domingo, 31 de outubro de 2021


 

 

SONETOMANCIA I – 28 OUT 21

 

Nem sempre me acho disposto a escrever.

Chega um dia em que faço dez sonetos,

em outros, mais até, questão de afetos

que em mim despertem a ânsia de o fazer.

 

Em certos dias, porém, este poder

se esvai por entre afãs menos secretos;

o trabalho me obriga; ou leio meus diletos

livros de estranhos ou de simples descrever;

mas nesses sete dias, de entremeio,

que formam a semana, vinte ou mais

poemas se acumulam sobre a poeira.

 

E é de contemplar seu longo veio

que gostaria, às vezes, de não mais

aumentar essa já longa cordilheira.


 (Fotografia da atriz Goldie Hawn, dos anos oitenta.)


SONETOMANCIA II

 

Nos dois últimos anos ou nos três,

infelizmente chegada a pandemia,

tenho buscado o que guardado se escondia,

para à luz apresentá-lo por sua vez.

 

Mas o problema se agrava a cada mês:

a cada vez que algum cartão relia,

as palavras me acometeram em folia

 surgiram tantas que acho que nem lês...

visto que cada soneto que exumei

se completa com quatro ou mesmo cinco,

ficando os outros ainda sepultados.

 

E sem sombra de dúvida, já enviei

muito mais que tua paciência no seu vinco

teria lido, sem que sequer fossem guardados!

 

SONETOMANCIA III

 

Mas não depende de minha disposição,

os sons percorrem as redes neurais

e então insistem por se tornam orais,

querendo ao mundo saltar, sem proteção!

 

Igual que ocorre em natural realização:

 bilhões de ovos lançam sapos nos canais,

bilhões de ovas, em lentas espirais,

peixes recobrem para lhes dar fecundação.

A sua imensa maioria não prospera,

secam e morrem, são muitos devorados,

de um milhão sobrevive apenas um.

 

Mas se a uma alma sequer meu verso altera,

algo cumpri, pois se fossem conservados,

jamais ao mundo fariam bem algum!

 

GARRAFOMANCIA I – 29 OUT 21

 

Muitas pessoas, ao verem, se surpreendem

quando contemplam, a expressar admiração

ou complacência, se desinteressadas são,

esses veleiros que em garrafas se compreendem.

Muito maiores que os gargalos ali pendem,

dentro dessas garrafas para sua observação,

suas rolhas a vedar qualquer contaminação:

alguns se guardam, enquanto outros se vendem.

 

Na verdade, em minhas mãos eu nunca tive

qualquer dessas pequenas maravilhas:

vi muitas em filmes, na tevê ou em desenhos;

quando criança, até recordo que contive

o meu impulso de acariciar suas quilhas,

vendo os adultos a me franzir os cenhos!...

 

GARRAFOMANCIA II

 

Não foram muitas as que vi na realidade;

meu avô tinha uma e foi quebrada,

de permeio a brincadeira atabalhoada,

por um sobrinho de sua esposa (sem maldade?)

Um tio meio possuía outra, que por necessidade

foi vendida, por alimento a ser trocada

(mais de uma vez a sua vida foi truncada)

e era, afinal, tão só uma curiosidade,

 

que ele montara em atividades colegiais,

que então chamavam de “trabalhos manuais”,

disciplina que por tolice foi cortada;

a mim ensinaram a usar serrinha tico-tico,

mas em uma série de selos ainda fico

a admirar tal bugiganga ali mostrada!

 

GARRAFOMANCIA III

 

De fato, eu sei como se faz a miniatura,

sem nunca exercer uma tal habilidade;

em sonhos já avistei essa possibilidade

de navegar qualquer oceano de angostura.

Porque, afinal, a cristalina e pura

fímbria de seu horizonte sem idade,

equilibrada em qualquer ponto da cidade,

é limitada pelo escasso de sua altura...

 

Quais são os ventos que enfunam essas velas?

Quando empunha seu timão o timoneiro?

Quantas as ondas que se encrespam em marés?

Terão gargalo por comporta e por janelas,

seu bombordo e estibordo o derradeiro

rumo que toma, ainda a buscar perdidas fés.

 

ENERGOSSOMA I – 30 JAN 21

 

Em cientologia, essa estranha religião

que pretende ser, de fato, uma ciência,

corpo energético acredita-se ter consciência,

chamado de conscin, sem que seja abstração;

é o duplo etérico, se prestarmos atenção,

de todos os chakras tendo a pertinência, (*)

internamente unidos em sua interpaciência,

mesmo sem terem entre si penetração.

