quarta-feira, 25 de maio de 2022


 

 

LUZES PERDIDAS I – 24 MAIO 2022

 

Em cada olho eu tinha uma menina,

muito curiosa, à espia do universo,

porém seu cosmos foi ficando terso

e das meninas o crescimento foi a sina.

A adolescer cada qual delas se inclina,

à sua maneira escolhendo o próprio verso;

tiveram sonhos, eu neles fui imerso

e o contemplar do mundo ainda as fascina.

 

Mas essa fase passou-lhes bem depressa,

tive de usar fortes lentes de contato,

cada menina submetida a tal recato;

por trinta e sete anos, usei o mesmo par,

minhas meninas o mundo viam, sem ter pressa,

até que o computador fui encontrar...

 

LUZES PERDIDAS II

 

Minhas meninas assim envelhecendo

mais depressa do que seria de esperar,

três vestidos tiveram de trocar,

por embaciado o mundo estarem vendo.

A menina direita acabou querendo

ver o mundo em luzeiro singular,

véu amarelo no semblante a colocar,

mas para mim qual mancha aparecendo.

 

E desse modo, decidi-me, finalmente

a sepultar as meninas que eu amava

e os dois olhos submeti a operação;

sem dúvida já consigo mais potente

observar cada coisa que encontrava,

porém perdida está a antiga comunhão.

 

LUZES PERDIDAS III

 

Essas meninas que guardavam minhas vistas

foram deixadas para trás num hospital,

não que as pedisse guardar, mas afinal

tais solicitações não seriam benquistas.

De seu paradeiro sequer terei as pistas...

Perdas ocorrem de modo natural,

sempre que ocorre algo intervencional,

sou estatística das modernas listas...

 

E agora eu vejo sem minhas duas meninas,

um implante colocado em seu lugar,

mas realmente, não sei se estou melhor;

eram diamantes de contato as velhas minas,

sempre a deixarem-me o mundo desvendar,

sem precisar me desfazer de um velho amor.

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