quinta-feira, 1 de outubro de 2020

 

 

QUEIMA DE PALHA 1 -- 13 JAN 18

 

Quem diria, afinal?   Tudo o que faço

torna-se palha, por mais doce seja!

Esse é o problema do ouro que se enseja

da palha transformada em meu regaço...

 

A palha, ao menos, traz da relva o traço

e até pode ser comida.  A palha beija

minha língua, embora a arranhe enquanto esteja

entre meus dentes ocupando espaço...

 

Porém o ouro em que a transformo não se come,

apenas se açambarca e se entesoura,

enquanto eu, a mãos cheias, distribuo...

 

Sou ourives da vida e a vida some

tudo o que crio.  É outrem que o devora,

pagando apenas com seu desdém e amuo!

 

QUEIMA DE PALHA 2

 

Mas pouco importa o que a vida nos devore.

O quanto faço se amalgama em ouro,

meus percalços transformados em tesouro,

Que diferença se é só latão que eu doure?

 

Que o pasto murcho com meu sangue enflore,

que da carcaça eu conserve o melhor couro,

que dê ao sonho injustiçado melhor foro

ou torne do outro em luz o que deplore?

 

Pois sou o ourives de qualquer cilada

e com a mínima coisa me comovo,

de tal forma que a transforme em arrecada

 

entrelaçada de quimera em desvairada,

que o barro e a poeira de um rubi removo

e os lanço ao vento, sem guardar mais nada!

 

QUEIMA DE PALHA 3

 

Sobre o Rei Midas afirmaram no passado

que tudo em ouro podia transformar,

para de fome finalmente se acabar

a sua existência, após o pão ter transformado.

 

Também o Toque de Sadim foi mencionado,

um irmão seu, o qual tudo iria mudar

em pura palha, sem sua fome mitigar:

embora opostos, no final o mesmo fado...

 

Mas não é assim comigo.  Eu tomo a palha

de minha vida e a transformo em verso,

em alimento do mundo assim converso;

 

tristezas e obstáculos, cada falha,

sem que por isso me prive de algum pão,

por mais que lascas te dê do coração.

 

QUEIMA DE PALHA 4

 

A esta altura, pensarás, talvez

em como é presunçoso esse poeta!

Tem pretensão que a alma te completa

com tantos versos inúteis que já fez!

 

Tudo depende da forma como os vês:

cada verso é destinado a alma inquieta;

se não à tua, a outra fez repleta,

talvez pirita e não ouro em seu jaez.

 

É só essa a pretensão.  Que se destina

cada soneto indo a qualquer desconhecida,

para quem essas palavras tragam bem;

 

Tenho esmeraldas e rubis na vasta mina

e se um não pode enriquecer tua vida,

quem sabe um outro se destine a ti também?

 

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