terça-feira, 31 de maio de 2022


 

 

ATOS DE AMOR PASSADOS I – 27 MAIO 22

 

Por que será que amor nos vem buscar

essa parte de nós que nos arranca?

Por que motivo essa ferida não se estanca,

depois que amor partiu sem mais voltar?

 

Teria amor encontrado outro lugar

em que melhor aclimatar a sua retranca?

E o que de nós levou somente espanca,

para às margens de seu curso o alijar?

 

Ou essa coisa de amor só se alimenta

enquanto é nova em nós a sensação

e satisfeito, retorna ao velho ninho,

 

de onde espreita e enfim noutrem se assenta,

de quem possa exacerbar a sensação,

por não se contentar só com carinho?

 

ATOS DE AMOR PASSADOS II

 

Porque, de fato, amor não nos pertence,

flutua por aí com seu carcaz,

mas são rombudas as flechas que nos traz,

porque em torno da ferida o arder se adense.

 

Amor é um ser traiçoeiro e não se pense

um mensageiro de alegria, mas perfaz

a inquietação que nos devora a paz,

esse ciúme que nos morde e que nos vence.

 

Pois sobretudo é um ser indiferente

ao coração que atinja com sua seta,

seu é o veneno que brota em cada beijo.

 

Nunca se prende a alguém completamente,

por mais que seu poder nos desinquieta

e não nos deixa contentar só com o desejo.

 

ATOS DE AMOR PASSADOS III

 

Sempre é mais fácil saber o que é o desejo

do que essa coisa insondável que é o amor,

suave e macio e ao mesmo tempo constritor

a nos cravar cacos de luz em cada ensejo.

 

Da primavera pólen a polvilhar em cada beijo,

febre do feno a provocar com seu ardor,

sempre histamínico o seu místico fulgor,

em sua tocaia a desvirtuar-nos todo o pejo.

 

Porque se um clímax ao desejo satisfaz,

amor não explode em paroxismo suficiente,

por mais ardente, esse prazer nunca lhe basta,

 

pois nos envolve, invisível como um gás,

deixando nalma um rastro permanente,

que rouba o sonho, mas que a sombra nunca afasta.


segunda-feira, 30 de maio de 2022


 

 

O MATADOR DE DRAGÕES XIV – 8 JAN 2022

 

Assim deixaram Stoisha, que ficasse prisioneiro!

Mas com respeito tratou-o o outro dragão:

“Contra você não mantenho oposição,

minha boa vontade que lhe sirva como deixa!”

“Então me diga o motivo dessa guerra!”

“É o resultado de muito antiga queixa:

os três lançaram maldição sobre minha terra!

E veja bem como o abandonaram bem ligeiro!

São muito falsos esses três irmãos,

tem traiçoeiros e covardes corações!”

 

Sempre os derroto em qualquer batalha

e eles então fogem para sua caverna

e suas tropas abandonam à minha terna

misericórdia.  Eu perdoo os infelizes,

mas a seguir me atacam novamente;

a cada trimestre me aprontam novas crises...”

Mal qual é a maldição de que fala, realmente?”

“Venha comigo e a observará sem falha...

Vê aquela lebre de pedra no ressalto?

Foram meus primos que a puseram lá no alto!

 

“Ela atrapalha todas as caçadas

e minha gente chega a passar fome;

nem mesmo o gado que por aqui se dome

pode ser abatido na ocasião!

Por sorte o trigo é forte e o centeio:

servem de base para toda a refeição,

mas dessa lebre de pedra têm receio...”

“Por que não a abate em suas revoadas?”

“Porque está afixada ali por um feitiço,

nenhum dragão pode cortar-lhe o viço!”

 

“Mas se puder ser derrubada por alguém,

ela se suicidará, se esfolará sozinha,

se cortará em pedaços e numa panelinha

cozinhará a si mesma.  Só assim a maldição

será erguida de sobre a minha terra;

nenhum de meus servos, numerosos como são

se atreve a derrubá-la e então a guerra,

mais uma vez, vai recomeçar também...”

“Senhor Prekawatz,” disse o cavaleiro,

“talvez eu a possa derrubar primeiro...”

 

“Mas como me chamou?” – disse o dragão

“Prekawatz não é então seu nome?”

“Não, esse é um dragão antigo, de renome,

de fato, o meu avô.  Porém me chamo

Mladen, que significa “o jovem”.

Pelo direito da herança eu me proclamo

Rei dos Dragões, mas eles não podem

suportar a minha justa posição!...”

“Eu também sou o mais jovem de minha casa...

Se permitir, nessa partida eu ganho a vasa!”

 

domingo, 29 de maio de 2022


 

 

ATOS DE AMOR  ANTIGOS I – 26 MAI 2022

(Emanuelle Chiriqui, modelo e atriz)

 

morna essa carne que tenho nos meus braços,

 

sem frialdade, sem ser quente demais,

que me impede de ser livre, seus beijos são fatais,

meus próprios lábios perco na curva de seus traços

e é tanta essa agonia de amor, meus membros lassos

se perdem na textura de cantos imortais,

minhalma se esvazia em contrações finais,

enquanto lhe preencho a plenitude dos espaços!

 

não vejo em seus abraços qualquer pessoal conquista;

sou eu o conquistado, é ela que me toma,

nas dobras de seu ventre o corpo inteiro doma

e para a escravidão inteiro ela me alista,

sem sonho de escapar-lhe, sou dela integralmente

e sem que me desgaste, só percebo que me alente.

 

ATOS DE AMOR  ANTIGOS II

 

seu corpo é uma caverna de líquida esmeralda,

minha boca lhe percorre as projeções da espinha,

a imagem dos glúteos no entanto se avizinha,

qual sabor me será dela revelado nessa falda?

porém suave é a pele, que algum suor rescalda,

como pode sua passagem enfim mostrar-se minha,

a maciez de madrepérola alçou-se e me retinha

e a pérola eu busquei, na mais fervente balda!

 

mas acima de tudo, o que eu sinto é gratidão,

que ela se entregasse a mim ainda agora!

já não é jovem, bem sei, é mais uma senhora,

não mais ostenta a mim seus peitos em botão...

mas eu a amo, é certo, e em meu amor profundo

ainda eu a percebo a mais bela deste mundo!

 

ATOS DE AMOR  ANTIGOS III

 

a caverna do abandono é a mesma de seus beijos,

eu a prendo junto a mim, sua língua o travesseiro,

contra seus dentes mastigo canção de seresteiro,

sua morna expiração minha fonte dos desejos;

neste momento anil, desfaço-me dos pejos,

que há décadas me levam a descrever primeiro

o amor espiritual que nos envolve inteiro,

porém o amor carnal preencheu-nos mil ensejos!

 

em meu unir dos tempos, na colina da lembrança,

quaisquer atos de amor percebo contagiados

por cada orgasmo antigo em gosto de esperança,

que olvidos e memórias tem olfato de criança

e assim cada lembrança que tive do seu lado

conservo junto a mim, fatiando o meu passado...