quarta-feira, 20 de outubro de 2021


 

 

TULPAMANIA I – 11 OUT 21

 

Nunca tive um amigo imaginário,

nem tirado de contos de fadas,

nem effrits ou djinns nem outros nadas,

ingresso tendo em meu viver diário,

muito menos o pendor atrabiliário

de adivinhar futuro, por mais que fascinadas

sejam tantas pessoas, entidades invocadas

por qualquer razão ou desejo mais nefário.

 

Sempre me bastei para mim mesmo,

ainda que adore a Santíssima Trindade,

mesmo que estude qualquer outra divindade,

mas sem desperdiçar meu tempo a esmo;

tanto infeliz que de sua alma faz a sé

para algo imponderável, só por ter falta de fé!

 

TULPAMANIA II

 

Dito isto, sei que a tal tulpamania

não é exemplo da confiabilidade

de outras gentes em inatividade,

porém exemplo de quiçá esquizofrenia;

de orientalismos sempre existiu mania,

posta a falta de fé na Divindade

e algum deseja ter pessoalidade

que se alterne nesse corpo em que vivia.

 

Teoricamente esse sistema de diversos eus

é bem consciente, enquanto tal pluralidade

se agrega ao ser primário horas ou dias;

e assim se arriscam os solitários filisteus,

incapazes de uma real criatividade,

buscando emanações como seus guias.

 

TULPAMANIA III

 

Não tenho afinidade com nada tibetano,

nem com o Budismo de qualquer coloração;

com o Brahmanismo encontro uma atração,

sem achar contradição real com esse arcano

Cristianismo primitivo antes que o humano

Interesse o desvirtuasse em profusão;

Mas Tulpas buscam até por masturbação

ou por qualquer outro ritual bem mais profano!

 

Muita criança teve amigo imaginário,

sendo em geral um combate à solidão,

mas raramente havendo ali depravação;

crescem e esquecem esse ‘puka’ no fadário

de tantas coisas de cunho imaterial,

que assim confundem com entidade espiritual.

 

NEMOMANCIAS I – 12 OUT 21

 

Não acredito em presságios ou mancias.

Por que os pássaros a mim indicariam

golpes de sorte ou perigos mostrariam,

pelo seu voo ou por suas cantorias?

Por que os relâmpagos no céu estudarias

em cintilares noturnos ou que fulgurariam

no cinzor das tempestades e nos diriam

o bem ou os males das futuras vias?

 

E contudo são bem próximos sinais,

pouca gente os observaria iguais,

portanto, dentre um certo egocentrismo,

até podiam acreditar no seu envio

por qualquer potestade além do rio

do tempo, servindo ao antropocentrismo.

 

NEMOMANCIAS II

 

Estas mancias se tornaram descuradas,

do mesmo modo que o fígado de animais

ou outras vísceras em aras sacrificiais,

há muito tempo não são mais estudadas,

embora os Hititas até tenham demarcadas

partes diversas dos cernes viscerais

como oráculos de razões espectrais,

assim também por Etruscos consagradas.

 

Pois igualmente tais sangrentas tratativas

podiam ser magicamente conotadas

com quem as escolheu e executou

e que quaisquer diferenças mais esquivas

pudessem ser de fato interpretadas

por quem tais artes de magia praticou.

 

NEMOMANCIAS III

 

Contudo, a zodiacal astrologia

já é coisa radicalmente mais distante;

por que razão a mente delirante

em sua influência acreditar podia?

Que ainda as posições da astronomia

a humanidade toda em certo instante

pudessem influenciar com sua brilhante

presença que dos altos assistia...

 

Contudo, que astros possam realmente

determinar a cada vida individual,

é coisa que me escapa ao entendimento;

somente o mapa em minha mão presente

algum pendor em seu quiromanancial

indicaria do futuro algum assento.

 

NEMOMANCIAS IV

 

Não que eu creia sequer nessa mancia,

mas é a única realmente individual,

que não há duplicação do digital

e nem em gêmeos idênticos se acharia

e na tua mão esquerda se veria

um traçado claramente desigual

ao de tua mão direita natural:

alguma coisa talvez aqui haveria?

 

Um prenúncio exclusivo para ti...?

Na minha mão direita eu tenho um A,

na mão esquerda leio a letra M,

como é normal em qualquer palma que vi...

Mas mesmo nisso como eu sei que há

alheia mão que me governe o leme?

 

MINIATURA I – 13 OUT 21

 

Barco que vaga dentro de garrafa,

estranhamente maior que seu gargalo,

se o recipiente quebrar-se num estalo,

descuidada a faxineira pela estafa,

que som agudo tal queda não abafa?

Haverá marinheiros nesse abalo,

os ladrilhos do chão fazem-se em ralo

e o barco explode se da queda não se safa...

 

Se meu barco naufragar no duro piso,

se afogarão assim os tripulantes?

Perecerá com a nave o capitão?

E com lento trabalho, os casos viso,

a recolher os pedaços como dantes,

pelo puxar cuidadoso de um  cordão.

 

MINIATURA II

 

E sobra ainda catar meu desalento,

nessa água pelo piso estagnada,

quando vejo cada vela amortalhada

pelas asas dos carunchos num momento;

nos camarotes que ainda ali frequento,

há passageiros mortos de enfiada,

que o escorbuto reduzira a nada,

caem os dentes em quebra e fragmento.

 

Mas não os meus.  Costurei o meu sudário

usando a lona de meus pergaminhos;

as faixas de minha múmia trazem versos,

descrevendo meu destino multifário;

os meus vermes distribuí aos passarinhos

e pelo mundo voam sonhos meus dispersos.

 

MINIATURA III

 

Mas nem por isso me recuso à maresia:

muitos ventos libertei de meu surrão,

meus sonetos digladiam-se nesse então

e então me sopram ao porto que eu queria;

de nada vale se render, melancolia

e ociosidade só reforçam o grilhão:

para quem fez das tripas coração

o deus dos ventos nos ares acolhia.

 

E quando sopra alheia a tempestade,

sinos de vento estremecem e o santelmo

brilha na ponta de um arpão em halo santo;

a harpa eólia em sinfonia de irmandade,

com ossos mortos vou fundir meu elmo,

grades translúcidas na viseira de meu pranto.

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