monstro nessas poses,

é só a de ser mestiço, sem ser bem definida.

 

Assim, outro poeta criou história retorcida,

afirmando o Minotauro ter corpo de touro,

mas a cabeça humana, justificando o agouro

que a um touro apenas erva teria sido oferecida.

 

Talvez em sua cabeça guampas também tivesse,

mas com corpo de touro seria bem mais forte

e com seus dentes caninos a carne iria rasgar;

destarte respondia das jovens longa prece,

que não tivesse o monstro de corpo humano porte

e apenas as matasse, sem antes estuprar!...

 

O ENTERRO DO MINOTAURO VII

 

Ainda outra versão diversa permanece:

que o touro fosse Zeus, assim acostumado

a seduzir mulheres, constante difarçado:

e é nessa divindade que Pasifaé se aquece.

 

Contudo após o fato tão horrível castigado

o touro ainda ficou, que seu capim não cesse

de comer tranquilamente e o natural se desse

depois que a má rainha o tivesse ludibriado.

 

Então, no fim das contas, seu desejo satisfeito,

Zeus-Júpiter facilmente do animal desencarnasse

e finalmente o touro foi a Posêidon sacrificado

e o Minotauro, seu filho, teria sido cremado

na mesma enorme pira em que seu pai queimasse,

todo o carvão restante enfim no mar lançado!...

 

O ENTERRO DO MINOTAURO VIII

 

O povo de Cnossos para Heráklion mudou-se,

em torno ao nono século já de nossa era

e as ruínas da cidade seguiram nessa espera,

até que Minos Kalokairinos, por cobiça, ali fosse,

 

por ser um comerciante, relíquias procurou-se;

mas só em 1900, Sir Arthur Evans toda a esfera

chegou a desenterrar e a maravilha gera,

que por mais de três milênios ali evaporou-se.

 

No final, o Minotauro não teve o seu enterro,

mas o sangue da caneta a ele conduziu,

nos estranhos meandros contidos na memória;

e já longa demais a minha versão encerro,

que de vastos escaninhos a lenda coligiu

e agora já faz parte de tua própria história!...

 

UM REPTO DE RÉPTIL I – 26 FEV 2021 (*)

 

Decerto há boa razão para que “humano”

só rime com “insano” e não com “são”;

só percebemos da história a perfeição

ao compará-la com qualquer engano;

sei com frequência o homem causa dano,

bem muito mais que realiza criação

e muita vez por trás da prece estão

ideia egoísta e o alvo mais insano...

(*) Repto = Desafio

 

O que é espantoso é que após tanta maldade,

pior que tudo, após tanta estupidez,

a humanidade possa ainda progredir,

enriquecida de ciência e sobriedade,

pondo de lado toda a insensatez

e em seu caminho correto prosseguir!

 

UM REPTO DE RÉPTIL II

 

Se alguém considerar, a impressão que dá

é que algo existe que realmente nos conduz;

de erro em erro, o acerto nos reluz,

talvez por interna percepção que há

no inconsciente coletivo ou que fará

inteligência superior que nos aduz

nova resposta e o engano assim reduz:

quem entenda história, certo isso notará.

 

Sempre haverá certa policotomia (*)

entre os que creem na orientação divina,

entre os que pensam somente haver acaso,

entre os que temem um destino que avalia,

entre os que pensam que astros dão-lhes sina,

entre os que pensam que tudo tem seu prazo.

(*) Diversidade de opiniões

 

UM REPTO DE RÉPTIL III

 

Por um lado, é tão somente a inteligência,

que nalguns brilha bem mais que nos demais,

esses que encontram as respostas naturais

no seu tesouro de individual potência;

mas quem foi que ativou a ínclita ardência

para alguns apenas... e não aos mais?

Por que existem capacidades intelectuais

que em outrem não se ativam com frequência?

 

Dizem que existe entre nós velha serpente,

nada maligna, o preceptor da raça,

que de algum modo nos conserva no caminho;

mas por que a vemos assim tão indolente,

somente em alguns manifestando a graça,

qual se descreve em velho pergaminho?

 

UM REPTO DE RÉPTIL IV

 

Mais impressiona é que através da guerra,

que produziu tanta dor e sacrifício,

também surgisse imenso beneficio,

reconstruindo tanta assolada terra,

quase através das mortes que ela encerra,

como se altar assim cumprisse seu ofício

e nos afastasse da decadência e vício,

libertando da gente o quanto a emperra!

