segunda-feira, 16 de maio de 2022



 

 

SINOS DA AURORA I – 14 MAIO 22

(Clara Bow, atriz do cinema mudo)

 

Casos de amor ocorrem raramente,

As mais das vezes, são casos de calor,

Algumas outras, mesmo casos de pavor,

Já amor, amor, sendo coisa diferente.

 

Existe amor e sem dúvida é frequente,

As mais das vezes, tem um único sabor,

Que a  vida inteira percorre em seu odor,

Único amor a perseguir-nos inclemente.

 

Talvez segundo e haja até terceiro amor,

Que a vida longa nos traz vicissitudes,

Mas nos assola aquele estrondo primitivo,

 

Compartilhado ou não em seu vigor,

Em consequências de imperfeição ou rudes,

Sempre uma parte do peito o seu cativo.

 

SINOS DA AURORA II

 

Quiçá o amor primeiro foi só um caso de calor,

Na virulência de um desejo adolescente,

Que logo desgastou-se, impermanente,

Resta a lembrança manchada de palor.

 

Quer usufruído ou que se vá pospor,

Esse primeiro amor é onipresente,

Secreto orgulho dominando a gente,

Esse amor feito de escaramuça e ardor.

 

Ou ao contrário, foi um caso de perigo,

Cujas marcas levarás sempre contigo,

Qualquer que seja o novo amor crescente,

 

Quando então buscas no amor um inimigo

Ou somente a calidez de um peito amigo,

De um verdadeiro amor sempre descrente.

 

SINOS DA AURORA III

 

Quiçá o amor primeiro foi dose de paixão,

Tão comum sendo esse amor inexperiente!

São os hormônios a dominar a mente,

São as enzimas a enganar o coração...

 

Mas se não foi amor, tão só a ilusão

Da carne despertada e constringente,

Sobra um espaço para esse amor nascente,

Que só aguardava esconso num desvão...

 

Que quando chega, inteiramente te avassala

E te leva a realizar mil desatinos,

Amor adulto, mas com atos de meninos,

 

Porém se em outro alguém amor se iguala

E se compõe dessa troca de destinos,

Esse é o amor que ora chegou e não se cala.

 

SINOS DA AURORA IV

 

Creio no amor e em seus muitos amores,

Creio na vida gentil e no carinho,

Creio na morte de amor qual passarinho,

Que do ninho caiu em dissabores.

 

Creio também que há tantos dessabores,

Nos quais o amor é a pedra do caminho,

Em que o prazer se manifesta como espinho

E ao próprio coração roem condores.

 

Mas tanta gente eu percebo por aí

Que nos amores foi mais triste do que eu!

Pois certas vezes houve amor que me escolheu

 

E tantas vezes houve amores que perdi,

De cada um a recordar-me o temporal,

Quando deixei-me levar em seu caudal!

 

O LÍRIO DOS CAFRES I – 15 MAIO 2022

 

Os girassóis explodem em crateras,

Do mesmo modo que o fazem asteróides,

Nos corações a provocar rombóides,

Nesse trajeto da sinfonia das esferas.

 

Os heliotrópios têm iguais esperas,

Ficam girando igual pálidos geóides,

Em seu aguardo do sol, quais humanóides,

Presos nos talos e sem escolhas meras.

 

Também nós somos como girassóis

Ou heliotrópios, dependentes de uma luz,

Seja a do Sol, que a vida dá e tira,

 

Seja o do amor em românticos lençóis,

Quais as falenas, lamparina nos seduz

E em tal pequeno sol nossa alma gira.

 

O LÍRIO DOS CAFRES II

 

Adão ficou contente ao ver Eva transformada,

Possivelmente esperando alguns Adinhos,

Sem dúvida tendo certeza que os carinhos

Eram a causa de sua nudez tão ampliada.

 

Por muitas vezes, em sua vida airada,

Dos animais observara os seus caminhos,

Ou mesmo da Serpente, escamas aos pouquinhos

Entumescer vira ao deixá-la engravidada.