Não são apenas uma aura circundante,

de mil cores, qual da alma a que se crê,

nem realmente um perspírito então se vê,

porém algo material e bem vibrante,

que alguns afirmam detectar em aparelhos,

sem misticismo algum em tais conselhos.

(*) Os sete centros energéticos do corpo.

 

ENERGOSSOMA II

 

O ser humano ente multidimensional,

composto por vários níveis vibratórios,

físico, etérico, do emocional sensórios,

mental e espiritual.   O corpo astral

seria apenas uma criação intelectual,

simplificação para neófitos inglórios,

o corpo etérico uma ponte em peremptórios

oscilares entre os sutis e o carnal.

Também aqui se menciona o mentalsoma,

em que a consciência tem o discernimento,

sendo uma sede multiforme e bem real;

de certa forma, esse conceito doma

essa certeza de nosso passamento,

numa fusão do mental e o material.

 

ENERGOSSOMA III

 

É bom não esquecer que a Teosofia,

no século dezenove bem popularizada,

no Brahmanismo estando enraizada,

de todos estes corpos possíveis já dizia,

mas sendo sete e não os cinco que queria

Rex Hubbard em sua teoria consagrada;

cada faceta deles tendo sido detectada,

por experimento que científico chamara.

Naturalmente, essa energia até podia

Ser comparada ao Númeno, em total

potencialidade de se medir o astral

ou à Noosfera, qual Teilhard ensinaria,

a mente inteira durante o sono a viajar,

até o original de seu Fenômeno encontrar!

sexta-feira, 29 de outubro de 2021


 

 

O CAVALO TAMBOR

Capítulo Sete – 4 out 2021

 

“Será que se amotinou o Regimento?

Ou a tropa inteira é que se embriagou?”

Até a porta da refeitório ele chegou

e veio a Banda, no maior desregramento!

 

Porque ela vinha de perto perseguida

pelo Cavalo Tambor e o esqueleto!

Mas logo o Mestre da Banda, mais discreto,

decifrou a artimanha que fora cometida!...

E  o seu apito assoprou com violência!

Só então pararam de fugir os instrumentistas;

Mesmo o cavalo morto ante suas vistas,

Reorganizada assim em sua potência!

 

Mas o restante do inteiro Regimento

se havia espalhado pelos pontos cardiais,

perdidos todos seus aspectos marciais,

bem lentamente a recobrar o alento!

Depois voltaram, muito envergonhados,

 aos dois e aos três, enfim aos pelotões;

para sua sorte, não encontraram mltidões

por quem pudessem ter sido apupados!

 

O Cavalo Tambor ficou até desapontado

com o tratamento dos antigos companheiros

e foi troteando com os ossos ligeiros

sobre seu dorso em matraquear descompassado.

 

E foi parar diretamente à frente

do Coronel, os olhos da caveira

a encarar a oficialidade inteira,

sem que ninguém a segurá-la se apresente...

Até que o Coronel, que fora impertinente,

mas que de covardia não tinha qualquer parte,

segurou o esqueleto pelo pé, sem muita arte,

que ali parecia estar grudado permanente!

 

Mas ao tocar o couro do cavalo,

logo notou que era carne firme e quente;

já o esqueleto continuou indiferente,

por mais que insistisse em deslocá-lo!

Então se romperam os falsos tambores

e com eles rebentou-se algum arame,

todo o esqueleto montado num cordame,

caiu sobre o Coronel, em estalos e estertores!

 

quinta-feira, 28 de outubro de 2021


 

 

PELES GÊMEAS I (2007?)

 

Se o homem e a mulher coabitam longos

períodos de vivência, lado a Lado,

Seus cheiros se misturam, conjugado

o sangue e o alimento: são dois Gongos.

 

Seus gérmens coabitam, as bactérias

Proliferam de um na outra, então se Cruzam;

Palavras trocam, hábitos escusam

e compartilham mais tantas Matérias...

 

Porém as almas não dividem cheiros,

tem outros gostos, toques e Carinhos,

As almas não se fundem, mas se esfolam:

 

só quando surgem amores Verdadeiros,

É como se tais almas, seus caminhos

entrecruzassem; e em alma só se Isolam.       


 Na ilustração, Cinzia de Roccaforte, 

atriz italiana dos anos cinquenta e sessenta.


PELES GÊMEAS II – 26 OUT 2021

 

É costume falar em “amor de Pele”,

manifestado em atração carnal;

faz-se o corpo a nosso lado Natural,

como se a carne nossa à sua apele.

