terça-feira, 19 de outubro de 2021


  

FALSIDADE I – 8 OUT 21

 

No rodapé vermelho das histórias

Linhas escritas com cânulas de ossos,

Palimpsextos raros em destroços

Nos pergaminhos mofar de antigas glórias,

Que a cada geração novas memórias

Se superpõem no aterrar dos fossos,

Sobre ruínas estão os palácios nossos,

Templos erguidos no entulho das escórias!

 

Assim, toda lembrança é caluniada

E se repete até a insistência acreditar;

No devaneio existe mais verdade

Que nessa efemeridade abandonada,

Pois não convém ao povo relembrar

Que a ferro e fogo se ergueu a humanidade!

 

FALSIDADE II

 

É justamente o que vejo em meu país,

Por motivos de egotismo vantajoso,

A martelar num digital ruidoso

Destruição das glórias que se quis

Um dia afirmar, por mais que sejam gris,

Há dualidade em cada ato glorioso

Mas nem por isso que se torne enojoso

E assim se enfie na cabeça dos guris!

 

Ideais políticos de uma certa minoria,

Que pelo povo não tem o menor cuidado,

Mas que apenas quer a graça do poder

E assim desfaz o que a história nos dizia,

Reescrevendo os fatos do passado,

Sem com a verdade se comprometer!

 

FALSIDADE III

 

Sem dúvida é verdadeiro o aforisma

De que as história vencedores escreveram;

Os Gauleses que a César se submeteram

De sua história não tinham plena cisma,

Mas apenas a transmitiam, sem sofisma,

De boca para ouvido e hoje se perderam

Até mesmo os sofrimentos se esqueceram:

Não há um De Bello Gallico em Galicismo!

 

Porém nós temos nossa própria língua

E se conservam os documentos do passado;

Esse esforço de desconstrução elaborado

Deve servir-nos de aviso tal qual íngua

E que o mal seja na sua origem combatido,

Por mais frequente seja tal vírus contraído!

 

MARÉ SEM LUA I – 9 OUT 21

 

BARCO A VELA QUE ME VELA

BARCO A VAPOR QUE PÔR VÁ

VIGIAS NA MINHA JANELA

NAVE ESPACIAL QUE ABRIRÁ

MINHA ESPERANÇA DE ESTRELA

QUE O UNIVERSO ATRELARÁ

SE A IMENSIDADE CONGELA

A PEQUENEZ MATARÁ

NA VIAGEM SEM RETORNO

EM LONGA EJACULAÇÃO

AS SEMENTES DE MINHA RAÇA

EM NOVO PLANEJA MORNO

QUE EM SEU VIÇO BROTARÁ

BEBENDO DA NOVA TAÇA

 

MARÉ SEM LUA II

 

O MEU NAVIO SEGUE O FIO

DOS ANTIGOS HORIZONTES

NA BUSCA DE ANTIGAS FONTES

DA PRIMAVERA AO ESTIO

COMO LUZES DE PAVIO

ILUMINANDO ESSAS PONTES

MUITO ALÉM DOS ALTOS MONTES

REPINTALGADOS DE FRIO

EM BUSCA DA NOVA TERRA

À ESPERA DA HUMANIDADE

NA PLENITUDE DA GRAÇA

NA EXPECTATIVA QUE ENCERRA

DA GUERRA A VORACIDADE

QUE FINALMENTE DESFAÇA

 

MARÉ SEM LUA III

 

NA MULTIDÃO DESSES MUNDOS

LEVADA PELA ESPERANÇA

SE RENOVA A ANTIGA DANÇA

DOS ARQUÉTIPOS PROFUNDOS

ARRAIGADOS OS IMUNDOS

DA VELHA GUERRA A PUJANÇA

DO MASSACRE NÃO SE CANSA

ESSA RAÇA DE IRACUNDOS

SUGERIR DEMOCRACIA

NUMA TERRA DE JUSTIÇA

NO SONHO DO MAIS ALÉM

QUAL DESTINO PRENUNCIA

A CAPITAL DESSA LIÇA

QUAL NOVA JERUSALÉM

 

PRALAYA INATINGÍVEL I – 10 OUT 21

 

No diário de bordo a sua derrota

já se encontra criptografada,

computada e controlada,

sem que eu mesmo reconheça a quota,

ante o ciclone que enfim me bota

numa terra desolada,

só um esqueleto de fada,

pelas costelas somente o cardo brota.

 

Ainda consulto meus mofados portulanos,

a bússola inteira desregrada

meu astrolábio corrói o verdigris

e nos conveses desgastam-se meus anos

minha vela assim soprada

para um rumo que não quis.

 

PRALAYA INATINGÍVEL II

 

O vento é esteta com o estetoscópio

aplicado na nesga de meu seio,

não o toco, tomado de receio,

mas gira em torno como um giroscópio,

invisível ainda a um potente telescópio,

mil galáxias defuntas de permeio

o som pungente de um cometa feio

qual som de vírus sob um microscópio.

 

Quero parar o barco de minha velhice,

presas velas com cipós,

nos ossos do peito nu

ainda o vento ao redor constante ri-se

a refazer os mais puídos nós

em seus mastros de bambu.

 

PRALAYA INATINGÍVEL III

 

Mesmo sentindo cumprida a minha tarefa,

cumprida já por demais,

veloz correndo ao jamais

na alvenaria completa da sanefa,

busco Pralaya chegar ao fim da estafa,

concluídos os ofegos imortais,

sem ter amor por futuros festivais,

da alma cansada o fulgor nunca se abafa.

 

Um deus tectônico renova o meu vulcão,

por mais que eu mesmo o queira abandonar,

mesmo saltando dentro da cratera,

lava de versos surge em nova erupção,

novos trechos do oceano a conquistar,

em aditamento indiferente de minha espera.

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