 

Mas sem dúvida, o ventre da Mãe Eva

Crescia mais que o de tantos animais,

Teria filhotes ou quem sabe ovos poria?

 

À luz da lamparina a recortar a treva,

Que pensaria o Pai Adão nesses fatais

Momentos em que a luz palidamente refletia?

 

O LÍRIO DOS CAFRES III

 

Não me recordo ter sido experimentado

Colocar heliotrópios ao redor,

Ou girassóis em um recipiente multicor,

Para girar torno a um lampião iluminado.

 

Será que então girariam nesse fado,

Por um nastismo ou tropismo gerador?

Teria Adão experimentado o esplendor

De algum círio ante o ventre projetado

 

De sua Eva, para tornar mais apressado

O surgimento da criança em sua magia?

Quem sabe aos gêmeos tivesse maltratado

 

Com esse fogo artificial que produzia

E assim girassem, sem o Sol ter-se mostrado,

Tal qual um duplo planeta que nascia?

 

PSICOSSOMA (Perspírito) I – 16 mai 2022

 

Procuro a mim mesmo num vasto deserto,

Enquanto meus sonhos se queimam na areia;

Cada clarão meu sono todo ali incendeia,

Faz-se uma adaga contra meu peito aberto.

 

Os antigos Aztecas chegaram bem perto

De buscar as quimeras que a mente ateia,

Um coração escondido por artérias e veia,

Talvez um sonho revelasse ao dia incerto.

 

A Chac Mol era o órgão arrancado,

Sendo de todas a mais mágica oferenda

(Por que não rasgavam seus próprios corações?)

 

A ofertar-lhe assim qualquer sonho roubado,

Gotejante de vida a tal púrpura prenda,

A contrair-se em derradeiras pulsações...

 

PSICOSSOMA (Perspírito) II

 

As vagas da vida em mornas procissões

Percorrem meu corpo em constante magia,

Nenhum capilar o seu tubo esvazia,

Do corpo a regar as menores sessões.

 

Porém em meus sonhos da cor de ilusões

Não sinto o pulsar da maré que vigia,

Meu corpo em sossego, minha mente corria

Por mil corredores em dissipações.

 

Por que o meu peito assim é vazado,

Sem que meu coração dele seja arrancado,

Mas busque em alhures alheio pulsar?

 

Meu sono palpita, sempre entrecortado,

Em meus labirintos constante a saltar,

Sem que tenha a mim mesmo sequer encontrado.

 

PSICOSSOMA (Perspírito) III

 

Mas dentro do peito não acho um areal,

É rubro ao contrário, qual alagadiço,

Por entre coágulos meus passos atiço,

Sem ver a mim mesmo no vasto caudal.

 

Meus sonhos escorrem em sorriso irreal,

Meu sono irrequieto despido de viço,

Meu peito fechado para o arcano serviço,

Não vêm sacerdotes com obsidiana fatal.

 

Apenas eu mesmo abrirei o meu peito,

Das veias e artérias a cortar o seu nó,

Igual que o Nó Górdio que Alexandre rompeu.

 

E em minha impudência cometo o despeito

De hemácias trocar por versos sem dó,

Nesse ato hemofilico que a mente me deu.

 

PSICOSSOMA (Perspírito) IV

 

Porque sei de certeza que um sonho rompido

Foi ato simbólico para a vida ofertado;

Cada vez que algum sonho é assim mutilado,

Será sepultado em albergue escondido.

 

Ao corpo da vida o holocausto é cumprido,

Até que se canse o algoz aprestado;

Eu sou o sacerdote, por mim violado,

O corpo do sonho em hemoptise perdido.

 

Pois na vida real holocaustos já fiz,

Ao longo dos anos meus sonhos matei,

Para o corpo carnal o seu sangue ofertei

 

Mas na pira final cada sonho infeliz

Tornou-se num verso em sua poeira de luz

E em sua chama deitei-me com os braços em cruz.

 

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