 

Alguma coisa se experimenta ali que sele

o homem e a mulher no amor Sexual;

ou, quem sabe, em um certo carnaval,

ao próprio sexo certa atração então Revele.

 

Costuma-se dizer não ser Amor

tal tipo rápido e violento de atração,

mas tão somente uma forma de Paixão

 

que bem depressa perde o seu calor,

tal como chamam de “Amor Recém-Casado”,

pelo costume tão depressa desgastado...

 

PELES GÊMEAS III

 

Contudo as coisas não são bem assim:

existe mais que um desejo só Carnal,

quando uma pele se cola em consensual,

peito no peito que se volta para Mim.

 

Ou quando as costas me dá essa Arlequim,

dentro do sono sua morada temporal,

meu peito contra espáduas, em total

abnegação, que parece não ter Fim.

 

E mesmo o cheiro provindo de sua mão,

quando eu a beijo Subrepticiamente,

sem querer extraí-la de seu sonho,

 

se cola a minhas mucosas, em Profusão

de alheias células a voar suavemente,

nariz e lábios a preencher de amor Bisonho.

 

PELES GÊMEAS IV

 

Não se renega aqui o amor Sexual:

faz parte do querer, profusamente,

mas é um tolo quem apenas se Contente

com as mucosas da área genital.

 

Toda essa pele macia é um dom fatal,

dos pés à testa, de forma Independente;

que minha pele dessa pele se alimente,

muito mais vale que qualquer paixão Casual.

 

Nem me refiro à parte Emocional,

deixei de lado a alma neste instante,

a mente apenas, de forma Tonitruante,

 

é invadida por tal toque do carnal,

em que mesmo o suor é Impactante

e nos transporta num torpor alem do mal.

 

PROGÊNIE I – 13/06/09

 

Se os deuses nos retomam com a esquerda

o bem que haviam dado com a direita,

com nosso mal transcorre de igual feita:

se uma castiga, a outra afasta a perda...

 

E assim se trama o destino com tal cerda,

tal como o gume de uma lâmina se ajeita,

um pouco de calor, dose perfeita:

e então o frio, com que a têmpera se herda.

 

Pois há equilíbrio entre a perseverança

e a indolência, que também se adensem,

nas traças de alternância mais honesta.

 

E ainda bem que é assim.   Sempre esperança

possuímos de que os males nos compensem:

não noutra vida, mas justamente nesta...

 

PROGÊNIE II – 27 out 21

 

Todos pensamos o centro ser do mundo

e que por nós se interessem as estrelas,

olhos de deuses a espiar pelas cancelas,

alguns benignos, talvez outro iracundo.

 

Isto é humano, pois no cerne mais profundo

de nossa mente, erigimos as estelas,

em homenagem a nossos feitos e querelas,

como os antigos reis, algo de furibundo,

 

para deixar de nós além da morte,

mesmo que construído tão só no cerebral,

alimentado por todo o nosso emocional:

 

essa vaga esperança, além da sorte,

de que algo de nós no afã perdure,

mesmo depois que até da ossada se descure!

 

PROGÊNIE III

 

Dizem teósofos que existe arcana lei,

a “Lei do Ciclo” e que no meio está a verdade,

que o pêndulo só oscila em obliquidade:

fui a um extremo e ao oposto chegarei.

 

Tantas teorias abstrusas já estudei,

quiçá me expliquem minha esperançosidade,

que só na vida me atrasou, na realidade,

sempre no aguardo de que trono ganharei!

 

Já muitas vezes repreendi essa Pandora,

que não quis manter fechada a esperança,

o maior mal que na vida nos alcança.

 

Saíram os outros, mas pesada essa senhora,

ou talvez adormentada em indolência,

bem lá no fundo ainda aguardava com paciência...

 

PROGÊNIE IV

 

Porque esperava que algo mais acontecesse,

que do fundo do escrínio a retirassem,

nesse esperar na espera que a agarrassem,

sem desejar que sobre o mundo se perdesse.

 

E sua vingança sobre nós ela exercesse,

que a Pandora os outros males alcançassem

e que a toda a humanidade dominassem,

que algum triste até dela se lembrasse...

 

Então diria: “Deixa só para amanhã,

não faças hoje o que pode ser adiado,

muitas bênçãos tem o futuro reservado...”

 

Tão escarninha quanto a Estrela da Manhã,

que sobre a testa nos brilha, indiferente,

sem o menor interesse ter em qualquer gente!