 

E mais ainda, que após cada doença,

que incluiria a presente pandemia,

desenvolvem-se a medicina e a ciência,

com resultados que lentamente alcançaria,

se não enfrentasse o desafio que havia

nesse impulso serpentino que nos guia!

 

MISSA DOS MORTOS I – 27 FEV 21

 

Os sinos dobram por minha própria missa,

que há sete dias foi meu funeral,

mas pairo ainda, qual ente fantasmal,

adjacente a tal visão castiça.

 

Meus adeuses cantarão em salmodia

até os que não sabem quem eu fui,

velho costume que no tempo ainda reflui:

a despedida no tal sétimo dia.

 

Eu preferia viver pela Quaresma,

no Pentecostes, até na Epifania,

quem sabe a Páscoa seria fim mais natural,

meu espírito reduzido a um avantesma

enquanto rezam um terço sem valia

e me consumo nas velas do Natal!,,,

 

MISSA DOS MORTOS II

 

Talvez por conta desta pandemia,

sinta a suspeita de em breve terminar

o meu impulso de no mundo continuar,

com tanta coisa que ainda me servia!

 

Morrer sem ver os livros que não lia,

sem os discos ainda virgens escutar,

sem os meus selos enfim classificar,

sem os desejos digitar que mais queria!

 

E amortalhado nesse tal dilema,

dei preferência à multidão dos versos

em gavetas e pastas tão dispersos,

os registros das farpas de minha pena,

pena das coisas que não me deram certo,

pena que escreve em oásis do deserto!

 

MISSA DOS MORTOS III

 

Não que tema realmente o desenlace,

nenhum sintoma por enquanto me assolou,

ninguém morreu que já me visitou,

mas quem pode saber o que perpasse?

 

Talvez os livros para outrem eu repasse,

meus discos algum futuro reclamou,

os meus álbuns, afinal, quem é que olhou?

Mas os rascunhos, em que o pó desfaz-se!?

 

Assim eu fiz a escolha permanente,

ainda leio, porém menos frequente

escuto discos de melodia sem parar;

mas para os selos deixei ânsia impotente:

que não fiquem em suas caixas a sonhar

e que no lixo ninguém os vá jogar!...

 

PROXIMIDADE I – 28 FEV 21

 

O dia esperado chegou-me finalmente,

em que o tempo necessário a meus rascunhos,

o resultado de tantos estremunhos,

passar pudesse a limpo bem contente!

 

Tudo quanto semeei em som frequente,

de todos os meus versos tantos cunhos,

o esforço extremado de meus punhos,

mas cujo envolvimento ainda é potente...

 

Chegou ao fim, faltam dez dias somente,

talvez trinta rascunhos pela frente,

cada semana e cada dia por anos,

gotas de esforço, conseguindo ver,

de forma clara, quanto fora escrever

esse meu cérebro ardiloso em desenganos.

 

PROXIMIDADE II

 

Não que a tarefa esteja terminada,

ainda existem milhares pela frente,

as sombras de um passado contundente

nas prateleiras de minha madrugada.

 

Foi sendo pouco a pouco acumulada,

durante anos de antanho permanente,

essa memória do futuro no presente,

que já de há muito se fez descontrolada.

 

Em pastas ainda existem uns milhares,

que ao incêndio de minha casa rsgatou

a minha esposa, que cópias havia guardado,

em uma sala defendida dos altares

desse deus fogo que tanto me cobrou

dos sacrifícios que lhe havia descurado.

 

PROXIMIDADE III

 

Mas os rascunhos mais recentes enfrentei,

um grande esforço de ano e nove meses;

nesse trabalho empreguei o quanto peses

de outros quatorze meses que empenhei.

 

Foram trinta e três meses que empreguei

e fui mandando em desespero de que lesses,

que pelo menos certo olhar lhes desses

nesse vasto palanfrório que enviei!...

 

sei muito bem teu tempo seria escasso

para que lesses os mil e um sonetos,

mas quem sabe?  terás alguns guardado,

que nesse tempo de pandemia usei o braço

para te impor os meus ideais secretos,

com os quais queria ver-te acumpliciado!

 


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